Depois de meses de trabalhos, a CPI dos Respiradores da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), que investiga a compra de 200 respiradores pelo Governo do Estado junto à empresa Veigamed, que custaram R$ 33 milhões, pagos de forma antecipada, chegou ao fim nesta terça-feira, 18. A leitura iniciou por volta das 17h e terminou depois das 22h, sendo revezada por diversos deputados.
O relatório final foi lido em plenário e, entre outras coisas, pede o impeachment do governador Carlos Moisés da Silva (PSL), e a investigação criminal de 13 pessoas por participação na compra fraudulenta. Ao final da sessão, o relatório foi aprovado por unanimidade.
Encaminhamentos
O documento com mais de 115 páginas será encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal de Contas (TCE/SC) e o Tribunal de Justiça de SC (TJSC), entre outros. A CPI ainda vai enviar o relatório ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras por suposta participação do governador. Outro encaminhamento é o pedido ao presidente da Alesc, Julio Garcia (PSD), a abertura de mais um processo de impeachment – já há um tramitando na Casa. De acordo com Naatz, há crime de responsabilidade por parte do governador.
Segundo o relatório da CPI, o governador Carlos Moisés da Silva “atuou de forma deliberada para ocultar fatos da CPI”. “Cabe ao governador a proteção do erário público e a imagem do estado perante o a comunidade”, cita Naatz em sua leitura do relatório.
Há uam parte do relatório que relata os motivos pelos quais acredta-se que Carlos Moisés é responsável e apontado pelo crime de responsabilidade e de que foi advertido sobre a compra dos respiradores.
Em seguida, o relator lembrou das perguntas enviadas ao governador pelos deputados da CPI e apontou contradições nas respostas. “Fica claro que o governador ficou sabendo da situação ainda em março, sem tomar nenhuma providência. Ou seja, o governador não protegeu o erário publico. Não restam dúvidas que o governador faltou com a verdade quanto a sua participação. Ele sabia da compra fraudulenta. Postura esta, inaceitável. O mandatário máximo deveria estar vigilante. Não se teve notícia nesta CPI de qualquer ação do governador no sentido de fazer encaminhamentos de proteção. Não há dúvidas deste relator, que a sociedade catarinense, as tenha, que o governador acompanhou a questão como ordenador direto das ações da pandemia. Acompanhava diariamente as ações da pandemia, recebendo informações pontuais das ações para preparar os hospitais”, leu Naatz no relatório.
As 13 pessoas que a CPI solicita que sejam investigadas por possíveis crimes como improbidade administrativa, lavagem de dinheiro, peculato, formação de quadrilha, entre outros:
César Augustus Martinez Thomaz Braga;
Douglas Borba;
Fábio Deambrósio Guasti;
Helton de Souza Zeferino;
Leandro Adriano de Barros;
Márcia Regina Geremias Pauli;
Pedro Nascimento de Araujo;
Rosemary Neves de Araújo;
Samuel de Brito Rodovalho;
André Motta Ribeiro;
Carlos Charlie Campos Maia;
Carlos Roberto Costa Júnior;
José Florêncio da Rocha.
Os trabalhos
O presidente da CPI, deputado Sargento Lima (PSL), abriu a sessão e passou a palavra na sequência ao relator Ivan Naatz (PL), que iniciou a leitura do relatório. “Terminamos o relatório em tempo recorde e estamos fazendo a leitura do relatório na segunda quinzena de agosto”, falou o deputado, que na sequência explica os objetivos da CPI que é investigar o pagamento, por parte do Governo do Estado, de R$ 33 milhões de forma antecipada na compra de 200 respiradores. “Identificar os fatos que permitiram o desvio de recursos do erário. Identificar os responsáveis, auxiliar os órgãos competentes na recuperação dos R$ 33 milhões. Permitir que a população tenha acesso aos processos públicos. Sugerir adequação para inibir fraudes e atos que firam os princípios da administração públicas”, falou.
Depoimentos solicitados, mas não colhidos
Também membro da CPI, o deputado Felipe Estevão (PSL) deu prosseguimento à leitura falando dos depoimentos solicitados, mas que não foram prestados. "Depoimentos em que pese arrolados não puderam ser viabilizados como do CEO da Veigamed que se encontra foragido. Fábio de Ambrósio, representante da Veigamed não aconteceu porque, estando preso nas duas datas arroladas para a sua oitiva, informou que não ia participar. Leandro Barros, estando preso, com respaldo no Artigo V da Constituição fez o uso do direito de silêncio, não prestando novos esclarecimentos além da sua oitiva anterior. Vereador Edmilson Junior, de Florianópolis, teve o seu nome aprovado para prestar depoimento, mas não ocorreu por apresentar atestado médico", salientou.
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Depois, o relatório lembra do início da pandemia que culminou na possível fraude. “O ano de 2020 começou com a descoberta de um novo vírus, conhecido como coronavírus. A OMS elevou para o estado de pandemia. Esta situação atingiu a economia e relações em Santa Catarina decretou emergência em 17 de março e posteriormente calamidade pública em 20 de março. Pelo qual determinou que a Secretaria de Estado de Saúde, por meio do COES, centralizaria o enfrentamento da pandemia. Neste panorama, envolve as contratações públicas. A situação de calamidade permite o Estado intervir nos hospitais privados. Aproveitando do afrouxo das medidas, aproveitaram para fazer a aquisição de 200 respiradores junto à Veigamed no valor de R$ 33 milhões resultando em lesão ao erário do Estado. Destaca-se a dispensa de licitação com valor elevado e sem garantia. Aceitar substituição do equipamento por um inferior, sem diminuição do valor”, aponta o relatório.
Cronologia
O texto apresenta a ordem cronológica dos fatos montada através de imagens de conversas por meio do Whatsapp que tratam da compra dos respiradores são anexadas ao relatório. “Segundo Márcia, Douglas (Borba), indicou o fornecedor que poderia atender as demandas para compra de equipamentos. Depois Douglas encaminha à Márcia um prospecto de ventilador pulmonar. ‘leandro fará contato com você’. Três minutos depois, Fábio Guasti envia mensagem à Márcia se apresentando. Sendo assim, existe provas da relação entre Douglas e Fábio”, segue Estevão em sua leitura. “Segundo Márcia (Pauli), Douglas (Borba), indicou o fornecedor que poderia atender as demandas para compra de equipamentos. Depois Douglas encaminha à Márcia um prospecto de ventilador pulmonar. ‘leandro fará contato com você’, envia junto.Três minutos depois, Fábio Guasti envia mensagem à Márcia se apresentando. Sendo assim, existe provas da relação entre Douglas e Fábio”.
Propostas
As páginas lidas por Estevão tratam ainda da tentativa de dar aparência de regularidade em todo o processo. “Os orçamentos apresentados de duas empresas são praticamente idênticos, salvo o valor unitário e o prazo de entrega. A imagem utilizada na proposta é a mesma apresentada por Guasti na da Veigamed. A apresentação da proposta tentou dar aparência de regularidade, acontece que as propostas jamais poderiam ser validas, seja pelo servidor que colocou no sistema, no entanto, no dia 29 de março, após a inclusão dos dois orçamentos fraudulentos foi colocado no parecer jurídico, concluindo que observadas as disposições legais e aplicáveis, e abstendo-se à especificações, sobre a conveniência da contratação, considerando a legalidade dos atos, opina a assessoria pelo prosseguimento da contratação via dispensa de licitação. Contudo, além de não observar a cópia de todas as propostas inseridas nos autos, deixou de argumentar essência do valor. Ausência das razões da escolha do fornecedor. Se quer apontou ausência do contrato social”, cita o relatório.
O texto trata ainda de fato ocorrido em 30 de março. “O secretário Helton (Zeferino) determinou que fossem juntados os autos atestando que o equipamento atende as especificações para a ventilação de pacientes com Covid-19. No mesmo dia, restou homologada na dispensa de licitação, liberada a ordem de fornecimento para a aquisição de 200 unidades de respiradores Medical C35. Na ordem consta o prazo de entrega de um dia e prazo de pagamento de 30 dias. Em 1º de abril, a dispensa foi cadastrada. A aprovação de cadastro foi emitida no mesmo dia. As 18h30min, a ordem de fornecimento foi enviada à Veigamed e solicitada a ordem de fornecimento e não houve resposta. Segundo consta no pedido de prisão na segunda fase da Operação Oxigênio, o núcleo empresarial por várias pessoas envolvidas, sabia que a empresa possivelmente não conseguiria cumprir e desde o dia 30 de março havia a confirmação que não se entregariam os respiradores. Má fé por Fábio e incompetência de servidores da secretaria de saúde é inegavelmente fraudulenta”, completou a leitura, Felipe Estevão.
Prazo descumprido
No trecho lido pelo deputado Milton Hobus (PSD) está inserido o não cumprimento do prazo de entrega dos respiradores. “No dia 8 de abril, após o não cumprimento do prazo de entrega, acontece a primeira notificação à Veigamed, emitida pela Secretaria de Estado da Saúde. A empresa envia a segunda contraindicação com um cronograma de entrega em quatro remessas de 50 equipamentos a partir de 23 de abril”, relatou.
Somente em abril foram três notificações enviadas à Veigamed devido ao descumprimento dos prazos. O relatório cita também o grupo de Whatsapp criado pelo Secretário de Estado da Administração, Jorge Eduardo Tasca trata das compras para o combate à pandemia e também o projeto protocolado e retirado da Alesc por parte do Governo do Estado. O texto pedia autorização para o pagamento antecipado nas aquisições no combate à Covid-19. “O projeto não tramitou na Alesc, pois o Governo o retirou”, descreve o relatório.
Os procedimentos licitatórios que garantem segurança e evitam danos ao erário também é citado no relatório, trecho lido também pelo deputado Kennedy Nunes (PSD).
Vícios e negligência
Ainda no trecho lido por Nunes, o relatório aponta vícios e atos negligentes “que macularam todo o certame, ficando fácil perceber que a contratação da Veigamed foi feito mediante proposta fraudulenta a compra dos respiradores foi feito ao arrepio dos princípios constitucionais”. “A proposta de Fábio Guasti é inegavelmente fraudulenta”. A proposta também continha fraude no prazo de fornecimento, pois a empresa não possuía capacidade de entregar mesmo após o pagamento antecipado. Falsidade ideológica, uma vez que as empresas que as fizeram usaram a mesma imagem apresentada por Fábio Guasti à Márcia Pauli”, relatou.
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O relatório ainda aponta que a Veigamed não tinha funcionários, o capital social era incompatível com o valor da compra, a sede era uma casa humilde no Rio de Janeiro e nunca havia feito comércio exterior e nem com Santa Catarina. “Sem experiência, sem importação realizada, com titularidade de pessoa provavelmente laranja. Ausência de garantia em caso de pagamento antecipado. A proposta também tinha fraude no prazo de pagamento. Conseguiu o crescimento do preço após garantir a entrega rápida dos equipamentos. Cronograma previa entrega de 100 respiradores nos dias 6 e 7 de abril e os outros 100 até 30 de abril. O prazo de execução era previsto em 35 dias, como a proposta foi formulada em 26 de março e previa a primeira entrega em 6 e 7 de abril, após cerca de quatro meses do pagamento, ainda não entregou nenhum equipamento. Conforme depoimentos de Márcia Pauli, a empresa foi indicada pelo então chefe da Casa Civil, Douglas Borba. No dia 1º de abril, Fábio pressiona Márcia pelo pagamento para que os equipamentos pudessem vir da China"”, apontou.
E segue o texto do relatório. “A Veigamed apresentou proposta de respirador que sequer existia. A Veigamed cometeu ato lesivo ao Governo do Estado. “Os áudios enviados por Fábio para Márcia mostram fraude por prometer o que não pode entregar. No dia 1º de abril, Fábio pressiona Márcia a fazer o pagamento porque está pronto para importar os equipamentos”, completou Kennedy.
Os personagens
O deputado Fabiano da Luz (PT) sucede Kennedy Nunes na leitura do relatório. Agora o texto trata dos personagens de todo o processo, as contradições, as implicações e os apontamentos feitos pela Comissão Parlamentar de Inquérito. “Douglas (Borba) apagou de seu Whatsapp a mensagem que mandou para a Márcia (Pauli): ‘Douglas fará contato com você’. Isso evidencia a proximidade e confiança entre Douglas e Leandro. A mensagem não era possível ver no celular de Douglas, mas no celular de Márcia, sim. “Apesar de dizer CPI que não tinha relação com Leandro de Barros, mensagens mostram a proximidade entre Douglas e Leandro”.
A possível interferência do então chefe da Casa Civil nas compras também é citada. “Para provar a interferência de Douglas nas compras da Secretaria de Saúde, estava a insistência na compra de EPIs no valor de R$ 70 milhões e rodeada de irregularidades. A Controladoria Geral do Estado identificou o elevado preço e a grande quantidade. A compra em questão acarretaria prejuízo aos cofres públicos. O valor era mais que o dobro dos produtos adquiridos”.
Helton sabia
O relatório implica o então secretário de Estado da Saúde, Helton Zeferino ao apontar que ele sabia do pagamento antecipado. “Resta caracterizado que Helton Zeferino concordou com o valor da compra. Helton tinha conhecimento do pagamento antecipado. Não tomou nenhum medida oficial, somente se dirigindo a controladoria dez dias depois da não entrega dos respiradores. Helton tinha pleno conhecimento da operação fraudulenta que se realizava. Ele foi o responsável direto pela compra direta. Foi condescendente com tudo que acontecia e agindo com cegueira. Por sua omissão resta a esta comissão, dar ciência ao Ministério Público para os procedimentos pelo ato de improbidade administrativa", diz o relatório
“Sem Márcia, a fraude não tinha acontecido”
Segundo o relatório, a superintendente de compras da Secretaria de Estado da Saúde, Márcia Pauli, foi omissa na situação e contribuiu com a fraude. “Márcia teve contato com todos os envolvidos nesse documento fraudulento, com efeito, dada a forma como foi instruído o processo, corroborado que Márcia certificou as notas da Veigamed. E também, do que foi apurado pela força tarefa, e do grupo de Whatsapp 'Covid-19 Compras', Márcia agia de má-fé, visto que como fazia porte do grupo para tratar e instruir mecanismos de evitar prejuízo ao erário, ficava em absoluto silêncio, atrasando ações que não podiam ser tomados pelos órgãos de controle para evitar que recursos do erário fossem esvaziados. Bastava ela comunicar os membros do grupo quanto à certificação das notas. Sem Márcia, a fraude não tinha acontecido como se seguiu. Ela certificou duas notas fiscais de 200 respiradores. Assim se viabilizou o pagamento de R$ 33 milhões a uma empresa que não tinha nenhuma condição de entregar”, diz. Márcia Pauli, inclusive, participou de acareação junto com Helton Zeferino e Douglas Borba, em junho.
Sobre o coordenador do Fundo Estadual de Saúde, José Florêncio da Rocha, o relatório diz: “Eu sabia que previa pagamento antecipado e fez o pagamento a pedido de Márcia. Contata-se que ele tinha conhecimento pelo fundo de saúde era antecipado, que os respiradores não haviam sido entregues”.
Trabalho iniciado em maio
A primeira reunião da CPI foi realizada em 5 de maio. Ao longo da investigação foram reunidos 13 volumes de documentos, totalizando quase 3 mil páginas. Além das pessoas e as empresas responsáveis pela compra dos respiradores, o relatório também deverá contar um pedido de ressarcimento aos cofres públicos e sugestões de alterações legislativas para maior controle de compras públicas em situações de calamidade para que seja analisado tanto pelo legislativo estadual como pelo Congresso Nacional. Aprovado pelos membros da CPI, o documento será encaminhado para o Ministério Público, Mesa Diretora da Assembleia e Procuradoria-Geral da República.
No vídeo, a leitura do relatório final da CPI dos Respiradores: