Hoje em dia, as campanhas contra as AIDS são encaminhadas naturalmente, sem reações, com apoio de todos.
A "camisinha" é vendida em qualquer lugar, distribuída nos postos de saúde e colocada à disposição nos banheiros em casamentos, festas e eventos.
Mas, no começo foi difícil.
Porque era preciso rever conceitos, teses, convicções, e até princípios religiosos.
Começar a falar em AIDS na rádio e escrever no jornal foi um exercício de paciência, persistência, resiliência.
Porque tinha que falar de como poderia contaminar, das relações entre pessoas do mesmo sexo, ou compartilhamento de seringas entre usuários de drogas.
Afinal, estávamos falando disso nas décadas de 80 e 90, principalmente.
Não era fácil. Muitas reações.
Mas, era preciso tratar disso.
O mundo estava se voltando para o problema, dando caminhos para o tratamento adequado, e o governo brasileiro assumia posições de vanguarda.
Em 1986, a Organização Mundial da Saúde lançou uma ação global contra a AIDS e o governo brasileiro criou um programa nacional para tratar do assunto, tornando obrigatória a notificação de novos casos às autoridades de saúde das cidades.
Em 1988 foi instituído o dia mundial de luta contra a AIDS.
No mesmo ano, morreu o cartunista Henfil. Dois anos depois, morreu Cazuza.
As discussões sobre a AIDS foram avançando, ganhando mais espaços.
Mas, ainda não era uma conversa fácil.
A melhor demonstração disso foi o que aconteceu no carnaval de 1998 em Criciúma.
Acélio Casagrande era secretário de Saúde do município.
O mesmo Acélio que hoje faz um trabalho avançado, ousado, elogiado por todos, no enfrentamento à pandemia do Coronavírus.
Ele queria investir na conscientização para prevenção.
Todo mundo estava fazendo campanhas em rádios e emissoras de televisão, anúncios em jornais, e distribuição de panfletos. Ele queria mais do que isso.
Eu era diretor do Jornal da Manhã, na época o único jornal diário da cidade.
Como estávamos na mesma sintonia em relação a gravidade do assunto, rapidamente definimos o que fazer.
A prefeitura estava recebendo do governo federal um lote grande de preservativos (camisinhas).
O jornal estava com uma boa “carteira” de assinantes.
Decidimos distribuir preservativos junto com os jornais.
Cada assinante recebeu, colado no jornal, dois preservativos.
E uma mensagem para que todos se cuidassem no carnaval.
A reação veio forte. Principalmente da igreja católica.
O padre Marcos, da Catedral, fez o sermão de várias missas contra o jornal.
Liderou campanha de boicote e cancelamento de assinaturas.
A central telefônica do jornal congestionou de leitores e assinantes, estimulados pelo padre, indignados com a iniciativa.
Poucas assinaturas foram canceladas, mas os funcionários do jornal tiveram muito trabalho.
O discurso feito por aqueles que reagiram à iniciativa é que seria incentivo à “depravação”, ao homossexualismo e coisas do tipo.
O tempo se encarregou de mostrar que foi feito o certo.
A mesma forma de enfrentar o problema é falar dele, e tratar das suas circunstâncias.
Depois, era uma novidade, uma virada de chave. E isso gera reação.
Agora, quando vejo a luta pela distribuição de absorventes para as meninas e mulheres, e as reações que chegam a ser desumanas, lembro de tudo aquilo.
É uma questão de tempo. Vai ter que ser feito.
Mas, para isso, tem que mudar cabeças, criar novos conceitos.
É mais ou menos assim também em relação às vacinas.
Até hoje, há os que questionam a vacina contra o Coronavírus. São poucos, cada vez menos, mas ainda tem.
Chegaram a dizer até que a vacina faria o paciente ficar doente. Uma bobagem. Vacina salva.
Mas, também foi assim em 1904, no Rio de Janeiro, quando Oswaldo Cruz determinou vacinação de todos contra a varíola. Era o único caminho seguro para salvar vidas.
Mas, teve os que foram contra, se levantaram e fizeram a Revolta da Vacina.
Que foi para a história como um dos maiores equívocos de todos os tempos.
Mas, é assim, fazer diferente, abrir caminho novo, é sempre difícil, porque provoca reações, porque contraria interesses e faz mudar conceitos.