Quem lê esse texto possivelmente me acompanha no 60 Minutos, onde falo de vários tipos de investimentos possíveis. Cada dia eu entendo mais de mais modalidades, mas também não tenho pudor de dizer que não entendo essa ou aquela dinâmica.
Sim! Dinâmica é o termo certo, mesmo pouco falado quando trata-se de investimento. O que considero importante ao analisar um investimento é entender a dinâmica. O meu dinheiro vai pra onde? Depois passa por onde? Até onde consigo acompanhá-lo? E por aí vai…
O ponto importante nesse meu jeito de avaliar investimentos é entender quais pontos de sombra podem haver e, consequentemente, quão arriscado é de o meu dinheiro sumir. Perder por desvalorização é uma coisa, ser roubado é outra.
Um campo que eu observo mas não consigo entrar é o dos criptoativos. Nunca dediquei tempo para estudar a fundo, mas pelo que já li a respeito do mecanismo de blockchain, é uma revolução impressionante em termos de segurança de informação e descentralização de controle. Parece mesmo ser o futuro da tecnologia.
Mas quando olho como investimento, não entendo a dinâmica de valores. A falta de lastro, que é um dos trunfos apresentados pelos entusiastas, me atrapalha na tarefa de precificar os ativos. Se fosse investir em um, seria no Etherium. Mas a que preço? E, sim, preço importa.
Seguindo nessa linha, da blockchain surgiu um modelo de criptoativo chamado NFT (non fungible token em inglês), que são códigos não copiáveis, únicos, que transferem ao portador o título de propriedade do produto original, seja ele uma ilustração, um tweet, um vídeo,…
O termo virou febre nos últimos meses, mas foi cunhado em 2012, quando a Christie’s, casa famosa por leilões milionários, leiloou a obra “Everydays: The first 5000 days”, que consiste numa colagem digital feita pelo artista conhecido por Beeple durante 5 mil dias consecutivos. Arrematada por US$ 69,3 milhões, ela ficou entre as três obras mais caras de artistas vivos.
Estamos falando de cerca de R$ 140 milhões na cotação da época, ou R$ 380 milhões na cotação atual. Por uma colagem artística que não existe fisicamente.
E pra deixar ainda mais confusa a valoração dessa obra, vale ressaltar que você pode acessá-la aqui: https://onlineonly.christies.com/s/beeple-first-5000-days/beeple-b-1981-1/112924
Hoje em dia eu não vejo mais com tanta frequência, mas no início dos anos 2000 era normal consumir músicas e filmes sem comprar CDs e alugar DVDs, apenas baixando da internet, normalmente por programas como Napster ou Kazaa. Na época essa prática gerou brigas gigantescas de gravadoras e bandas, como o Metallica, contra esses programas.
A grande revolução aconteceu quando ficou obvio que arquivos digitais são infinitamente replicáveis. Essa característica deixa ainda mais confuso o entendimento de quanto vale um NFT. Afinal, se você pudesse replicar um quadro de Picasso exatamente como o original, como num passe de mágica, com as mesmas pinceladas, a mesma idade, exatamente igual, elas valeriam metade? Valeriam mais?
Esse tema tem ocupado bastante a minha cabeça, ultimamente. Não pensando em investimento, mas sim na questão psicológica do tema. Afinal, além dos pontos que listei acima, existe também a narrativa.
Quem não acompanha, deveria buscar pelo termo no Twitter. São discursos apoteóticos, afirmando que quem não “entrar” agora vai perder o bonde da história, vai se arrepender muito! Há, inclusive, quem pregue tanto a arte em NFT a ponto de defender que grandes obras sejam convertidas em tokens e destruídas. Imaginou se a Monalisa fosse destruída e vivesse apenas em meio digital? Quanto valeria?
E, já que falamos de Monalisa, você já pensou em quantas vezes já viu essa imagem na sua vida? Livros de história, filmes, aulas, palestras, camisetas, canecas, canetas,… Ela está em todo lugar! Mesmo quem nunca chegou perto do Louvre, onde está exposta a original, já cansou de olhar pra cara da Gioconda!
E mesmo assim a pintura original vale perto de US$ 900 milhões. Então podemos afirmar que não é pelo prazer de apreciar a imagem. Mas pelo que é, então?
Eu não sei, assim como não sei porque os NFTs também estão sendo vendidos por milhões. O que sei é o que me parece. E me parece que o mesmo sentimento que leva a compra de obras únicas de arte também motiva a compra dos tokens. Não é o objeto, é a posse. É o sentimento de exclusividade.
Sendo assim, fica a minha dúvida… Os novos colecionadores de arte são menos pirados do que parecem ou os tradicionais é que são mais do que pensamos?
Eu tenho a minha opinião, mas qual a sua?