“Se você quer que algo seja bem feito, faça você mesmo”
Sim, eu sei que você já leu ou ouviu essa frase inúmeras vezes. Normalmente ela surge quando algo foi mal feito, demorou ou nem feito foi. Pode parecer um axioma de eficiência ou dedicação à missão, mas tal atitude é mais contraproducente do que você pode imaginar.
Eu já vi isso acontecer entre colaboradores no ambiente de trabalho seguindo, quase sempre, uma dessas lógicas: “não me custa nada fazer” e “é mais rápido/melhor se eu fizer”.
Um membro mais experiente ou um líder de uma equipe, num momento de necessidade de uma solução rápida para um problema, deve sim tomar a frente e “botar a mão na massa”, se o titular da função for inexperiente ou não tão capacitado.
Trabalho com programas de rádio e tv ao vivo há quase 20 anos e sei que segundos viram horas numa pane. Uma panela de óleo pegando fogo numa cozinha profissional na estação de um aprendiz também pode virar um caos em segundos. Mas esse tipo de episódio é exceção.
O problema começa quando assumir o papel do outro vira algo recorrente. Para ilustrar, vou reproduzir aqui uma pequena parábola do livro O Homem Mais Rico da Babilônia, de George Clason, que conta de um fazendeiro que conseguia ouvir os animais:
"Uma noite, ele ouviu o cavalo queixando-se ao asno dos rigores de sua sorte: 'Trabalho puxando o arado da manhã å noite. Por mais quente que esteja o dia, por mais cansadas que se sintam minhas pernas, por mais que o laço esfole meu pescoço, sou obrigado a dar conta do recado. Você, entretanto, é uma criatura que tem suas horas de descanso. Você é forrado com mantas multicores e não tem mais do que carregar nosso amo aos lugares aonde ele deseja ir. Quando o homem não sai, você fica descansando e comendo a grama verde durante todo o dia.'
"O asno, apesar de seus famosos coices, era um bom companheiro e simpatizava com o cavalo. 'Meu bom amigo', replicou ele, 'você realmente trabalha muito pesado, e eu gostaria de ajudá-lo. Por isso direi como pode fazer para ter um dia de descanso. Pela manhã, quando o escravo vier para amarrá-lo ao arado, deite-se no chão e solte os maiores gemidos que puder, para que ele diga que você se encontra doente e não tem condições de trabalhar.'
"Assim fez o cavalo, e no outro dia o escravo saiu å cata do amo para comunicar-lhe que o cavalo estava doente e não podia ser amarrado ao arado.
'"Então', disse o fazendeiro, 'use o asno para fazer o serviço.' "Durante o dia inteiro, o asno, que só tinha querido ajudar um companheiro, viu-se compelido a dar conta da tarefa do outro. À noite, depois de desamarrado do arado, seu coração estava amargo, as pernas em frangalhos, o pescoço todo esfolado.
"O fazendeiro tinha permanecido no terreiro para escutar.
"O cavalo iniciou a conversa. 'Você é um bom amigo. Devido ao seu sábio conselho, pude descansar durante todo o dia.'
'"Enquanto eu', reclamou o asno, 'sou como toda essa gente de bom que por ajudar um amigo e acaba sendo obrigado a fazer as tarefas dele. A partir de agora, você deve puxar sempre o arado, pois ouvi o amo ordenar ao escravo que o para o açougueiro se você ficar doente de novo. Tomara que ele mesmo, pois você é um companheiro preguiçoso.' A partir de então não se falaram mais, aquele episódio tendo acabado com a amizade dos dois."
Trazendo para a realidade, o que já vi acontecer muito é alguém que, por serviços prestados e experiência acumulada, foi remanejado para uma função de maior responsabilidade mas segue com os olhos voltados ao posto antigo, normalmente assumido por alguém menos “gabaritado”. O primeiro, por força do hábito e com o intuito de manter a qualidade do produto final, segue “ajudando” o novato nisso ou naquilo.
Esse hábito impacta ambos negativamente. O primeiro, abraçando mais do que alcança, acaba por deixar a desejar na sua função nova, por vezes fica estafado e pode, em alguns casos, transferir a culpa (que é dele próprio) para o seu superior, que estaria o sobrecarregando. Para o outro não sobra espaço para aprender e mecanizar a nova função, já que participa com um coadjuvante da ação, auxiliando aquele que nem deveria estar ali. Os dois personagens saem perdendo.
Há também casos, em que o abraçador do mundo é o dono do negócio, principalmente se este partiu da área técnica para a gestão. Como um padeiro que abre a sua própria padaria. O mesmo conhecimento que proporcionou que tal pessoa seja seu próprio chefe o convence que ninguém produz melhor que ele. Crente disso, não delega. Não delegando, restringe a capacidade produtiva do negócio à sua capacidade produtiva.
Seja entre colaboradores, seja entre níveis hierárquicos diferentes, a filosofia a ser seguida deve ser a mesma:
Ado, Ado, Ado
Cada um no seu quadrado