Me acompanhe num raciocínio, por favor.
Você pagaria R$ 3.000 em uma garrafa de vinho?
Provavelmente não, certo? Porque, salvo algumas exceções (colecionadores ou pessoas com alto poder aquisitivo), é um valor muito acima da média de mercado de vinhos no país, onde um bom vinho pode ser comprado por menos de R$ 100.
Por outro lado, vamos seguir na hipótese de que você comprou uma garrafa de vinho por R$ 100 e, por algum motivo que não vem ao caso, esta mesma garrafa se valorizou no mercado e agora vale R$ 3.000. Você venderia?
Meu pai falou que beberia, então vamos mudar o objeto para um carro. Pode ser um quadro, uma camisa de futebol ou um brinquedo antigo lacrado. O sentido é o mesmo. É muito provável que não venderia o objeto.
Mas por que?
Por conta de um efeito psicológico chamado Viés de Dotação (ou de Posse), que se apresenta quando as pessoas muitas vezes exigem muito mais para desistir de um objeto do que eles estariam dispostos a pagar para adquiri-lo.
E é um dos mais conhecidos vieses cognitivos estudados pela economia comportamental e pela psicologia. Esses padrões de comportamento são frutos de nossas experiências de vida, que, depois de agrupadas e interligadas, acabam criando “atalhos” nos nossos processos de julgamento e de tomada de decisão. Inclusive quando tratamos de gestão de ativos.
Seguindo nos exemplos, há dois vieses que aparecem e influenciam sensivelmente (e negativamente) o desempenho dos investidores mais novatos são o Efeito Adesão (ou Manada), e o Efeito Dunning-Krueger.
O primeiro que se dá quando o indivíduo toma uma atitude (como investir em um ativo) apenas porque muitas pessoas estão fazendo o mesmo, sem análise racional. Algo como “se todos estão correndo para aquele lado, não sou eu que ficarei de fora”.
O segundo afeta a confiança da pessoa na própria capacidade e conhecimento sobre um assunto, em uma escala inversamente proporcional entre experiência e confiança. Não sei você, mas vejo exemplos deste viés na minha filha. Uma vez ela ganhou uma raquete de tênis e fomos na garagem do prédio para “treinar”. Depois de alguns minutos, a quantidade de bolas que ela acertou foi aumentando e ela, no alto dos seus 6 anos, tinha certeza que estava a poucos passos de uma carreira promissora no esporte. Era a primeira vez que tinha essa experiência, tinha apenas acertado a bolinha com a raquete, sem direção definida, mas já dizia cheia de confiança: “eu sou muito boa, né pai?”.
Como investidor, aconteceu parecido comigo. Em período de bull market, com a bolsa subindo diariamente, “acertei” na compra de várias ações e senti que levava jeito pra coisa. Analisava alguns múltiplos de empresas que eu conhecia e comprava com confiança. Mas resolvi me manter pequeno (investindo muito pouco) e aprofundar os estudos. Depois de alguns meses o sentimento era outro. Analisava o ativo, comparava com a média do setor, pesquisa a empresa e... travava. Faltava a segurança do início. Mesmo sabendo mais, parecia menos preparado. Lembra aquele velho ditado que diz que quanto maior o conhecimento do indivíduo, maior a consciência do quanto não sabe.
Mais um perigoso exemplo é o Viés da Confirmação que nos faz pesquisar e acreditar apenas naquilo que corrobora o que já acreditamos. E por aí vão os vieses e efeitos.
Mas, pra fechar, volto ao exemplo que dei início ao texto para ligar com o que considero um pequeno ensinamento do gestor de fundos João Luiz Braga, que, depois de grande destaque na gestão de fundos da XP Investimento, lançou na última segunda-feira, dia 1º, a sua própria gestora.
Em uma entrevista, Braga apresentou uma prática que implementou nos processos de gestão das carteiras que administra para fugir das armadilhas dos vieses. Ele explicou que todo dia, ao abrir os trabalhos, ele lança à equipe a seguinte pergunta: se tivéssemos vendido tudo ontem, compraríamos tudo de volta pelo preço de hoje? Se sim, o ativo segue na carteira.
Faça o mesmo responda: Será que a sua carteira sobreviveria intacta a esse teste?