Provavelmente, você já ouviu alguém dizer que, em relação à sociedade, há avanços em muitos aspectos. Mas, que ainda existe um longo caminho a percorrer. Esse é um dos pensamentos que vêm à tona em datas como o Dia Internacional da Mulher, assinalado no último dia 8. A desigualdade no âmbito profissional é uma luta histórica do gênero, muito embora o público feminino esteja cada vez mais presente em cargos de liderança, seja empreendendo ou aperfeiçoando-se para que haja reconhecimento e competitividade.
Em Lauro Müller, há um exemplo a ser seguido. A cervejaria Lohn Bier, conhecida em toda Santa Catarina e premiada mundialmente, tem 54% da sua equipe de colaboradores composta por mulheres. Para a sócia-proprietária, Tatiani Felisbino Brighenti, esse é um motivo de orgulho. “A gente contrata as pessoas pelas suas capacidades, independente do gênero. Tanto na parte administrativa, quanto no chão de fábrica, produção, laboratório, envase e logística, nós temos mulheres. Elas atuam tanto em cargos expressivos, que requerem responsabilidade, como de liderança”, comenta.
O empreendedorismo está no sangue da família. Junto aos dois irmãos e ao marido, Tatiani está à frente da Lohn Bier. “A cervejaria nasceu em outubro de 2014, quando envasamos a primeira garrafa. Então, muitos profissionais que atuam na cervejaria não são da nossa cidade, tampouco do nosso estado. Houve essa preocupação em encontrar uma mão de obra qualificada, principalmente, lá no início para atuar na cervejaria”, explica. “Eu fico muito feliz em ser sócia-proprietária de uma cervejaria e, sendo uma mulher, isso me deixa grata”, acrescenta.
“Eu tenho muito orgulho disso, não foi algo que a gente procurou, mas sim, aconteceu. Essas mulheres foram contratadas pelas suas capacidades. Então, existe essa igualdade no número de contratações, de gêneros diferentes, mesmo sendo cervejaria, que é um ramo que exige trabalho pesado. Ou seja, independente do cargo, elas atuam com grande capacidade. Que isso seja um exemplo para tantas outras empresas”. Tatiani Felisbino Brighenti, empresária
A sócia-proprietária da cervejaria, que desde pequena teve envolvimento com o empreendedorismo, hoje, percebe que o incentivo foi fundamental para arriscar e seguir em frente. “Não vejo me fazendo outra coisa. Empreender é fundamental para você ter um propósito, um caminho. Como mulher, eu nunca vi dificuldade dentro da minha família, já que a minha mãe também tem voz ativa”, conta. “Por exemplo, meu pai sempre gostou de futebol e ia ao estádio do Criciúma, mas ele nunca levou só meus irmãos no jogo, eu sempre era convidada”, enfatiza.
Impulso no mercado de trabalho
Oportunidade. Muitas vezes, é o necessário para dar impulso a uma mulher. Este é o caso de Tauane Mendes Espindola, colaboradora da cervejaria de Lauro Müller. Em 2017, ela entrou na empresa para atuar na área administrativa, como auxiliar financeiro. “Na época, era responsável pelo lançamento de notas fiscais, contas a pagar e a receber, fechamento de comissão, entre outras atividades”, relembra a profissional.
Dois anos depois, em 2019, Tauane mudou de área e passou a atuar no setor de compras da cervejaria. “Fazia cotações, negociava contratos, buscava novos fornecedores, controle de orçamento e centro de custos, dentre outras atividades”, comenta. Após alguns meses, uma mudança mais radical. A profissional passou da administração para a produção, na supervisão do envase. “Um dos maiores desafios até então, gerenciar a equipe, manutenções, limpeza e controlar os insumos”, acrescenta.
Novos desafios causam insegurança. E isso, Tauane sentiu na pele. “Quando veio a proposta, eu já tinha passado para o meu gerente que quando tivesse uma troca de função eu não hesitaria, porque para ir do financeiro para o compras, eu resisti muito. Mas, eu topei, não sabia nada e tinha muito para aprender”, conta a supervisora. “Foi desafiador, partir de uma função em que eu administrava minha própria rotina, para uma área que exige muito mais de ti como pessoa, porque gerir uma equipe precisa de sensibilidade, organização e comunicação”, completa.
Machismo no ramo
Por muito tempo, o ramo cervejeiro era visto como masculino. Pensamento antiquado e retrógrado. Hoje, não há espaço para esses conceitos. Tanto é que, em menos de uma década, quando a Lohn Bier foi fundada, aos pés da Serra do Rio do Rastro, profissões foram lapidadas e deram espaço para o público feminino atuar. “Eu me sinto acolhida pela cervejaria por ter muitas mulheres presentes no meio, desde PCP, na parte de expedição, adega e braçagem, mas, mesmo assim, é um desafio em um meio considerado novo e que precisamos aprender do zero. É gratificante”, finaliza Tauane.
Luta, resistência e determinação
“Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa; assustada e audaciosa - uma mulher”. O trecho de uma das crônicas da escritora Lya Luft, representa o retrato do poder feminino.
Potência. Essa é a palavra que representa Normélia Ondina Lalau de Farias. A inspiração por trás da sua história merece destaque neste Dia Internacional das Mulheres. Filha de Vilson Lalau e Clotildes Maria Martins Lalau, a professora atua na Universidade do Extremo Sul de Santa Catarina (Unesc), onde coordena o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (Neab), e o curso de licenciatura em Química. Casada há quase quatro décadas com Antônio Roberto de Farias, tem dois filhos, Luis Gustavo e Ana Paula.
Para a professora, a luta pela igualdade de gênero é histórica. Mas, há muito o que avançar. Embora as conquistas como o direito ao trabalho e à liberdade de expressão mereçam destaque, reconhecimento e melhorias ainda pautam a vida das mulheres, sobretudo e principalmente, as de etnia negra.
“A gente foge do padrão com uma beleza rara, não exótica, mas rara. Porque, também, é uma das coisas que temos que aprender. Tem pessoas que, talvez, por não conseguir expressar que está vendo uma preta linda, com feições e traços bonitos, diz então que está vendo um tipo exótico. Não somos exóticas, somos lindas. E a sociedade precisa nos aceitar”. Normélia Ondina Lalau de Farias, professora
Apesar de ter sido oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) apenas em 1975, o Dia Internacional das Mulheres é lembrado desde o início do século 20, quando o público feminino lutava pela igualdade e melhores condições de trabalho. “Esse movimento, na verdade, se instaurou na década de 60, período justamente da Revolução Industrial, em que acabou, evidentemente, se espalhando por todos aqueles países que estavam passando pelo processo de industrialização”, explica a professora.
As mulheres reivindicavam condições mais justas de trabalho que, à época, ultrapassava 16 horas diárias de jornada. “Elas queriam liberdade, porque eram mantidas dentro de casa e preparadas para cumprir o papel de boa esposa, boa mãe e boa dona de casa. Nesse momento, resolveram se juntar em um movimento que as conduzissem a essa libertação de expressão e de trabalho”, enfatiza Normélia. Para a professora, no entanto, existem algumas confusões acerca dos manifestos.
Resistência nos dias atuais
Por outro lado, a resistência permanece no cotidiano, com avanços significativos, mas não suficientes. “Percebemos que ainda falta muito para as mulheres alcançarem aquilo que, de fato, traz uma certa igualdade com relação aos homens, que vai desde os salários - nós sabemos muito bem que enquanto a formação é a mesma, dentro da mesma função, muitas vezes, não são pagos os mesmos valores. E, outra questão, é a política. Agora que começamos a ver que algumas mulheres têm conseguido estar nesse espaço, mas, ainda não recebem a devida atenção com relação as suas demandas e acabam sendo hostilizadas”, pontua a coordenadora.
Segundo a professora, a falta de oportunidade no mercado de trabalho traduz o que é o racismo estrutural.
"Temos tantas mulheres jovens e outras mais maduras, formadas em psicologia, odontologia, medicina, além de de advogadas e arquitetas, que estão precisando, se candidatam às vagas, mas não conseguem levar adiante porque existe uma grande desconfiança por parte dos não negros. Oportunizemos, isso é ser antiracista”.
Apesar do avanço com o movimento causado pelo Dia Internacional das Mulheres, as reivindicações não beneficiam a todas. “Para nós, enquanto negras que somos, já lá naquele primeiro momento, na década de 60, as pautas que estavam presentes não nos representavam e, muitas das que hoje ainda estão, não nos representam. Algumas, até vêm de encontro, mas não no início do feminismo. Até mesmo porque, para que essas mulheres estivessem reivindicando, principalmente, o direito ao trabalho, a mulher negra já trabalhava cuidando dos filhos delas”, reflete Normélia.
Lutar sempre esteve na essência destas mulheres. “Precisamos que as nossas pautas sejam respeitadas e consideradas. As pessoas, de um modo geral, não só os governantes, mas que todos olhem para as negras, que sabem como lutar e que tem muita contribuição ainda a trazer, além das que já deram para o desenvolvimento socioeconômico deste país. Então, tratá-las com respeito e dignidade”, frisa a professora.
Ainda hoje, a procura é por mais espaço, valorização e lugar de fala
A cantora e compositora Elza Soares, em um de seus últimos discos, traz reflexões pertinentes na música “O que se cala”. Em especial, no trecho que diz: mil nações moldaram minha cara, minha voz uso pra dizer o que se cala. O meu país é o meu lugar de fala. A história contada nos livros, até hoje, deixou muitas lacunas.
“Costumam dizer que os escravos, e isso envolve as escravas também, eram um povo acomodado, que estava satisfeito com aquela condição. Enquanto, na verdade, o papel da mulher negra foi fundamental no processo da abolição. Quando a gente para pra pensar que até mesmo o desenho feito nas suas cabeças no trançado dos cabelos já era um indicativo que apontava os caminhos para fuga dos escravos para o quilombo, ali, mostrava exatamente quais eram os perigos que eles iam encontrar naquelas fugas”, explica a professora.
A busca por novos caminhos continua para estas mulheres . “Precisamos avançar no sentido de que as pessoas não se espantem quando nós estamos chegando, porque sempre fica aquele olhar que está indicando: ‘O que essa negra está fazendo aqui? Quem é ela?’ Ou quando fingem aceitar a posição ou condição em que se está, muitas vezes somos taxadas de 'negrinhas metidas’. Não somos metidas, somos mulheres inteligentes, prontas e bem preparadas”, pontua Normélia. “Não trazemos cabelos soltos ao vento, muito pelo contrário, felizmente, estavam vivendo um momento rico de assumirmos nossos crespos, que se comportam muito bem. Somos mulheres dos turbantes. Isso choca, muitas vezes, as pessoas, porque elas ficam esperando tudo aquilo que um dia foi padrão de beleza”, acrescenta.
O maior desafio, para Normélia, ainda e mais do que nunca, continua sendo acabar com o racismo estrutural e institucional. “Basta ser um corpo negro que se movimenta e acredita que estamos longe de alcançar o ideal de sociedade antiracista, mas acredito que vai chegar o momento que iremos conseguir. Nós precisamos disso, a humanidade precisa. Não somente o município de Criciúma, não somente o Estado de Santa Catarina, não só o Brasil, mas o mundo como um todo. Não se admite mais o racismo”, almeja a professora.
A inspiração é um legado familiar
“Eu tive o privilégio de nascer em um lar bem estruturado e em uma família em que, independente dos lados, paterno ou materno, sempre lutaram contra o racismo, cada qual no seu tempo, com as ferramentas e a formação que tinham”.
Forquilhinha e suas vereadoras fazendo história
No ano em que as mulheres completam nove décadas de direito ao voto, o protagonismo feminino no cenário político entra cada vez mais em destaque. No município de Forquilhinha, neste mês, em alusão ao 8 de março, todas as cadeiras da Casa Legislativa são ocupadas por vereadoras. A ação é considerada histórica em toda a região Sul, assim como em Santa Catarina e, quiçá, no Brasil.
Das nove cadeiras na Câmara, duas já são ocupadas por mulheres, uma delas, inclusive, é a primeira secretária da mesa diretora, Ivone Minatto (PSD) - que recebeu, em 2020, 581 votos. Com a iniciativa, anunciada pelo presidente licenciado Célio Elias (PT), 100% do plenário teve a participação feminina no dia 7 de março. “Foi uma sessão histórica”, comemora a parlamentar pessedetista, que preside a Casa Legislativa por 15 dias.
Ivone Minatto foi a primeira vereadora eleita no município e, em 2021, deu início ao quinto mandato. Desde 1998, a parlamentar tem voz ativa na Câmara de Forquilhinha e já foi, inclusive, presidente da mesa diretora. “Decidimos que precisávamos fazer um ato como este, parabenizando as mulheres pelo 8 de março. São nove integrantes, hoje, ocupando as bancadas da Casa Legislativa, sendo sete suplentes e duas eleitas”, comenta.
Apesar do bom exemplo a ser seguido, a vereadora ‘puxa a orelha’ das bancadas, que todos os anos deixam de lado as candidatas na hora de compor as nominatas. “Elas têm que ser chamadas antes, serem preparadas. Eu acredito que a mulher está desmotivada na política. E os culpados são os partidos. Nós sabemos governar, fazer e aprovar leis. Não nascemos somente para ser mães e avós, mas também para legislar”, declara Ivone.
A iniciativa em compor um plenário somente feminino deu tão certo, que a expectativa é que nos próximos anos a ação seja repetida, como forma de incentivar as mulheres a participarem da política de Forquilhinha. “Acredito que em Santa Catarina, nós fizemos uma busca e é o primeiro evento feito nesse âmbito”, afirma a vereadora Ivone.
Visibilidade feminina
Além de Ivone, Marilda Casagrande (PP), que recebeu 777 votos em 2020, também assume uma cadeira titular no Legislativo. Todos os partidos têm vereadoras suplentes em Forquilhinha. Com a ação, sete novas integrantes fazem parte do plenário no município. “Além de ser um marco histórico para a nossa cidade, também vai ser uma forma de homenagear todas as mulheres, sem exceção”, comemora Patricia Amandio Floriano (PDT), que preenche a vaga de Marcos Rocha Macedo.
Na última eleição, em 2020, Forquilhinha teve a participação de 35 mulheres candidatas a uma cadeira no Legislativo. Juntas, elas fizeram 3.740 votos. À época, Marilda Casagrande foi a mais votada, sendo a segunda na nominata do PP e a terceira no geral. A segunda vereadora eleita, Ivone Minatto, recebeu 581 votos e foi a segunda do PSD e a sexta no geral.
“Por isso, o objetivo de se fazer essa sessão com 100% de vereadoras eleitas e suplentes, é chamar atenção sobre os debates, a luta das mulheres por pedido de respeito, direitos, contra o feminicídio, sobre a importância da mulher participar da política e de que a população a respeite, para que ela possa estar onde quiser”, enfatiza Marilda Casagrande (PP).
Foco na inclusão
O petista Célio Elias, presidente afastado da Casa Legislativa de Forquilhinha, desde que assumiu a mesa diretora busca dar mais espaço às minorias, especialmente, às mulheres. O objetivo, em paralelo, também é aproximar os parlamentares e as atividades da Câmara, dos moradores do município. “É importante que a população conheça a atividade de cada vereador”, aponta o sindicalista.
“Nós propusemos trabalhar muito forte esta questão, não somente das mulheres, mas também dos negros, dos LGBTQIA+, e a inclusão dessas pessoas. Por isso, levamos para a Câmara, dialogamos com as vereadoras eleitas, Ivone e Marilda, e estendemos o debate aos demais parlamentares, dos partidos que compõem o Legislativo de Forquilhinha”, comenta Elias.
A iniciativa, portanto, busca valorizar a presença das mulheres na política. “É coisa inédita, não somente aqui em Forquilhinha e região Sul, mas também no Brasil. Não encontramos nenhuma Câmara ou Poder Legislativo que executou a presença 100% feminina. Essa iniciativa é para que elas, cada vez mais, se apaixonem pela área”, defende o petista. “É uma data histórica, de luta por direitos”, finaliza.
Conselho implantado no município
Nesta segunda-feira, inclusive, as vereadoras aprovaram a implantação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher em Forquilhinha. O Projeto de Lei é de autoria do Poder Executivo e busca propor diretrizes, além de atuar no controle de políticas de igualdade entre os gêneros masculino e feminino, assim como exercer a orientação normativa e promover a política global, visando eliminar as discriminações que atingem o público.