Analfabeta (e, inobstante, de uma inteligência invejável), reativa, harmoniosa, gregária por excelência, frágil no físico e gigante no espírito, coração imenso, sorriso meigo, mamãe - Senhora Dona Amarfilina Martins Machado - faleceu num 1º de Novembro, em 1980, vítima de um câncer pulmonar. E jamais fumou na vida.
Quando percebemos o câncer - e foi por acaso, ante a estranheza de ela caminhar se entortando para a esquerda. Perguntada, disse que não conseguiu endireitar-se, pois doía a lateral.
Consultamos o Dr. Celso Menezes, oncologista de Criciúma, nosso amigo e, no dia 1º de Novembro de 1979, ele diagnosticou um câncer. Já havia consumido um dos pulmões e o outro "compensava", ocupando mais espaço, pressionando a coluna. Por isso ela se entortava.
Ele nos deu a informação, ao indagarmos quando tempo ela teria: "Um ano". Por triste ironia, foi exatamente um ano.
Durante esse tempo, devo dizer, jamais soltou um gemido ou uma queixa sequer, não demonstrou qualquer dor ou desconforto especial, exceto a perda de memória. A metástase agigantava-se a cada dia.
Até que a internamos (até ali tratávamos em casa) no Hospital Bom Pastor, do Araranguá.
Ali ela faleceu. Mansamente. Exatamente como viveu.
É importante afirmar: católica fervorosa, mulher de fé inquebrantável, assistia missas DIARIAMENTE (seis da manhã), na capela do Ginásio Nossa Senhora Mãe dos Homens, dos padres murialdinos, pertinho de casa.
Fazia-me acompanhá-la todos os anos ao cemitério, nos dias de Finados, na homenagem aos nossos mortos. Levava-me às missas aos domingos. Não obrigava, no entanto. Mas era difícil negar-lhe.
Nos dias da padroeira da cidade, era a primeira da fila nas procissões.
Às noites, à beira da cama, rezava o rosário inteirinho. Só depois adormecia. Sempre candidamente. Às cinco da manhã, ou antes, erguia da cama e partia para as fainas diárias, com uma disposição invejável.
Há episódios incríveis dela. Ficaria longo contar. Tinha reações inesperadas, como quando, ao deixar de pagar o consumo de energia, foram cortar (Força e Luz). Ela suplicou que não o fizessem, pois iria quitar. Negaram. Ela foi atrás de casa, pegou um machado e partiu na direção dos funcionários, que, claro, correram. E então meteu o machado no relógio, espatifou inteiro e sentenciou: "Agora podem cortar esta merda. E nunca mais liguem. Vou usar a lamparina". Usou sempre. Só parou quando, ao morarmos com ela provisoriamente - eu e dona Sonia -, religamos. Foi um tempo delicioso nossa vida em comum naquela casa com ela.
Os terrenos em que residimos eram sempre forrados de árvores e muitas plantações e hortas, cultivadas e plantadas por ela. A natureza lhe era importante.
Aqui peço minha bênção à Senhora Dona Amarfilina Martins Machado, a velha analfabeta mais inteligente do mundo.