De vez em quando me vejo respirando fumaça exalada pelas locomotivas, no caminho entre Araranguá e Criciúma, na década de 50, quando viajávamos, às vezes eu e mamãe ou eu e papai, para negócios ou visita a parentes. Uma hora e meia de trajeto, com paradas para resfriar as locomotivas. Suas paradas evocavam vendedores de tudo, de água a amendoim, pastel, “cartucho americano”, cocadas – uma festa de sabores e cores. Inclusive água. E eu, guri complicado, reclamava da venda de água, um bem natural conseguido de graça nos poços de então. Pra que vender? Sabia de nada, inocente…
Pior: era uma única caneca e todos a usavam para beber a água. Ninguém morreu disso. Algum cobreiro ou bolhas surgiam, mas a gente tirava de letra com benzeduras e pomadas, depois.
Chegar a Criciúma tinha ares de festa. A cidade cheirava a pastéis sendo fritos, a comidas sendo cozidas no Hotel Brasil, as batidas de banana da Gruta Azul jogando no ar aquela inebriante sensação. Impossível não parar para um lanche rápido. Nem tão rápido, claro.
Fico imaginando e comparando aqueles tempos com hoje, embora tanto tempo faça que não apareço em Criciúma. Nem em Araranguá. Sou um ser desprezível e ingrato, sinto-me às vezes. Mas não, é falta de duas coisas essenciais: tempo e dinheiro. E eu fico sem entender a estupidez: um aposentado, furando o teto dos oitenta anos, sem tempo e sem dinheiro. E quando tem um, não tem o outro. Nunca chegam juntos. Então, perdoem-me a ausência imprópria. Fico devendo.
E ao fim e ao cabo, diria o saudoso Ernesto Bianchini Góes, fica assim porque tem de ficar assim.
E dou cifras definitivas ao marcador. Até.
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Blog Aderbal Machado
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