Pois hoje, de novo, é sábado.
E a cada dia passado, fica a dúvida: até quando? A velha liça entre o futuro e o passado. É mais ou é menos? Mais um dia ou menos um dia? O dilema existencial dá uma friagem. Em todo caso, vamos dar preferência hegemônica ao hoje. A vida é agora, afinal das contas. Ao menos quero e preciso acreditar muito nisso. Precisamos, na verdade.
A cada semana, a cada mês, a cada dia, a cada hora, a cada minuto, a cada ano, vamos costurando essas dúvidas e colocando no cérebro e no lombo o peso do tic-tac da existência.
Mas bem, depois dessa filosofada barata, insípida e inodora, sigamos. Adelante e arriba!
Pensava aqui nas relações muito doidas, nalgumas vezes platônicas - pelo espaço geográfico a nos separar por tanto tempo (tempo demais) – com os manos falecidos.
O César tinha comigo uma amizade e uma fraternidade multiplicada: irmãos de sangue, ele um quase pai (por ser o mais velho e eu o mais novo ou o “raspa do tacho”, como dizia ele, ou o caçula), um conselheiro emérito, um professor, um exemplo. Visitas ao César eram sempre modelos de gentilezas: ele me esperava à porta do elevador do seu prédio, lá embaixo e me conduzia até o apartamento, inobstante conhecesse eu o caminho. À saída, encerrada a visita por vezes longa e por vezes fortuita, ele abria a porta do apartamento, ia até a porta do elevador, dava um abraço e dizia a emocionante frase: “Menino, até a próxima”. Isso depois de uma derradeira conversa.
O Aryovaldo, em 1961, me levou para Criciúma, na flor dos meus 17 anos. Queria iniciar-me nas controvérsias políticas, em jornalismo e em rádio. Tinha uma certa fixação de seguimento da dinastia da família – quatro jornalistas depois, mas até ali três: ele, César e Agilmar.
Lá, ele me deixou sonhar com residir em sua casa, cuja família estava bem constituída. Ledo engano. Me colocou numa pensão e mandou me virar para pagar a sobrevivência. Fiquei meio puteado com aquilo. Depois – bem depois – percebi sua intenção: fazer-me merecedor pela luta da vida, aguçando os sentidos dessa luta no dia a dia. Lição válida até hoje. Aryovaldo tinha ares diplomáticos. Porém, exsudava sentimentos diferentes do César: antipatizava rapidamente com alguém, com o mesmo ímpeto com que simpatizava. Rompia relações com igual força com que as formava.
O Aimberê, cuja convivência mais próxima tive o privilégio de usufruir, tinha a noção do cuidador. Tinha-me, durante algum tempo, como o maninho mais novo a ser cuidado e protegido. Dávamo-nos muito bem. Com diferenças abissais de ideologia e visão de vida. Em todos os momentos vividos, à distância ou na intimidade das fofocas pessoais, jamais nos engalfinhamos. Isso foi realidade também com o César e o Aryovaldo. Com o Aryovaldo até houve momentos de mais tensão. Afinal arrefecidos pela natureza do sangue herdado de Telésforo e Amarfilina.
Faço essas elucubrações por méritos e saudades. Dói bastante sentir o “nunca mais” em relação a eles. Nunca mais é tempo em demasia.
Neste momento, deixo uma funda homenagem aos ainda vigentes, Icleia e Agilmar. Devo-lhes, igualmente, o respeito do tempo.
O caçula “raspa do tacho” falou e disse.