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As flores do jardim da nossa casa

Por Aderbal Machado 28/01/2023 - 10:59 Atualizado em 28/01/2023 - 11:00

Roberto disse isso numa música e eu relembro as flores do jardim da nossa casa, numa esquina da Praça Hercílio Luz (Jardim Alcebíades Seara), ao lado do posto de gasolina do André Wendhausen, no Araranguá velho de guerra.

Mamãe as plantava com um zelo incomum e sem seguir rigores estéticos nos canteiros. E assim, nasciam as flores desordenadas, porém lindas no seu conjunto. Muitas flores. Lembro das margaridas. Adorava desmanchar o seu núcleo central como se fosse farinha. Guri malvado. 

Relembro suas hortas de todas as plantas verdes. Ali tinha de tudo. Tudo mesmo. Jamais adquirimos verduras, legumes ou frutas no comércio. Mamãe as plantava e colhia com fartura. Os imensos pomares de laranjas e vergamotas na Boa Vistinha, além da sombra generosa, nos brindavam com frutos fresquíssimos, colhidos na hora e saboreados com quase ânsia. As cascas ficavam ali mesmo, adubando o chão.

Os gramados se espichavam por boa parte do terreno. Ali ninguém pisava, mesmo sem uma advertência explícita.

Também tínhamos um terranão inóspito, com um poço d’água lá no meio, de onde tirávamos a água que nos causava incidência de muitos vermes. Mas naqueles tempos, isso era considerado quase normal. E então surgiu a Ankilostomina Fontoura. Específica e mortal contra verminoses. Os caboclos compravam em pacotes. Pra família toda.

Esta variação temática eu a uso para desviar um pouco algumas angústias, algumas lembranças insistentes de coisas nada compensadoras doutros momentos. A infância e a juventude fervilhavam de alguns entrechoques: o nada ter, o nada poder e o nada desejar. A vida parecia ser uma sequência natural. Em verdade a preocupação com o futuro se restringia à impressão maluca de que os pais seriam imortais e estariam sempre ali, a nos prover de nossas necessidades. Nada ter, nada poder e nada desejar tinha o condão de nos fazer satisfeitos com o momento. E vivê-lo com a intensidade possível. Assim, as enxurradas eram uma farra, as corridas nas estradas empoeiradas, o escalar árvores para apanhar frutas, os banhos no rio Amola Faca e Jundiá, o cuidado com os bichos, o tomar o leite espumante tirado das vacas na hora, o pão caseiro, o milho verde, as conversas cheias de mistério de mamãe e nossos tios – entremeadas por fantasias fantasmagóricas assustadoras sempre. Parecia que adoravam nos ver de olhos esbulhados a cada narrativa terrível. Sempre havia fantasmas atrás das portas, arrastando correntes, emitindo seus sons guturais de chamamento. As “almas penadas”.

E então, de repente, a vida passou num relâmpago e aqui estamos. 

A juventude de hoje, completamente avessa àquele tipo de vida, nem saberia usufruí-lo. A nós cabe a lembrança e a saudade de um tempo inolvidável e longe demais. Não só no fator temporal, mas nos costumes, nas formas de encarar a vida, na forma de enfrentar as agruras e, quiçá, até as facilidades.
Não soubemos aproveitar. Ou, no vulgo: “Éramos felizes e nem sabíamos”.

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