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Attahualpa César Machado (a morte do mestre)

Por Aderbal Machado 03/09/2022 - 07:00

Meu mundo ficou menor. O mundo da família Machado ficou menor. O velho jornalismo da melhor cepa ficou menor. Foi-se o mestre dos mestres.

A morte de meu mano César, ou Attahualpa, atingiu em cheio a estirpe. Ele foi o precursor. Ele foi o cabedal.

Logo depois de sua morte, no outro dia, ainda com os olhos inchados de tanto chorar, escrevi isto:

Permitam-me. 

A morte de meu mano César, ou Ataualpa, como escreviam alguns, ou Atahualpa, como escreviam outros pensando estar fazendo corretamente (ele corrigia sempre: é Attahualpa. Como no registro. Tinha esta mania do correto), abriu um vácuo na família. Mais velho dos seis irmãos viventes, dedicou sua vida a forjar liames. Sua família, estruturada na raça e na vontade, forjou dois juízes respeitados: Osíris e José Clésio. Daí vieram dois netos, também juízes: Marco Augusto e Marco Aurélio Guisi Machado.

Cesinha, como a gente chama o terceiro filho, é economiário da Caixa Econômica Federal e escritor renomado. Dele só poderia sair coisa assim. Rigoroso jornalista de português castiço, radialista de uma agudeza temida por onde passou – Tubarão, Florianópolis, Criciúma e São Paulo, tinha por norma exigir perfeição.

Até pelos seus exemplos.

Agnóstico, exerceu uma suprema contradição ao ser contratado para chefiar o radiojornalismo da Rádio Tubá, de Tubarão, comandada pela Diocese Metropolitana. Dirigida por um padre e comandada por padres. Quem o contratou, por ingerência pessoal, foi Dom Anselmo Pietrulla, então Bispo Diocesano, que o sabia agnóstico e questionador dos meandros da fé.

Certa ocasião, numa de suas conversas privadas, Dom Anselmo tentava dissuadi-lo e levá-lo para a fé religiosa. Attahualpa, sem qualquer titubeio, chocou o Bispo: “O que o senhor prefere: um católico papa-hóstia e trambiqueiro, que só se confessa por formalismo, ou um ateu honesto, solidário, filantropo e benévolo?”

Dom Anselmo não teve dúvida: “Fico com o ateu”.

E a conversa ficou por aí. Trabalhou na Rádio Tubá, com Dom Anselmo no comando, por 10 anos. E jamais tiveram rusgas. Por questões de religião, por política ou por questão ética ou profissional.

Não, não era ateu. Fazia questão de afirmar. Era agnóstico. Entretanto, por muitas vezes falamos sobre fé – e levei-lhe sempre minhas convicções. Ele jamais as questionou. Ouvia com a mesma atenção com que queria ser ouvido.

Mas eu duvido, sinceramente, que neste momento, Deus não o tenha acolhido. Sua falta de fé na Terra se inseria no Livre Arbítrio Divino. Até porque ele alimentava seus sentidos de descrença nas suas teorias para consumo interno, eventualmente exteriorizadas. Jamais as consumou na prática, tal a força com que agiu, tal a vontade e o determinismo com que viveu a vida, tal o poder que exerceu para o bem de todos os que o cercaram.

Jamais alguém poderá creditar-lhe uma injustiça sequer, cometida por desvario ou por intenção. Sequer, arrisco dizer, por descuido. Tal era seu espírito de harmonia e benevolência. Tal era seu rigor consigo mesmo ao desvelar-se a filhos, a netos, à esposa, aos irmãos e aos amigos. E ao “velho” Telésforo, nosso pai, a quem ele venerava e quis com ele ficar, em Araranguá, para onde foram suas cinzas.

Nosso mundo – e não é chavão – ficou menor sem o César. Fico-lhe devendo, mano, os muitos momentos que passamos a sós, revelando nossos segredos, emulando nossas idiossincrasias, atritando nossas diferenças. Saudades das suas broncas, das suas correções, das suas lições.

Tão pouco tempo, tão poucas horas que você se foi e já parece uma eternidade.

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