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Felicidade do nada ter. Saudade, muita saudade…

Por Aderbal Machado 10/09/2022 - 07:00

“Saudade, muita saudade; A mim perguntas: de quê? Vou dizer-te uma verdade:

Saudade só de você…” (JG de Araújo Jorge).

Sinto saudades da margem do rio Araranguá, tomada pelo mato, grandes árvores, trapiches e pescadores bissextos, abrigos de lanchas, como a do “seu” Tuca Campos, que ficava ao ar livre, sem seguranças, sem travas e ninguém nela tocava;

Sinto saudades do ronco dos caminhões, “chorando” na primeira marcha para subir a “lomba do Paulo Hahn”, de chegada ao centro de Araranguá a partir do bairro Cidade Alta;

Sinto saudades do Nego Bahia, vendedor de loterias que ficava na calçada do antigo Café Ouro Preto, em Criciúma, chamando todo mundo de “Majó” e sobrevivendo sorrindo, sempre com um otimismo contagiante.

Sinto saudades, em Criciúma, da loja “A Brasileira” do Max Finster, com o balconista Mário Belolli, sempre vendendo roupas de primeira linha para homens de bom gosto.

Sinto saudades, em Criciúma, das Lojas Renner, (“a boa roupa ponto-por-ponto”) do Sinval Bohrer, um cavalheiro com ares e polidez de um “gentleman” inglês.

Sinto saudades da primeira vez que fui a Laguna, a convite do Agilmar Machado, meu mano e gerente da Rádio Difusora e lá vivi momentos maravilhosos, cheirando história e tradição.

Sinto saudades das matinês dos domingos à tarde, quando a gurizada assistia aos seriados de Flash Gordon e Capitão América no Cine Roxy, do Araranguá e lotava a sala.

Sinto saudades de quando, sem televisão, computadores, jogos eletrônicos, brinquedos sofisticados, a gente se reunia para apenas conversar e bolar como ludibriar o vizinho dono daquela goiabeira maravilhosa.

Sinto saudades quando a gente, em turma, ia apanhar araçás e outras frutas silvestres nos matagais perto de casa e brincava de “mocinho e bandido” no paiol de farinha de mandioca do Pedro Gomes, na Cidade Alta do Araranguá.

Sinto saudades do tempo em que “droga” era apenas um palavrão quase nunca proferido.

Sinto saudades das crendices como as almas penadas das noites escuras, dos potes de tesouro escondidos nas portas dos cemitérios (que só poderiam ser cavados à meia noite, e sem companhia…), da “tosse comprida” que poderia ser curada com um chá de bosta fresca de vaca, de que a cura da gagueira poderia se dar com uma bela porretada com uma concha de feijão na testa do gago e de que mulher grávida que pulasse vala teria filho com lábios leporinos.

Sinto saudades dos tempos em que, nos bailes-domingueiras, arrasta-pés empoeirados, as mulheres dançavam entre si para esperar dois rapazes virem separá-las com palminhas compassadas.

Sinto saudades dos finais de tarde exalando cheiro de flores silvestres, o cinamomo do quintal baloiçando devagar e as andorinhas no alvoroço do pôr do sol com sua cantoria, pousadas nos fios elétricos.

Sinto saudades de quem eu fui, guri sem nada a aspirar, querendo só um dia crescer, namorar, assistir filmes censurados, sair à noite e sonhar com uma roupa nova e um sapato brilhoso que o velho Telésforo, meu pai, não podia comprar.

Sinto saudades de 1961, quando, chegando a Criciúma para iniciar uma trajetória muito doida e surgir para o jornalismo, ganhava um salário-mínimo (Cr$ 7.200,00) e com ele pagava comida e quarto e não sobrava nada para coisa alguma.

Ah, tempo gostoso de não ter nada. Só felicidade de viver.

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