Ficamos imaginando sempre qual o sentido da vida.
De repente, referências da vida da gente vão indo embora, numa sucessão danada de ruim e num espaço de um ano. Só um ano.
Primeiro se foi minha cunhada Beti, irmã de Sônia, parceira de tantas empreitadas da vida, desde quando, no limiar da vida, a gente começou a se relacionar – eu e Sônia - e ela sempre como nossa sombra cúmplice. Nossa comadre. A ela devemos as conversas longas em tertúlias regadas a jogatinas divertidas, presenças memoráveis em festas e recreações, as brincadeiras nos aniversários. Isso é insubstituível. Never more. Soa mal, mas é: nunca mais.
Depois, o Aimberê, mano velho de guerra, resolveu partir também. Ele esteve comigo nos primeiros momentos da infância e nos muitos momentos da juventude, permanecendo firme ao longo da vida, algumas vezes mais longe, outras tantas vezes mais perto. Porém, sempre ali. Divergíamos ideologicamente, politicamente e às vezes até em relação a coisas menores, sem importância vital. Ficávamos horas jogando palavras ao vento. Convergíamos, no entanto, em literatura, fraternidade cheia de viço sempre, risadas infinitas por tudo ou por nada.
Agora se vai Zezinha, minha cunhada, casada com meu mano mais velho – Zélia Zita do Canto Machado. Filha de Ramiro e Mariquinha do Araranguá, sempre terna e solidária -, após ultrapassar a barreira dos 90 anos. Viveu felicidades múltiplas ao lado do meu mano César, com quem se uniu ainda na puberdade (ele com 16 e ela com 17 anos). Viveram todas as agruras possíveis e imagináveis da vida lutada. Foram bravos. Esmagaram as pedras do caminho, constituíram uma bela família e, afinal, chegaram ao mérito de uma vida profícua, semeada de conquistas. A família de Zezinha, numa misturança de personalidades cativantes, desde as irmãs, os irmãos, os filhos e os netos, assinalou uma época de indiscutível valor nas nossas vidas. Desde as benzeduras contra cobreiro de Dona Mariquinha, até as noites indormidas de Otávio Ramiro nas mesas de baralho do Fronteira Clube, sob apostas pesadas. Em compensação, as comemorações de finais de semana da família eram sagradas para Otávio Ramiro. E ai do genro, filho ou filha que não comparecesse. E as recepções na sua casa da praia do Arroio do Silva dos velhos tempos, cercada de dunas, construção de madeira sobre estacas (ou, diria hoje, pilotis). Cheia de quartos e uma cozinha fartíssima. Alimentaria um exército.
E fico pensando nos momentos vividos com elas e ele - tantos foram -, cheios de sabores e alegrias. As histórias e estórias, os entreveros sociais, os lazeres, as andanças, até as recriminações, os enaltecimentos, os primores e os humores, as manias e os enchimentos de vida a cada detalhe, a cada olhar, a cada passo.
Às vezes, por essas situações, penso ser complicado viver sem referências. Pois ficamos ocos, vazios, estremecidos, perdidos.
Salvamo-nos na lembrança fértil e no olhar ao passado tão belo, tentando remontá-lo pra cá. Deus queira consigamos. Afinal, essas coisas têm suas crueldades e fatores inesperados, mas a vida precisa ser vivida enquanto o último sopro não acontece.
Não choro em público e nem revelo meus choros por saudades disso tudo e desses todos. Porém em silêncio, cá dentro ou externando, sim: eu choro. Só de pensar na irreversibilidade da vida. Dizia mamãe, outra artista da vida: “A única coisa da vida de que não se escapa é da morte”. A velha Amarfilina sabia muito. E por isso foi em paz. Católica fervorosa que era, aduzo, para homenageá-la: na paz do Senhor.