Félix e suas características: grandalhão, reativo, carinhoso ao extremo, ares de líder até na pose (deitava-se com as perninhas dianteiras cruzadas e erguia a cabeça em majestosa imponência). Sabia suas missões: acompanhar-me toda madrugada deitado ao lado do computador, esfregando sua cabeça em mim e, antes disso, disparando patadas sucessivas em meu rosto para acordar-me e servir a ração a ele e seus súditos (são quatro).
Quando Sonia e eu jogávamos baralho, ele ousava: subia à mesa e, acintosamente, deitava-se no meio, ocupando o espaço do jogo. Nem dava tempo de estender a toalha. Ele subia antes. Inesquecível. A gente jogava desviando do seu corpo ou o arrastava um pouco pro lado e pronto.
Por último, acometido do terrível mal que o levou, teve momentos de recuperação, a ponto de imaginarmos a sua cura. Infelizmente foram apenas momentos. Depois, ele entrou numa fase dolorida, fatídica, fragilizante. Ao final, sequer conseguia mover as perninhas traseiras. Logo ele, que adorava subir nas cadeiras, armários e camas e nem isso conseguia mais. Cortava-nos o coração ver um gatão vigoroso daqueles transformado num boneco magérrimo, com o natural ânimo quebrado.
Para abreviar seu sofrimento, confesso ter imaginado eutanásia. E coragem, cadê? O seu olhar impediu. Ele parecia querer o curso natural: ir pelas mãos de São Francisco de Assis. E foi. Subiu numa madrugada morna de 21 de março. Deixou conosco seu coração e levou o nosso com ele.
Combatemos o bom combate por quase três meses. Vencemos algumas batalhas, mas perdemos a guerra. E ficou a lição do amor. Perene e profunda.
Suas cinzas ficarão lá, num lugar de honra da casa – o seu lugar merecido. E continuará sendo nosso xodó.
Amaremos você para sempre, gatão querido.