Antigamente, nem tanto assim (década de 1960 e parte de 1970), vendia-se leite, pão, carne e outros alimentos em carrocinhas pelas ruas de Criciúma. Entregava-se pão amontoado em balaios. Cuidadosamente forrados com panos brancos.
A higiene, por certo, tinha lá suas restrições, embora as aparências enganassem. E isto pouco importava. O interessante era receber na porta. Havia o método do leite entregue nas portas. Inclusive a granel, dos grandes fornecedores, colocados em pequenos tonéis nas propriedades. Alguns leites “batizados” – ou seja, com misturas de água, para render mais.
Ouvi dizer, e isso se repetiu várias vezes: até piavinhas miúdas eram encontradas nos leites assim distribuídos.
Folclore? Quem sabe. Duvidar, eu? Nem um pouquinho. E sabe o que mais: ninguém, ninguém mesmo, ousava mexer ou furtar as garrafas e tonéis nas ruas. Outros tempos até nisso.
Todavia, nem ricos e nem pobres reclamavam. Isso seria absurdamente impossível hoje. A evolução sanitária impediria - como impede -, esse sistema de comodidade, com muitas razões. A saúde ganhou prioridades preventivas imensas desde então. Sabia-se de casos decorrentes do uso de alimentos assim colocados à disposição do povo? Não lembro. Quem sabe por não haver ainda esse fenômeno maluco da internet, verdadeira máquina de fazer doidos. Hoje até doenças surgiriam, alardeados pelos sanitaristas e pelos jornalistas “especialistas” ou apenas, mais provável, curiosos e de paladar mais aguçado e seletivo.
Ah, lembro-me doutra: no armazém de “secos e molhados” do Luiz Wendhausen, no Araranguá, bem no prédio da Bene Chede, pertinho de nossa casa, sacos de aniagem cheinhos de camarão salgado e pré-cozido, ficavam expostos à porta do estabelecimento, entregues à sanha das intempéries, poeira, salivas diversas – e consumidos experimentalmente por cada um passante mais ansioso. Lembro do Nadico, entregador de compras do armazém, comendo punhados daquele camarão. E o Luiz nem aí. Pois o Luiz era um bonachão, homem elétrico, sempre muito rápido nas suas movimentações e na fala. Personagem fascinante.
Em Criciúma, a Padaria e Confeitaria Brasil, do José Zacaron, tinha o Marmo. Ele corria de casa em casa, com um balaio enorme cheio de pão, entregando para “os fregueses”. Sabia quantos entregar em cada casa. Anotava e o freguês ia pagar no final do mês. Não havia pix. Sequer DOC (agora extinto, coitado), transferência. Só cheques. Papai pagava em grana vivíssima.
Eu sempre comia o pão mentalizando o cheirinho maravilhoso, expandido nos ares nas madrugadas, da produção de pães e bolachas “Araré” da Padaria do Zacaron. Os pensamentos me chegam ao final da madrugada e limiar do dia de sábado, 10, ventinho fresquinho, com prenúncio de sol causticante, como prevê a meteorologia.
Os poréns da vida me levam a ruminar saudades. E as registro com a alma lambida de provocações – como o enorme desejo de pedir, como graça a Deus, a volta às origens e aos sentimentos lindos daqueles tempos. Puros e etéreos sentimentos.
Buenas.