Corria o ano de 1964. Eu, cabo do glorioso Exército Nacional, acantonado em Laguna para uma missão, de folga, pedi ao meu comandante, capitão Carlos Augusto Caminha (mais tarde secretário da Educação de Colombo Salles e, depois, ainda, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado), permissão para visitar meu mano Aryovaldo em Criciúma.
Autorizado, sob a recomendação de ir “paramentado”. Ou seja: pronto para qualquer emergência. Fardado, cinto de guarnição com munições e .45 na cintura e capacete de combate. Na época, as empresas de ônibus permitiam viagens de militares de graça. Fui.
Chegando a Criciúma, lá pela beira das 19h e trinta minutos, noite quase cheia, desci do ônibus e fui caminhando pela lateral de Praça Nereu Ramos/Rua Getúlio Vargas, na direção da Rua Santo Antônio, onde morava o Aryovaldo, num casarão maravilhoso de propriedade do concunhado Manif Zacharias, altos da Praça do Congresso.
De repente, à minha frente, andando devagar, reconheci Ézio Lima, amigo da família, que ia pra casa por aquele caminho. Resolvi conversar com ele e fui caminhando atrás. De repente, Ézio deu uma paradinha, mas ao me ver, seguiu adiante, acelerando o passo. Fiquei pensando comigo: “Ué, qual é a do Ézio?”. E acelerei também. E ele acelerou mais ainda. Até que, quase correndo, o alcancei e o chamei pelo nome. Ele parou, encostou-se no muro numa atitude de defesa e, quando cheguei mais perto, ele me reconheceu finalmente.
Sua reação foi surpreendente: “Seu grande filho de uma puta!”.
Espantado, reagi: “Que é isso, Ézio?”.
E ele: “Desgraçado, pensei que algum milico tava me perseguindo (naqueles dias a cidade estava coalhada de soldados, que prendiam sem muitas cerimônias)”.
“E daí?”, perguntei eu.
E Ézio explicou: “Daí que tô eu aqui, vindo da rádio com a advertência do seu Diomício (nosso grande líder inspirador) para tomar cuidado. Ele, pra me ajudar em eventual defesa, me deu um 38 pra trazer, que tá aqui na minha cintura. Se um milico me pega, até eu explicar quem sou e dar mil explicações sobre o revólver, tô lascado. Sabe-se lá quanto tempo ficaria preso!”.
E então desatamos a rir os dois daquela situação maluca.
Ézio, necessário dizer, foi um dos radialistas/jornalistas mais competentes e autênticos que conheci. Tivemos um primeiro contato pessoal em 1959, quando ele, diretor da Rádio Tubá de Tubarão, trabalhava ao lado dos manos Attahualpa César e Agilmar, outros monstros do rádio-jornalismo do sul, meus mestres.
Lembro como se fosse hoje dele e César ouvindo o jogo Hercílio Luz e Paula Ramos (Florianópolis), na decisão do estadual daquele ano, na Capital; 3 x 1 para o Paula Ramos, se a memória não me trai. A cada gol, Ézio exclamava: “Acharam o buraco na defesa”.
Ézio é pai do meu compadre e prestigiado advogado Gilberto Procópio Lima, marido da minha comadre e exitosa empresária do ramo imobiliário em Içara, uma alma grandiosa que sei bem o tamanho por tantos atos e fatos. A campeã. Outro dia falo de coisas da convivência com minha comadre e meu compadre naqueles bons tempos em que tínhamos como elo comum os pais de Raquel, o saudoso Castilho e a inesquecível Júlia, com quem disputávamos furiosas partidas de canastra, inesquecíveis até hoje.
Narrarei um episódio histriônico ao extremo, quando íamos passar o réveillon em Siderópolis, a convite do clube local e nosso carro enguiçou exatamente em frente à Maracangalha. E passamos ali o réveillon, sem muitas cerimônias.
O tempo. Ah, o tempo, esse miserável que não volta mais...