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Nem tudo é sobre você

Por Ananda Figueiredo 20/11/2017 - 18:40 Atualizado em 21/11/2017 - 08:39

Deixei para escrever este texto no final do dia porquê, propositalmente, quis ouvir os comentários das pessoas com quem cruzei acerca do dia da consciência negra. Alguns, confesso, provoquei a fala através da simples menção à data. Ao entardecer de hoje, só consigo pensar em uma frase: nem tudo é sobre você.

Claro, se você é negro, é certo que já terá notado isso há muito tempo. Agora, se você está entre aqueles que foram privilegiados ao longo da história do nosso país, te convido a fazer esse exercício mental: tente trazer à memória os momentos em que você esteve em um círculo social quando qualquer assunto relacionado a negritude surgiu e preste atenção no que ocorre logo em seguida. O que você vê? Eu percebi um esforço tremendo na construção de um discurso que ateste que aquela pessoa não é racista. Neste momento, eu nem estou me referindo à clássica frase "eu não sou racista, mas...", mas ao quanto precisamos parar de nos ausentar de um problema que acontece, é fato, e no qual o buraco é muito mais embaixo. Apesar de eu nunca ter ouvido alguém admitir que é racista, a realidade que se apresenta ainda é essa. Duvida? Veja os dados abaixo:

- De cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras (IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública);

- Em 2015, os brasileiros brancos ganhavam, em média, o dobro do que os negros: R$1589, ante R$898 mensais. Estima-se que apenas em 2089, daqui a pelo menos 72 anos, brancos e negros terão uma renda equivalente no Brasil (IPEA/PNAD);

- 67% dos negros no Brasil estão incluídos entre os brasileiros que recebem até 1,5 salário mínimo, enquanto o mesmo ocorre com 45% dos brancos (IPEA/PNAD);

- Entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54%, ao passo que o índice de feminicídios de brancas caiu 10% no mesmo período (Mapa da violência 2015);

- Mulheres negras são mais atingidas pela violência obstétrica (65,4%) e pela mortalidade materna (53,6%) (Ministério da Saúde e Fiocruz);

- Só 10% dos livros brasileiros publicados entre 1965 e 2014 foram escritos por autores negros (UnB);

- 80% dos personagens retratados pela literatura nacional são brancos (UnB);

- Homens negros são só 2% dos diretores de filmes nacionais. Não há registro de nenhuma mulher negra nesta posição (UERJ);

- Dentre os filmes produzidos no Brasil que alcançaram as maiores bilheterias entre 2002 e 2014, apenas 31% tinham no elenco atores negros, quase sempre interpretando papeis associados à pobreza e criminalidade (UERJ).

Se você ainda não está satisfeito com esses dados, coloque-os diante do resultado do Censo: mais da metade da população brasileira (54%) é de pretos ou pardos. Quer mais? Treine seu olhar para perceber onde estão os negros e negras nos espaços em que você frequenta. Sabe a praça de alimentação do shopping? O pronto-socorro hospitalar? A empresa em que você trabalha? Só por uns minutinhos, tire o olhar do seu umbigo e observe. Não importa se você "não é racista", nem tudo é sobre você - é sobre uma sociedade que é diversa, plural, desigual e racista e, você sabe, para curar qualquer doença, é preciso reconhecê-la.

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