A cantora Dolores O'riordan, do The Cranberries, faleceu nesta segunda-feira aos 46 anos. Apesar de a causa da morte ainda não ter sido revelada, reacendeu a discussão sobre os transtornos alimentares, já que, em 2014, a cantora declarou numa entrevista que sofria de anorexia.
Há alguns anos eu acompanho pacientes que sofrem com distorção de imagem e transtornos alimentares. E sim, elas sofrem.
Elas (85% são mulheres) não se enxergam seus corpos como realmente estão. Elas não comem. Quando comem, sentem uma culpa intensa, e então provocam vômito, tomam laxante ou se embrenham de forma demasiada na atividade física. Elas têm rituais de auto-medição. Além da culpa, há uma sensação que as acompanha diariamente: a de estar sempre em débito, devendo algo, seja para si, para seu corpo, para a família, para os parceiros ou para a sociedade.
Aí, no consultório, fazemos um trabalho quase arqueológico para entender as razões por trás deste sofrimento - e não é menos doloroso descobrir. Mas, já dizia minha avó, "o que arde cura", e assim começamos a trilhar no caminho do bem-estar. A ponto de, na busca por aceitar seu corpo e as marcas que ele trás, elas tiram fotos de seus corpos magérrimos, ainda em recuperação, e fazem o que todos nós fazemos: postam nas redes sociais - e é este o ponto que quero conversar com você hoje.
Logo que a foto é postada, há uma chuva de likes e de comentários: Linda! Magra! Que corpão! Fiu fiu! Dia desses me deparei com o comentário de um homem (que ostentava sua barriguinha de cerveja) pedindo para que a mulher na foto passasse a receita da dieta para sua esposa. A questão aqui é: é imperativo que elas aceitem e reconheçam o corpo como sua casa, mas para isso precisam abdicar de um ideal de beleza que as faz sofrer absurdamente. E o seu comentário, por mais bem intencionado que seja, só reforça que a beleza está em ser magérrima, num corpo onde é possível estudar a anatomia dos ossos e músculos sem retirar a pele e que só é alcançado com muita dor e autolesão.
Por que será que boa parte dos elogios é destinado aos corpos? Que beleza é essa que está sempre vinculada à díade magreza-juventude e que, assim, é obviamente finita?