No dia 5 de agosto, como de hábito nas sextas-feiras, lá pelas 9 e alguma coisa da manhã, Lessa e eu sempre comentamos os fatos e atos relevantes da semana, encerrando o programa que leva seu nome. José Eugênio Soares, o Jô Soares, falecera poucas horas antes, no Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, onde fora internado em 28 de julho. Nasceu em 1938, tendo portanto 84 anos ao partir. Sua morte nos aproxima e atrai para rescaldo de um tempo perdido, afinal ele foi entretenimento para os brasileiros durante seis décadas.
Humor elitizado das madrugadas
Jô Soares, humorista que fazia todo mundo rir, ao mesmo tempo fazia pensar. Era um humorista-ator intelectualizado. Raridade na cena televisiva-teatral e literária brasileira, criava personagens para combater preconceitos. Nos seus livros misturava ficção e realidade. Showman, deixava-nos insones, televisão ligada até altas horas, conduzindo o melhor programa de entrevistas de nossa Tv, qualidade ainda não igualada entre nós. Músico, tocando bongô de maneira admirável, entrevistava seus convidados nas várias línguas que dominava: francês, inglês, italiano, português, espanhol; tinha conhecimentos em alemão. Mas, acima de tudo falava a língua das ruas com seus causos e piadas.
O início na TV
Estudou em Lausanne na Suiça. Viu Tv pela vez primeira em 1952 nos EUA e, seis anos depois – aos 20 anos – escrevia e atuava em peças policiais na Tv Rio. Logo depois seria comediante na Tv Continental. Em 1960 estava na Tv Excelsior, no Simonetti Show. Na Record, em 1966, escrevia e atuava no premiadíssimo Família Trapo. Dividia a redação do programa com Carlos Alberto Nóbrega. Estreou na Globo em 1970 onde brilhou com Faça Humor, Não Faça a Guerra, toda sexta-feira à noite, show substituído por Satiricom e, depois, por Planeta dos Homens.
Em 1981 Jô reivindicava programa só seu, o Viva o Gordo. Em 1987 muda para o SBT e encena o Veja o Gordo, passando depois a dedicar-se em tempo integral ao Jô Soares Onze e Meia, referência na Tv brasileira de talk show. No seu talk show, já se disse, demolia qualquer embuste com seu sarcasmo e reconhecia todo puro talento com sua generosidade. Raciocínio surpreendentemente veloz, improvisava porque tinha cultura.
Em 2000 volta para a Globo onde apresenta até 2016, Programa do Jô. Max Nunes, redator de seus programas faleceu em 2014, ano da morte de seu único filho, Rafael, autismo agravado por tumor cerebral, aos 50 anos. Jô era, então, casado com a atriz Teresa Austregésilo, primeira de três núpcias.
Trabalhou no teatro, cinema e na produção literária. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras. Com Matinas Suzuki lançou o Livro de Jô- Uma Autobiografia Desautorizada, em dois volumes.
Os finalmentes
No VIVA O GORDO (Globo, 1981-1987) e no VEJA O GORDO (SBT, 1988-1980), satirizou a política e costumes pátrios. Seu humor emergente refletia o momento que o país vivia. Criador de personagens icônicos, Jô muito auxiliou na restauração do Theatro São Pedro de Porto Alegre, reforma idealizada por Eva Sopher que faleceu em 2018. Eva, na ausência de verbas, apelou para que artistas doassem seus trabalhos para as obras do teatro. Jô apresentou seu show em Porto Alegre, pagando as passagens do próprio bolso. O espetáculo foi encenado em meio a escombros e paredes reconstruídas do velho teatro.
Vai em paz, Jô Soares.