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Doutorzinho e Chumbinho, parte 2

Por Henrique Packter 12/04/2022 - 07:30

No final da vida se você não tiver do que se arrepender, você não viveu.
Egon Schneider, Adair Klein, Romeu Bordini, ou simplesmente Dr. HUGO – um escroque em ação no SÃO BENTO do SUL, SC (1964)

Final de maio, início de junho de 64, aparece em São Bento do Sul bem-falante e bem-apessoado  personagem, apresentando-se como adido militar, delegado pelo comando da revolução para a cidade. De idade indefinida, talvez uns 35 anos, chamava-se, dizia ele, Egon Schneider, Major do Exército Brasileiro.

Isso já o catapultou à condição de plena aceitação nos círculos mais respeitáveis da crédula elite são-bentense, quase todos seus integrantes entusiastas da revolução, responsável – diziam todos -  por livrar o Brasil do jugo comunista.

Circunstanciar como o dito major se insinuou e se infiltrou nos mais finos e refinados lares-, maiúsculos ornamentos sociais da urbe -, não é fácil. Isto, porque muitos e muitos anos depois, décadas até, ninguém na cidade queria comentar o ocorrido; de como foram todos estupidamente burlados. Além disso, quando tais fatos se desenrolaram, foi justamente no período em que Tribuna da Serra, único jornal da cidade, deixou de circular pela transferência da sua oficina gráfica de Mafra para São Bento.

Aparentemente o major era pessoa relativamente culta, fluente em diversos assuntos e até falava um pouco de alemão; falava alemão como quem cospe pedra. Esta habilidade linguística somada ao nome e prenome francamente germanos, contava muitos pontos nos altos círculos da germanófila São Bento. Mas, bem examinada, exibia cultura de Seleções do Reader's Digest, de onde possivelmente tenha copiado o figurino de famoso impostor americano da década de 1920, Stanley Clifford Weyman (Stanley Jacob Weinberg). As estripulias de Weyman foram descritas em detalhe pela revista panfletária americanófila, talvez fonte de inspiração para Schneider.

Major Schneider, como passou a ser conhecido, foi rapidamente aceito pela elite empresarial da cidade, nela passando a circular com desenvoltura. Além disso, apresentava-se impecavelmente trajado, terno bem talhado, boas gravatas, sem nunca envergar farda do exército, que dizia representar. Proeminentes figuras da sociedade local disputavam a honra de convida-lo para toda a sorte de eventos, jantares e reuniões, aí incluídas figuras notáveis do judiciário como o Juiz de Direito da Comarca.

Nosso personagem era frequentador do Fury’s Bar, choparia point da cidade, na época. O proprietário do estabelecimento, Aldo Emilio “Furis” Jungton, confidenciava que nosso herói jamais lá pagara contas, sempre patrocinadas pelos bem-sucedidos empresários e autoridades locais. 

Não há registro de que tenha chegado a aplicar algum golpe, de que tenha lesado financeiramente algum cidadão são-bentense. No máximo, imagina-se, tenha ficado devendo a despesa das diárias no hotel (Stelter) em que ficou hospedado no período no qual circulara.

Por outro lado, é de se supor que a maiúscula figura – expressão ímpar da revolução brasileira – logo passe a ser assediado pelo jet set feminino local. Teve acesso facilitado a moças, moçoilas, senhoritas, senhoras e damas da sociedade local. O quanto se aproveitou dessas facilidades é coisa  a ser relacionada no rol das conjecturas, pois esse também é um dos motivos que tornaram esse assunto proibido, tabu, por muito tempo na cidade.

As coisas corriam bem para o Major, que se regalava confortavelmente nas benesses recebidas e por uns dois meses. Mas, princípio de agosto de 1964, outra figura local, que fazia às vezes de informante do exército, ficou intrigado com o tal major. Tratava-se de Paulo Dalvio Mallon, que prestara serviço militar na PE – Policia do Exército do RJ e que tinha estreito contato com o Coronel Ventura. Mallon resolveu investigar. A pergunta era: a quem estava realmente ligado esse tal Major Egon Schneider?

Apenas dois ou três telefonemas interurbanos para descobrir o embuste. Mesmo assim era operação bem mais complicada do que seria hoje em dia. Naquele tempo as ligações interurbanas eram feitas na base de telefonistas, que espetavam aqueles pinos-banana na mesa da central telefônica da cidade para conectar uma das cinco linhas externas disponíveis. A central telefônica de interurbanos só funcionava de dia, no horário comercial. Se alguém quisesse fazer ligação interurbana à noite, só em caso de emergência e indo chamar a operadora para abrir a agencia e fazer a ligação, como de fato aconteceu nesse caso.

O próprio autor da descoberta, Dalvio Mallon, fez questão de participar, liderar, a operação de prender o farsante. Com o delegado de polícia juntou pequena comitiva e autuaram o falso major. Preso, foi encaminhado ao Batalhão do Exército de Rio Negro, no Paraná. Ficou detido alguns dias ali e depois liberado, pois não se produziram provas contundentes contra o acusado. Ninguém fora lesado, não havia provas por falta de denunciantes, todos silentes... nada. As moças e senhoras da sociedade local negavam qualquer envolvimento com o falso militar.

O jornal Tribuna da Serra voltara a circular por aqueles dias, e, em sua edição de 09.08.1964 publicou Pássaro na gaiola, lacônica nota relativa ao fato.

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