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Ensaio sobre a cegueira (Parte 2)

Por Henrique Packter 18/01/2020 - 07:16 Atualizado em 31/01/2020 - 09:23

No Ensaio sobre a Cegueira, obra intensa e sofrida, o autor aponta as reações do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono. Leva-nos também a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito em tempos de penúria. Através dos olhos da personagem principal, a mulher do médico, descreve situações extremas. A mulher vidente mata para se preservar e aos demais, vê a morte de maneiras bizarras, horroriza-se com cadáveres espalhados pelas ruas e incêndios. Parece o Apocalipse.

A obra acaba quando subitamente, o mundo cego dá lugar ao mundo imundo e bárbaro, sem que as memórias e rastros  se desvaneçam. Saramago era agnóstico, um ateu e sua visão do Apocalipse é arreligiosa. Quem mereceria sobreviver neste mundo que agoniza? Ciência, Conhecimento, Razão, Lógica? A Medicina? Talvez.Não por acaso, a mulher que vê é mulher de médico.

No romance de Saramago, os personagens não têm nomes, diferenciam-se pelas suas características e particularidades. Há o primeiro cego, a mulher do primeiro cego, o médico, a mulher do médico (que vê), a garota dos óculos escuros, o velho com a venda no olho e o rapazinho estrábico, o cego da pistola, o cego que escreve em braile, o ladrão, os soldados, a velha do primeiro andar,o cão de lágrimas.

Saramago utiliza o tipo de escrita pelo qual ficou conhecido mundialmente, pautando-se por uma descrição lisa, ausência de recursos típicos do discurso direto (parágrafo, travessão, aspas), apresentando o discurso direto entre vírgulas e começando por maiúsculas, para o leitor fazer a distinção entre este e o restante tipo de discurso. Esta modalidade de escrita foi desenvolvida ao longo dos escritos de Saramago e é uma das suas (senão a maior) características inconfundíveis.

 "Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem".

"O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui."

"Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira, Isto é diferente, Farás o que melhor te parecer, mas não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, cegos sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego, Acredito, mas não preciso, cego já estou, Perdoa-me, meu querido, se tu soubesses, Sei, sei, levei a minha vida a olhar para dentro dos olhos das pessoas, é o único lugar do corpo onde talvez ainda exista uma alma, e se eles se perderam".

Adaptação cinematográfica

Saramago sempre resistiu em ceder os direitos sobre seus livros para o cinema. Contudo, em 2008, uma adaptação de Ensaio sobre a Cegueira foi lançada, dirigida pelo brasileiro Fernando Meirelles. O filme obteve críticas divididas e opiniões conflitantes; no entanto, o longa agradou imensamente ao escritor. Saramago disse a Meirelles "estar  feliz de ter visto o filme". Em outra declaração, Saramago disse que "agora conhecia a cara de suas personagens". 

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