Era grande a influência de LEONEL DE MOURA BRIZOLA quando governou o RJ. Elegeu, sem maiores dificuldades, o Juruna e Aguinaldo Timóteo (vejam só!), para a Câmara dos Deputados em Brasília.
Estão seguindo?
Darci Ribeiro, intelectual e professor universitário, além de autor de obras de grande repercussão dentro e fora do país, vai para o senado com as bênçãos de Brizola.
Certo dia, Aguinaldo corre ao encontro de Brizola em Palácio. Os dois discutem a portas fechadas e a falas elevadas. Por fim, abrem-se as portas com estrépito, por elas saindo o deputado Timóteo, extremamente irritado, declarando-se rompido com o governador, porque este o chamara de nego sem vergonha!
Correm os jornalistas, homens, radialistas, mulheres e carregadores de câmeras para o gabinete do governador:
- Dr. Brizola: o deputado Timóteo diz-se rompido com o senhor; alega ter sido ofendido em sua honra. Alega ter sido chamado de nego sem vergonha.
Brizola corre os olhos pela turba e com ar didático, como quem está prestes a dar uma aula magna, dedo em riste, rebate:
- Nego, não; nego, não!
BREVE BIOGRAFIA
Leonel Itagiba de Moura Brizola; Carazinho, 22.01.1922 – RJ, 21.06.2004), engenheiro civil e político brasileiro. Líder trabalhista, foi governador do RJ e do RS, único político eleito por voto popular para governar dois estados diferentes em toda a história do Brasil. Brizola (Leonel Itagiba); o nome Leonel era uma homenagem a Leonel Rocha, maragato local, enquanto Itagiba foi nome dado a um irmão seu, falecido ao nascer. Brizola não gostava de seu segundo nome, e aos quatorze anos de idade sua mãe alterou-o legalmente, permanecendo apenas Leonel
Brizola vive seus primeiros anos no interior do estado, mudando-se para POA em 1936. Lá, continuou a estudar, trabalhando como engraxate, graxeiro, ascensorista e servidor público. Ingressou no curso de engenharia civil na Universidade Federal do RS (URGS) em 1945, graduando-se em 1949. Enquanto estudava na UFRGS, inicia atividade política, organizando a ala jovem do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em evento político, conhece Neusa Goulart, irmã de João Goulart. Casam-se (1950) e têm três filhos.
Em 1947, Brizola foi eleito deputado estadual pelo PTB. Torna-se político em ascensão no estado: em 1954, elege-se deputado federal com votação recorde; dois anos depois é prefeito de POA; em 1958, governador do RS. Destaca-se por suas políticas sociais e por promover a Campanha da Legalidade, em defesa da democracia e da posse de Goulart como presidente. Em 1962, transfere seu domicílio eleitoral para a Guanabara, estado pelo qual elege-se deputado federal. Durante o governo de Goulart, ambos mantiveram relação tumultuada, unindo-se apenas antes do golpe militar de 1964. Tendo suas propostas de resistência não bem-sucedidas, Brizola exila-se no Uruguai.
Voltou ao Brasil em 1979, depois de um exílio de quinze anos no Uruguai, EUA e Portugal. No mesmo ano, fundou e presidiu o Partido Democrático Trabalhista, social-democrata e populista. Em 1982, foi eleito governador do RJ, iniciando o programa de construção dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP), marco no ensino fundamental brasileiro.
OS CIEPs
Criados em 1983, no primeiro governo Brizola, por influência de Darcy Ribeiro. Mas a educação de qualidade oferecida aos filhos da classe trabalhadora não sobreviveu ao pensamento de que ao pobre basta uma educação pobre.
Modelo de educação, os CIEPs iniciam em 1983 no primeiro governo de Leonel Brizola. Fortemente influenciado pelo professor Darcy Ribeiro, um dos maiores mestres da educação no Brasil, Brizola resolve implantar um sistema de educação integral onde o aluno teria as aulas do currículo normal, faria suas refeições, estaria envolvido inclusive nos finais de semana em atividades culturais e teria assim uma educação de qualidade, situação inédita dentro da estrutura pública educacional. Os CIEPS seriam a forma dos filhos das famílias mais pobres terem acesso a uma educação de boa qualidade e também de estarem alimentados e ligados à cultura como forma de lazer e aprendizado, o que os afastariam da atração da atividade criminosa nas comunidades de baixa renda.
O mestre-arquiteto Oscar Niemeyer e o engenheiro calculista José Carlos Sussekind criam uma escola ampla, funcional e 30% mais barata que um prédio escolar convencional. Para implantar no Estado um grande número de CIEPs com êxito, era necessário um projeto de arquitetura que desse origem a uma escola ampla, que fosse economicamente viável e permitisse rapidez na construção. O desafio de conciliar beleza, baixo custo e rapidez de execução foi confiado ao talento de Oscar Niemeyer.
Partindo da ideia de utilizar a técnica do concreto pré-moldado, que possibilita montar cada CIEP como um jogo de armar, num prazo de apenas quatro meses Niemeyer criou um projeto-padrão que é 30% mais barato que obra utilizando a técnica convencional de fazer a concretagem no próprio local de construção. Na obra do CIEP, como definiu o Engenheiro Calculista José Carlos Sussekind, “a arquitetura é inseparável da estrutura; existe uma especial integração arquitetura-engenharia”.
Pela concepção de Niemeyer, cada CIEP é composto por três construções distintas: o Prédio Principal, o Salão Polivalente e a Biblioteca. O Prédio Principal possui três pavimentos ligados por uma rampa central. No pavimento térreo localizam-se o refeitório com capacidade para 200 pessoas e uma cozinha dimensionada para confeccionar o desjejum, almoço e lanche para até mil crianças. No outro extremo do pavimento térreo fica o centro médico e, entre este e o refeitório, um amplo recreio coberto. Nos dois pavimentos superiores estão localizadas as salas de aulas, um auditório, as salas especiais (Estudo Dirigido e outras atividades) e as instalações administrativas. No terraço, uma área reservada para atividades de lazer e dois reservatórios de água.
ESCOLA PENSADA POR OSCAR NIEMEYER
O Salão Polivalente é um ginásio desportivo coberto, dotado de arquibancada, vestiários e depósito para guarda de materiais. A terceira construção é a Biblioteca, idealizada para atender os alunos para consultas individuais e para grupos supervisionados, estando também à disposição da comunidade. Sobre a Biblioteca, existe uma verdadeira residência, com alojamentos para doze crianças (meninos ou meninas), que poderão morar na escola em caso de necessidade, sob os cuidados de um casal (que dispõe na casa de alojamento próprio, sala comum, sanitário exclusivo e cozinha). Para terrenos onde não seja possível instalar todas as três construções que integram o Projeto-Padrão, foi elaborada uma alternativa, o CIEP COMPACTO, composto apenas pelo Prédio Principal, ficando no terraço a quadra coberta, os vestiários, a Biblioteca e as caixas-d’água.
Segundo o próprio Oscar Niemeyer, da ideia de construir escolas em série “surgiu naturalmente a utilização do pré-fabricado, para faze-las multiplicáveis, econômicas e rápidas de construir: nesses casos, é a economia que exige a repetição e o modulado”. Mas, a despeito de toda a lógica, surgiram diversas críticas ao Programa Especial de Educação, assentadas numa ideia equivocada: a de que o CIEP é uma escola “mastodôntica, suntuosa e muito cara”.
SEM PRECARIEDADE DE RECURSOS
Estes ataques parecem ter como pano de fundo a crença de que os brasileiros devem conformar-se com a precariedade dos recursos públicos que os governos têm dedicado à rede pública de ensino, ao longo da história do país. CIEPs nada têm de “suntuosos”. Ao contrário: é simples, despojado, não utiliza material supérfluo. A utilização do concreto pré-moldado possibilita conter despesas.
Na inauguração do primeiro de todos os CIEPS, o Tancredo Neves, Leonel Brizola comparou os custos da construção civil e do projeto de Niemeyer. Pelos seus cálculos, o CIEP Tancredo Neves custou, em 1985, Cr$ 3 bilhões e 978 milhões. Já edifício com a mesma metragem custaria, na mesma época, Cr$ 5 bilhões e 737 milhões.
Não teria o povo o direito de ter seus filhos estudando em escolas bonitas e funcionais, arejadas e eficientes? Há quem ache que não. Argumenta-se que somos um país pobre e que, por isso, as escolas devem ser pequenas e humildes. Por que se insiste em associar boa qualidade, beleza e funcionalidade com sofisticação e megalomania? A quem isso interessa?
Às primeiras críticas sobre os CIEPS responde publicamente Oscar Niemeyer: “ (...) são tão levianas, demonstram tal desinformação que, a contragosto, sou obrigado a dar explicação desse projeto. Trata-se de um programa revolucionário sob o ponto de vista educacional. Escolas que não visam apenas, como as antigas — instruir seus alunos, mas sim dar um apoio efetivo a todas as crianças do bairro. Isto explica serem, no térreo, para elas, abertos sábados e domingos, ginásio, gabinete médico-dentário, biblioteca etc. Daí a dificuldade de usar as velhas escolas — vão sendo remodeladas — não foram projetadas para esse programa.
Pré-fabricados, eles constituem economia de 30% em relação às construções do tipo comum — e mais econômicos ainda se tornam por serem de construção rápida, quatro meses, tendo em conta o aumento crescente dos materiais, da mão-de-obra etc.
Adaptam-se a qualquer lugar, junto às favelas inclusive, o que é sem dúvida importante, permitindo que filhos de favelados sintam que todo um conforto lhes é oferecido, sem a discriminação odiosa que mais tarde e, por ora, a vida lhes vai impor. E são simples, lógicos, destacando-se pela sua forma, diferente nos setores mais diversos da cidade, revelando assim a grandeza do programa adotado por Leonel Brizola, o que, por isso mesmo, parece não agradar a muita gente.
(...) Revolta-me, principalmente a desenvoltura com que alguns comentam o programa educativo dos CIEPs sem levar em conta a presença de Darcy Ribeiro, sua autoridade internacional no campo da educação, convidado invariável para organizar o ensino em países do Novo e Velho Mundo. Essa revolta cresce quanto sinto que a maioria desses críticos nada entende dos problemas educacionais, limitando-se a superadas opiniões, fáceis de contestar e definir”.
DESVIRTUAMENTO DA PROPOSTA ORIGINAL
Ao assumir o governo do estado, após dissentir politicamente de Brizola e estar em um novo campo político, Marcello Crivella não aceitava o sistema de educação integral, fazendo com que os CIEPs passassem a ter três turnos escolares desvirtuando completamente a ideia original de Darcy Ribeiro e Brizola.
Abandonou-se também várias obras de construção de CIEPS transformados em esqueletos inúteis. Finalmente, pelo problema na segurança pública que o RJ atravessa até os dias atuais, muitos CIEPs situados em áreas dentro ou muito próximos à comunidades dominadas pelo narcotráfico, as direções dos Cieps obrigaram-se a aceitar ou a presença de traficantes nos pátios dos CIEPS ou o uso de instalações das escolas para a guarda de drogas e armamento.
Apesar dos CIEPs continuarem existindo formalmente, sua concepção original como modelo educacional hoje não existe mais.
Na eleição presidencial de 1989, por pouco não foi para o segundo turno. Um ano depois, voltou a governar o RJ, sendo eleito no primeiro turno. A partir daí, não logrou êxito em nenhuma das quatro eleições que disputou, de vice-presidente de Lula da Silva em 1998 a senador pelo RJ em 2002. Faleceu, em 2004, vítima de um infarto agudo do miocárdio.