Saindo dos estúdios da Rádio Som Maior de Criciúma, sexta-feira, 25 de agosto de 2023, encontro o jornalista Rafael Niero que ouvira minha entrevista, recém-concedida a José Adelor Lessa sobre Monsenhor Agenor Neves Marques e Newton Varella, juiz da Comarca de Urussanga.
Niero tem um filme de 20 minutos focando Monsenhor, além de fantásticas histórias sobre esse notável personagem. Numa delas, senhora da cidade corre à sacristia onde Monsenhor se encontrava. Trazia ela seu cão de guarda, única companhia que lhe restara na viuvez. O cão estava imóvel em seus braços, parecendo sem vida. Ela viera em busca de uma oração, uma benção para o pobre animal. Padre Agenor murmurou breve oração, finda a qual o cão despertou de seu sono, voando feito um raio para a rua.
POSTADO POR JORNAL NOSSO TEMPO - NEWTON VARELLA. Ícaro do Sul (Baseado em trabalhos de Márcia Marques Costa e de Agilmar Machado, da Academia Criciumense de Letras, patrono e ocupante Cadeira n.21. Revista Acadêmica II. 21.8.2008).
PADRE e JUIZ ALADOS BENZEM URUSSANGA e JOGAM FLORES para o POVO
Para escrever sobre os causos e histórias em que Monsenhor se envolveu durante os mais de 60 anos que residiu na Benedetta Urussanga, páginas – muitíssimas páginas - seriam insuficientes para relatar tudo o que este homem vivenciou. Monsenhor é título honorífico, honraria papal, concedida em 1963, sendo Papas João 23 e Paulo 6º. AGENOR NEVES MARQUES, Padre Agenor, nasceu na Palhoça (SC), grande Florianópolis, 10.10.1914. Bom orador sacro, radialista, escritor, poeta, compositor, um apaixonado pela apicultura. Sua ordenação sacerdo tal ocorreu em 29.12.1940. Faleceu em Urussanga, 2006.
Deu extrema unção a duas pessoas da mesma família entre o início e o fim de uma refeição, esqueceu horário de um casamento e fez os noivos esperarem na frente da igreja e até se vestiu de mulher e colocou peruca com cabelos loiros para fazer campanha política e ludibriar seus opositores. Assim foi Agenor Neves Marques, Nevinho para os familiares, Padre Agenor para a multidão de admiradores, Monsenhor Camareiro do Vaticano para aqueles que se orgulhavam da sua influência na Roma papal e Nonô para aqueles que tencionavam diminuir-lhe as qualidades.
A MORTE DE APERITIVO E DE SOBREMESA
Se hoje é difícil achar um padre para rezar missa de corpo presente e as famílias acabam aceitando mensagem e orações na capela do cemitério, o pré-sepultamento, outrora, era bem diferente. Quisesse ser respeitado e querido por sua comunidade, precisava o Padre estar disponível o tempo todo. Sem horário pré-estabelecido e sem férias.
Assim foi com o Padre Agenor quando pároco em Urussanga, onde as famílias costumavam chamar o sacerdote para dar extrema unção aos seus entes queridos. Único horário respeitado era das 12h às 14h, quando a Casa Paroquial cerrava portas para que Padre Agenor descansasse de uma jornada que iniciava às 5h e normalmente se estendia até 22h ou 23h. Dia normal, o almoço era servido por volta das 11h30min.
Em dia bastante frio e úmido de inverno da Benedetta, Padre Agenor, sentara-se ao lado de mãe Otília para mais um almoço, a comida mantida aquecida no fogão a lenha, o belo prato fazendo jus ao gosto familiar pelas boas comidas. Após duas garfadas, eis que surge cidadão desesperado, pedindo que o Padre fosse até sua residência, próxima da Casa Paroquial, para uma extrema unção. Monsenhor se levanta rapidamente e chega a tempo de perdoar os pecados do enfermo que, assim, poderia passar com menos angústia para o outro plano. Confortados os familiares, Padre Agenor retorna para casa e, ainda abalado pela morte do urussanguense de quem era amigo, afinal consegue almoçar. Já deitado para a sesta, volta o mensageiro da morte, chamando-o para conceder outra extrema unção.
Padre Agenor levanta, veste a batina, apanha água benta e demais apetrechos necessários. Assusta-se ao saber que era outra extrema unção no mesmo endereço. Desgraça! Pelo choque e pela tristeza de perder o marido, a esposa acabou enfartando e também morre. Triste história, reveladora do espírito altruísta de quem dirigia a igreja católica na urbe.
Os VOADORES. O JUIZ ALADO
Grande amizade unia o Padre e o Juiz da Comarca, Newton Varella (Varelinha), também piloto de teco-teco. Nascido em fevereiro de 1919, aprendeu pilotagem de teco-tecos no RJ, março de 1938 e entre seus inúmeros feitos consta voo passando por baixo da ponte Nereu Ramos em Tubarão para ganhar uma aposta. O juiz era proprietário de monomotor, que utilizava como entretenimento e também para apoio em emergências como levar doentes graves para centros maiores ou auxílio em catástrofes.
Em registros de 6.12.1949, Padre Agenor conta que, na semana da festa da Nossa Sra. da Imaculada Conceição, padroeira da cidade, ele e o Juiz percorreram todos os recantos do município de Urussanga para benzer as residências de 2.326 famílias. Utilizaram, para isso, 9 litros de água benta. Moradores deveriam estender frente à casa, lençol branco com uma cruz de flores. Previamente, Padre Agenor anunciava pela Rádio Marconi (que ele criara), quando ocorreria o fato e como merecer esta bênção da Igreja em cerimônia apropriada.
Na época, Urussanga englobava os municípios de Morro da Fumaça, Cocal do Sul, Siderópolis e Treviso. E foi em Treviso que ambos conheceram a fragilidade humana, mesmo com os poderes que lhes haviam sido delegados pela fé e pela justiça. Padre Agenor diz que caíram, “mas sem graves consequências”. Certo, os danos devem ter sido poucos, pois dois dias depois, 8.12.1949, enquanto a população homenageava sua padroeira, o juiz Newton Varella, missa finalizada, jogou flores sobre a cidade.
Padre Agenor trilhava pelos recantos do município; ele andou 4 horas a cavalo, 6 horas de moto e percorreu 30 mil quilômetros com seu automóvel. Com o amigo Varella, fez 7 horas e 30 minutos de voo no PP/RUT. Foi e será a única vez na História da Benedetta que um juiz e um padre católico benzeram e jogaram flores de monomotor.
Newton Varella que ficou conhecido como juiz alado por dividir a judicatura com a aviação, dá nome ao Fórum de Garopaba. O mais famoso avião particular do sul catarinense nas décadas de 50/60, pertencia a Newton Varella, o Varelinha, então Juiz de Direito em Urussanga. Exímio piloto e instrutor de pilotagem aérea, o prefixo PP/RUT era homenagem à esposa do magistrado. Ela, certamente, vivia com o rosário nas mãos pedindo a proteção celestial para o marido que, junto com o Padre da cidade, gostava de dar voos rasantes junto aos ciprestes da Anita Garibaldi.
(Fim da primeira parte. Continua próxima semana)