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Receita de Ano Novo, de Carlos Drummond de Andrade

Por Henrique Packter 31/12/2024 - 13:17 Atualizado em 31/12/2024 - 13:19

Publicado em 1940, na ressaca da Primeira Guerra, o poema reflete um mundo ainda abalado diante do terror do fascismo.

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;

novo

até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior)

novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,

mas com ele se come, se passeia,

se ama, se compreende, se trabalha,

você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,

não precisa expedir nem receber mensagens

(planta recebe mensagens?

passa telegramas?)

 

Não precisa

fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar arrependido

pelas besteiras consumadas

nem parvamente acreditar

que por decreto de esperança

a partir de janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade, recompensa,

justiça entre os homens e as nações,

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

direitos respeitados, começando

pelo direito augusto de viver.

 

Para ganhar um Ano Novo

que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo

cochila e espera desde sempre.

 

O  sujeito lírico parece falar diretamente com o seu leitor ("você"). Procurando aconselhá-lo, partilhar sua sabedoria, formula neste seus votos de transformação para o novo ano. Começa recomendando que este seja realmente um ano diferente dos anteriores (tempo "mal vivido", "sem sentido"). Para isso, é necessário buscar uma mudança real, que vá além da aparência, que gere um futuro novo.

Prossegue, afirmando que a transformação deve estar presente nas pequenas coisas, tendo origem no interior de cada um, nas suas atitudes. Para isso, é preciso cuidar de si mesmo, relaxar, se compreender e evoluir, sem precisar de luxo, distrações ou companhia. Na segunda estrofe, consola seu leitor, determinando que não vale a pena se arrepender de tudo o que fez, nem acreditar que um novo ano será a solução mágica e instantânea para todos os problemas.

Pelo contrário, tem que merecer o ano que chega, tomar a decisão "consciente" de mudar a si mesmo e, com muito esforço, mudar a sua realidade.

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