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Tancredo & Joviano & Evaldo Machado dos Santos (2 de 3)

Por Henrique Packter 29/05/2023 - 08:00

 

Cortejo fúnebre e enterro

Dia seguinte, a Globo exibiu imagens do cortejo fúnebre do Instituto do Coração ao Aeroporto de Congonhas, em SP. Multidão de dois milhões de pessoas se despediu de Tancredo Neves nas ruas da capital paulista. O telejornal acompanhou todo o trajeto do corpo em Brasília e em BH, mostrando de perto as demonstrações de apreço e tristeza da população. O enterro de Tancredo em São João del Rei, a 24.04.1985, foi transmitido ao vivo pela Globo. A editora Sílvia Sayão lembra que a montagem do equipamento para a transmissão foi complicada, durando quase um dia inteiro. No desfecho do sepultamento, o repórter Carlos Nascimento interrompeu a narração e as imagens mostraram o lento trabalho do coveiro João Aureliano, cercado de autorida des e parentes de Tancredo.

Nascimento relembra o episódio: “O enterro foi à noitinha, às sete horas mais ou menos. Durante a tarde, Boni queria esquentar a programação e me mandou narrar o que estava acontecendo. Só que não estava acontecendo nada, porque os políticos iam começar a chegar depois. Mas ele me mandava falar. Eu ia, subia no telhado e pensava: ‘Vou falar o que, meu Deus?’ Aí, eu narrava as montanhas de São João del Rei, o pôr-do-sol, descrevia e falava do Tancredo e o sino tocava… e ficava aquela coisa poética. Boni falava: ‘Ah, está ótimo!’ Foi assim a tarde inteira. Até que, enfim, à noite, houve o sepultamento e aquela cena incrível do sujeito com a pá. Quando eu comecei a falar, o Boni disse: ‘ A única hora que não é para falar é agora! Deixa, deixa!’ Então ficou aquele som do coveiro.”

A morte do oftalmologista Joviano de Rezende Filho, criador dos oculistas associados 

Joviano de Rezende Filho, grande mestre que marcou a história da Especialidade e um dos pioneiros no moderno tratamento das doenças da retina no Brasil. Joviano nasceu em Porto Novo do Cunha, MG, em 03.04.1912, filho primogênito do médico Joviano de Medeiros Rezende e de Kerma de Araújo Rezende. Formou-se em Medicina pela então Faculdade de Medicina da URJ, atual URJ, então na Praia Vermelha. Antes mesmo de graduar-se começou a atuar como interno na I Enfermaria do Hospital São Francisco de Assis e, logo depois tornou-se Assistente da Clínica Oftalmológica da então Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil (renomeada em 1937), sob a direção do Professor Octávio do Rego Lopes, onde ficou até 1942. Nas décadas de 30 e 40 do séc ulo passado, consolidaram-se os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) de várias categorias profissionais, principais meios para a prestação de assistência médica aos trabalhadores. Joviano obteve o primeiro lugar no concurso para médico oftalmologista no antigo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (IAPI), tornando-se chefe do serviço até sua aposentadoria compulsória, mesmo depois da unificação dos vários IAPs no órgão que depois se transformou no atual INSS. Joviano conseguiu que o seu serviço não ficasse adjunto a um hospital do próprio Instituto, mas sim em hospitais terceirizados, o que lhe dava mais autonomia. Conseguiu, desta forma, transformar seu serviço em referência nacional em tratamento, principalmente cirúrgico, e também como centro informal de ensino da especialidade, da mesma forma que seu consultório particular, sempre aberto para os colegas oftalmologistas de todo o Brasil que quisessem aprender a Oftalmologia da época. Iniciou suas pesquisas sobre descolamento de retina com o famoso oftalmologista espanhol Hermenegildo Arruga que no final da década de 30 e os anos 40, esteve no Brasil refugiando-se da situação política conflituosa em seu país.

Depois, Joviano contatou com expoentes mundiais dos estudos retinianos como Jules Gonin e Marc Amsler. Na década de 50, além do serviço no IAPI e no consultório particular, Joviano também foi presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO). Nesta época passou por dificuldades, seu pai ficando impossibilitado de clinicar, tendo ele que assumir tal responsabilidade. Na década de 60, ocorre o primeiro grande avanço sobre semiologia das doenças da retina e seus tratamentos. Meyer- -Schwikerath, na Alemanha, construiu o primeiro fotocoagulador de xenônio para a destruição de tumores retinianos. Nesta época, Joviano frequentava congressos internacionais e, com Nelson Moura Brasil, foi a Essen (Alemanha). Decidem comprar de Schwikerath o fotocoagulador de xenônio, pr imeiro a ser instalado no Brasil. Na mesma época, Charles Scheppens, em Boston, desenvolveu técnicas, instrumental cirúrgico e componentes para a cirurgia de descolamento de retina, objeto de estudos de Joviano. Baseado na experiência adquirida, Joviano elaborou o trabalho “Diatermia e fotocoagulação no tratamento do descolamento da retina”, apresentado e publicado nos Anais do XII Congresso Brasileiro de Oftalmologia, em BH, 1962, quando recebeu o importante Prêmio Adaga. Joviano passou a ser referência nacional em Descolamento de Retina. Na época, as cirurgias eram complexas, duravam em média de 3 a 4 horas e os resultados que alcançavam 50% de recuperação visual eram considerados excelentes.

Em 1965, seu consultório particular não tinha mais como expandir-se fisicamente e Joviano trabalhava praticamente sozinho. Nesta mesma época, o Hospital Gaffré Guinle, onde estava instalado o serviço de Joviano. Em 1965, seu consultório particular não tinha mais como expandir-se fisicamente e Joviano trabalhava praticamente sozinho. Nesta mesma época, o Hospital Gaffré Guinle, onde estava instalado o serviço de Joviano. Joviano passou a ser referência nacional em Descolamento de Retina. Nesta mesma época, o Hospital Gaffré Guinle, onde estava instalado o serviço de Joviano (já INPS – Instituto (*) Liane Nogueira Nascimento de Rezende passava por dificuldades administrativas e Joviano buscava novos desafios. Recebeu então proposta do presidente da C ruz Vermelha Brasileira no RJ para instalar um serviço de oftalmologia. O teto do andar térreo do velho prédio do hospital tinha o pé direito baixo para a época e, jocosamente, chamado de porão, embora tivesse área superior a mais de 300 m². Foi lá que Joviano instalou seu consultório. Para isto precisou vender um sítio, as salas que possuía em prédio do centro da cidade, empregando todas as suas economias. Para o novo consultório também foram os oftalmologistas Maria Lessa, Fernando Dantas Coutinho, Sylvio Provenzano, Evaldo Machado Santos, Raphael Benchimol, João Andó, Mario Bonfim , Humberto Sampaio, Davi Gryner, Edson Cavalcanti, Murilo Fontoura de Carvalho, Augusto Duarte e Flavio Rezende Dias.

A atitude de Joviano, organizando grande grupo de médicos numa clínica particular foi considerada pelos colegas como absurdo. Para dar nome à clínica, Joviano escolheu Oculistas Associados, a primeira clínica particular com vários colegas trabalhando em conjunto, contrariando a ideia até então consolidada que somente em universidades isto seria possível. Na nova clínica, Joviano estabeleceu a sistemática de reunir todos os médicos três vezes por semana para estudar e dar aulas sobre assuntos relacionados com a Oftalmologia, com grande sucesso. Assim começou o embrião do Centro de Estudos e Pesquisas Oculistas Associados - CEPOA. O ambulatório também começou a ser frequentado por colegas recém formados que não enc ontravam lugar para se especializar e assim surgiu a necessidade de formar um curso de especialização em Oftalmologia, que evoluiu e foi credenciado pelo CBO durante o Congresso Brasileiro de Salvador, 1972.

Recém formado, Joviano frequentava a Enfermaria de Oftalmologia da Santa Casa do RJ, serviço da Faculdade de Medicina da Universidade, cujo departamento de oftalmologia era dirigido por José Antônio de Abreu Fialho, professor titular. Este tempo foi aproveitado para estudo de aparelhos oftalmológicos comprados pela universidade e instalados na Santa Casa. Entretanto, cedo Joviano percebeu que por injunções da política universitária não conseguiria progredir na carreira naquela instituição. Décadas mais tarde, um grupo de médicos fundou a Faculdade de Medicina de Volta Redonda, que contava com subsídio da Companhia Siderúrgica Nacional. O projeto original previa escola de excelência, que formasse no máximo 90 médicos por ano. Isto func ionou até que o governo militar do presidente Costa e Silva dirigiu comunicado ao diretor da faculdade sobre a necessidade de aumentar o número de alunos para 250 por turma. O corpo docente opôs-se ao aumento das vagas. Diante disso, a subvenção da CSN seria reduzida substancialmente. Joviano imediatamente avisou que daquela data em diante não mais receberia um centavo da faculdade e sugeria que aqueles professores que tivessem condições fizessem o mesmo. Foi a maneira que o mestre oftalmologista encontrou para opor-se à arbitrariedade. Na faculdade era responsável pela Cadeira de Oftalmologia e vice-diretor (julho/1974 a julho/1978) e também diretor interino (agosto de 1977). Permaneceu na faculdade até 10.04.1985, vindo a falecer em 21.04.1985.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE RETINA E VÍTREO Na década de 60, um novo mundo se abria para a retina: novos aparelhos, novas técnicas cirúrgicas e de diagnóstico e novos procedimentos. Sergio Cunha, que estagiara com Scheppens, Francisco Mais, do Instituto Penido Burnier, Luiz Assumpção Osório, do RS e Cristiano Barsante, do serviço do Professor Hilton Rocha passaram a promover reuniões para discutir problemas relacionados com o tema. Em 1970, Francisco Mais, presidente do Congresso Brasileiro de Oftalmologia convidou o professor Shimizu, do Japão, para falar sobre angiofluoresceinografia, e Alice McPherson para falar sobre cirurgia (nesta época Roberto Abdala Moura ainda trabalhava com ela em Houston, ambos vindos da escola de Scheppens). O te ma oficial do congresso versava sobre retina. Era o momento da retina e as conversas sobre a possibilidade da formação de uma sociedade tinham como quartel general a casa e a clínica de Joviano. A primeira reunião oficial foi um curso realizado na véspera do Congresso Brasileiro de Oftalmologia do RJ, setembro de 1977, que teve como convidado de honra o professor Charles Scheppens. A Sociedade passou a realizar reuniões, cursos e congressos. Hoje conta com elevado número de associados, sede própria.

HERANÇA Era uma pessoa elegante no trato e com cuidado e atenção especial à ética. Discreto, evitava promoção pessoal. Recebeu homenagens que nunca divulgou. Em 1978 recebe o título de Cidadão do RJ e em 1980 durante o I Congresso das Entidades Médicas foi eleito Médico do ano. Não entrou para a Academia Nacional de Medicina apesar dos insistentes pedidos do amigo Nelson Moura Brasil. Durante o Congresso Brasileiro de Oftalmologia (1975, Fortaleza), foi indicado para presidente do CBO, mas declinou da honraria em favor de Paiva Gonçalves Filho: “você foi preparado por mim. Você veio estudar Oftalmologia comigo, é minha cria e para mim é um orgulho que seja você o novo presidente. O progresso a contece quando o aluno consegue suplantar o mestre. Vá em frente e conte com o meu voto”.

EU E JOVIANO Liane conheceu Joviano quando tinha três anos de idade. Ele era médico da Venerável Ordem da Penitência, hospital importante na época e era oftalmologista da família. Tínham 25 anos de diferença em idade. Aos 6 anos ele passou a ser seu oftalmologista. Quando terminou o curso científico, era sua intenção seguir Medicina, mas teve a oposição da família. Na década de 50, as mulheres ainda não tinham crédito para a profissão e só aos 30 anos, Joviano e ela iniciaram vida matrimonial, recebeu dele apoio e entusiasmo para prestar vestibular e estudar Medicina. Formou-se em 1977. Ele sempre a apoiou, mas nunca a protegeu. Ela escolheu a Oftalmologia, algo que o encantou, até po r que, não tiveram filhos e ela era a única da família a escolher Medicina.

Parte 2 de 3 I Texto continua na próxima semana...

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