Joviano e Evaldo
Joviano de Rezende e Evaldo Machado dos Santos fundaram os Oculistas Associados do Rio de Janeiro em 1965. Trata-se de Empresa de Pequeno Porte, Sociedade Simples Limitada. Funcionava nas dependências do Hospital da Cruz Vermelha Brasileira, centro da cidade do RJ. Em 1970 frequentei a clínica e conquistei a amizade de vários de seus componentes, sobretudo de Joviano, excelente professor de Oftalmologia e de Evaldo, gaúcho de Jaguarão e coronel-médico da Aeronáutica. Evaldo especializara-se em Plástica Ocular e Estrabismo, operando com grande desenvoltura. Sílvio Provenzano, outro componente dos Associados, foi grande profissional que conheci na ocasião. O grupo propiciou formação especializada a mais de 300 oftalmologistas espalhados por todo territ&ó e;rio nacional por meio do Centro de Estudos e Pesquisas Oculistas Associados - CEPOA - credenciado ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO). Atualmente, a Clínica está localizada no bairro de Botafogo, zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
Evaldo operou sob grande sigilo o presidente Figueiredo no RJ portador de lacrimejamento incômodo e persistente que desafiava a perícia de todos os oftalmologistas consultados. Já fora operado por duas vezes do olho afetado sem sucesso. Vem de Brasília para ser examinado por Evaldo, pai de duas filhas. Num domingo, auxiliado por ambas, opera o presidente no centro cirúrgico vazio do Hospital São Francisco de Paula no RJ. Evaldo retorna para casa e atende ligação telefônica num mundo ainda sem celulares. Do outro lado a voz inconfundível do governador Leonel de Moura Brizola:
- Doutor Evaldo: estou sabendo agora que o senhor operou o presidente Figueiredo hoje, mas não sei onde. Peço-lhe que transmita ao presidente que meu governo está à sua inteira disposição para qualquer coisa que venha a precisar.
Bem diferente daquilo que a imprensa propalava, que ambos se odiavam, que os dois viviam às turras. Evaldo transmite dia seguinte ao presidente o recado de Brizola. Figueiredo observa:
- “De todos esses políticos que andam por aí, este é o único grato pelos benefícios que tenho a ele prodigalizado”. Quem diria!
Joviano foi meu examinador em concurso para provimento de cargo de Oftalmologista no Hospital dos Servidores do Estado no RJ, o IPASE, 1971. Fui aprovado em 1º lugar. Joviano e Tancredo faleceram no mesmo dia, 21.04.1985. Viajei para o enterro de Joviano no RJ. A certa altura da cerimônia fúnebre, Sílvio Provenzano aproximou-se, e, falando pelo canto da boca, hábito seu, sussurrou:
- ‘Tás sabendo que vão operar hoje em SP, novamente, o Tancredo, não sabes?
- Não, não sabia. Coitado, do que vai ser operado?
Sílvio segredou-me:
- Do ouvido! Jesus está chamando o homem esse tempão todo e ele não escuta!
Joviano e sua Eliane, ela também oftalmologista, viajaram o mundo. Conheci-os na Sociedade Brasileira de Oftalmologia, na época na rua México, centro do RJ. Estávamos sentados, o casal e eu, ocupando as extremidades da longa mesa em que empilháramos alguns livros para consulta. Eu ainda não os conhecia. Joviano pergunta pelo meu nome e de onde eu era. Disse-lhe. Com grande tato, informou-me que lendo artigo de Ruy Costa Fernandes, outro monstro-sagrado da oftalmologia de então, viu nome absolutamente correto para designar o outro olho ao se discorrer sobre um olho:
-O outro olho? Olho contralateral? O segundo olho? Joviano lera no artigo a denominação absolutamente precisa: Olho adelfo!
Ele era assim: gostava de compartilhar conhecimento. Voltando de uma viagem a Paris, pega pedaço de giz e rascunha no quadro negro do centro cirúrgico no Hospital da Cruz Vermelha, Av. Mem de Sá, RJ, ao mesmo tempo em que esclarecia:
- Casal recém-casado, prepara-se para a lua de mel enquanto promete à sogra do rapaz mandar relatórios diários do desenvolvimento do início da vida em comum dos pombinhos.
Joviano escreve a primeira mensagem telegráfica, do jovem na lousa do Centro Cirúrgico:
-7.13.3 (c’est três étroit). A sogra, mais que depressa responde:
-6.7,13.3.7.9 (si c’est tréze étroit c’est neuf). O jovem encerra a correspondência com:
-6.7.9.7.10.20 (si c’est neuf c’est divin).
Rápido perfil de dois gigantes da oftalmologia nacional
Joviano era a elegância personificada. Acho que nunca foi visto sem paletó. Tinha gestos e linguagem refinadas. Em congressos, suas falas eram ouvidas e aplaudidas com entusiasmo. O exercício de oratória educacional possibilitava-lhe uso mais econômico e racional das palavras. O estilo de Evaldo era bem diverso: pele mais escura, largo sorriso, bom bebedor de cerveja e uísque, natural de Jaguarão no RS, sempre manifestava-se grato ao grande oftalmologista gaúcho Ivo Corrêa Mayer por tê-lo influenciado a buscar a Aeronáutica como maneira de exercer a oftalmologia. Ria-se gostosamente, em gaitadas, como ele próprio dizia. De que maneira duas pessoas tão diferentes foram sócios na mesma clínica sem que nunca se ouvisse qualquer palavra de cada um deles que desabonasse o outro?
Em novembro de 1974, numa reunião no RJ da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, resolvem, o Dr. Eduardo Soares (BH), Dr. Eloy Pereira (Campo Grande) e o Dr. Evaldo Machado dos Santos (RJ) criarem o Centro Brasileiro de Cirurgia Plástica Ocular, cuja meta era congregar os oftalmologistas interessados na especialidade, divulgar os conhecimentos e desenvolver a Plástica Ocular no país. A presidência do Centro primeiramente foi assumida pelo Dr. Eduardo Soares, com um mandato de dois anos.
Em 8 de setembro de 1979, durante o XX Congresso Brasileiro de Oftalmologia, assumiu a presidência do Centro Brasileiro de Cirurgia Plástica Ocular, o Dr. Eurípedes da Motta Moura (SP), que juntamente com o Dr Waldir Portellinha, secretário, regularizaram juridicamente a entidade, transformando-a em Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Ocular (SBCPO), o que permitiu que ela se afiliasse ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia dois anos mais tarde. A SBCPO é sociedade civil de caráter científico e sem fins lucrativos, com as mesmas metas anteriormente formuladas pelo Centro Brasileiro de Cirurgia Pl ástica Ocular. Em 1997, foi lançado o livro Cirurgia Plástica Ocular, editado por Eduardo Soares, Eurípedes da Mota Moura e João Orlando Gonçalves, com participação de 49 especialistas em Cirurgia Plástica Ocular. A SBCPO, em 1999, em evento coordenado pelo Dr. Hélcio Bessa, comemorou 25 anos de sua fundação com um encontro científico e homenagem aos fundadores da entidade.
Evaldo Machado dos Santos
Nasceu em Jaguarão (RS) em 29.05.1916 formando-se em 1941 pela Faculdade de Medicina da Universidade do RS. Foi discípulo do prof. Ivo Correa Meyer. Fundou o Serviço de Oftalmologia do Hospital Central da Aeronáutica, RJ. Especialista em estrabismo e cirurgia plástica ocular, foi presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (1960 e 1961). Em 1965, com Joviano Rezende fundou os Oculistas Associados onde exerceu clínica particular durante 30 anos. Faleceu no RJ em 5.12.1999.
Evaldo, entre outras coisas, era célebre no RJ e alhures, também pelo open-house que produzia todos os anos em sua cobertura no Leblon. O local era famoso porque um grupo de criminosos tomou de assalto supermercado local, enclausurando funcionários do estabelecimento no seu frigorífico. O apartamento de Evaldo localizava-se exatamente em frente ao supermercado assaltado. O open-house começava em certo dia de dezembro quando Evaldo convidava meia dúzia de pessoas, revelando dia, local e hora da efeméride. Havia a possibilidade de convidados doarem gêneros, acepipes, bebidas e até tira-gostos. No dia aprazado longa fila de convidados-de-boca e de convidados de convidados, engrossava o já intransitável redut o da família Evaldo Machado dos Santos. A frequência era variada: sambistas, chorões, colegas de farda da aeronáutica do anfitrião, o mundo oftalmológico da Cidade Maravilhosa e adjacências, socialites, jornalistas, artistas, bicões, políticos em evidência, futebolistas, craques de outras modalidades esportivas, grande número de botafoguenses e udenistas, escritores, empresários, colunistas sociais, radialistas, compositores, carnavalescos... o mundo!
O Café Soçaite
Miguel Gustavo compôs o samba satirizando a alta sociedade carioca (1955). Eram tempos em que surgiam as colunas sociais, graças ao jornalista Ibrahim Sued, do jornal O Globo, e também a Jacinto de Thormes, da revista O Cruzeiro. A música é cheia de referências a lugares, personalidades e termos utilizados na época. O sucesso de “Café Soçaite” – a mais tocada do ano – rendeu frutos. Em 1956 Jorge Veiga lançou o LP “Café Soçaite em ritmo de samba”, com músicas de Miguel Gustavo (1922-1972). Em 1957, Gustavo compôs continuação da música.
Letra de Café Soçaite
Doutor de anedota e de champanhota
Estou acontecendo num Café Soçaite
Só digo enchanté, muito merci, all right
Troquei a luz do dia pela luz da Light.Agora estou somente contra a Dama de Preto
Nos dez mais elegantes, eu estou também
Adoro Riverside, só pesco em Cabo Frio
Decididamente, eu sou gente bem.Enquanto a plebe rude na cidade dorme
Eu ando com Jacinto, que também é de Thormes
Terezas e Dolores, falam bem de mim
Eu sou até citado na coluna do Ibrahim.E quando alguém pergunta: como é que pode?
Papai de Black-tie, jantando com Didu
Eu peço outro Whisky
Embora esteja pronto
Como é que pode? Depois eu conto... FIM
Parte 3 de 3