Talvez seja uma comparação pouco criativa, mas penso que cabe. Há poucos anos vivemos uma intensa polêmica quanto ao direito de os pacientes com câncer terem acesso a fosfoetanolamina, substância desenvolvida a partir do óleo de mamona.
Desenvolvida em fins de 1980, virou polêmica em 2015 quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA - proibiu sua comercialização por falta de qualquer evidência mostrada em estudos clínicos adequados.
Seguiu-se uma intensa cobertura jornalística e discussão pública, que culminou com a assinatura pela presidente (a) Dilma Rousseff, em março de 2016, de projeto encaminhado por 26 deputados, um dos quais Jair Bolsonaro. Direita e esquerda caminhando juntos para que o povo brasileiro tivesse acesso à “pílula do câncer”, uma vitória da esperança, como salientado na época.
Essa lei foi rapidamente derrubada pelo STF como inconstitucional. Estudos posteriores mostraram que realmente esta droga não era efetiva contra “todos os tipos de câncer” – a única evidência encontrada de melhora foi em câncer de pele – de ratos.
A fama adquirida na época fez com que, apesar de não vendida como tratamento, possa ser comercializada como suplemento alimentar – R$ 1.140 o frasco – nas redes de lojas virtuais.
E a Ivermectina?
Descoberta em 1975 e no mercado desde 1981 – há 40 anos - é aprovada pela ANVISA e considerada medicamento essencial pela Organização Mundial da Saúde. As indicações formais são infestações por piolhos, sarna, ascaridíase – nossa lombriga – e outras verminoses.
Como chegou no coronavírus?
Pesquisadores de Melbourne, Austrália, avaliaram a atividade antiviral da Ivermectina em relação à SARS-CoV-2. Infectaram células cultivadas em laboratório e em seguida adicionaram o medicamento – e parte significativa dos vírus morreram após 48 horas. O próprio líder do estudo, Dr. Kylie Wagstaff, chama a atenção que era um estudo experimental, in vitro.
Importante mostrar que a Ivermectina também demonstrou ser eficaz IN VITRO contra uma ampla gama de vírus em laboratório, incluindo os HIV, Dengue, Influenza e Zika. Alguém já ouvir falar em tratamento destas doenças com Ivermectina?
Artigo publicado no site medRvix, associado ao British Medical Journal e a Universidade de Yale, no dia 22 de maio, estuda as doses que seriam necessárias em humanos para atingir as concentrações usadas no estudo in vitro – e verificaram que são dezenas de vezes superiores as doses recomendadas – provavelmente inatingíveis, em suas palavras. E muito tóxicas.
Quem acessar hoje o PubMed, maior portal de busca de artigos científicos na área médica do mundo, e colocar as palavras coronavírus e tratamento, receberá 12.755 citações. Quem digitar coronavírus e Ivermectina, apenas 22 resultados – o que mostra a importância dada pela classe científica a este tratamento.
Frederico Fernandes, um dos melhores pneumologistas da nova geração, atual presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia, postou há pouco no seu Twitter: “Prescrever um remédio porque tenho fé e que é melhor do que nada, não é medicina. É curandeirismo”.
Mas qual o real risco do uso da Ivermectina?
Tomar pensando estar protegido do coronavírus. Ou que, se ficar doente, que existe um medicamento eficaz.E deixar de tomar aquelas impopulares medidas que sabemos funcionar. Caso recebesse um diagnóstico de câncer, hoje aceitaria que seu tratamento fosse feito com a fosfoetanolamina?