Ao longo da história, as doenças infecciosas acompanharam e aumentaram o sofrimento das guerras.
As privações, aglomerações em espaços pouco ventilados, movimentações em massa e a destruição dos sistemas de saúde são caldos de cultura para o desenvolvimento de doenças transmissíveis.
Antes do surgimento de tratamentos apropriados, morriam mais pessoas de doenças infecciosas do que propriamente das perdas diretas das batalhas.
Essas doenças ficaram conhecidas como o "terceiro exército".
Entre as enfermidades que costumam crescer durante as guerras, salienta-se a tuberculose, transmitida por via aérea.
Sua peculiaridade é que pessoas que tiveram contato com doentes podem infectar-se sem manifestar a doença - a chamada tuberculose latente.
Em situações de redução da imunidade – e a guerra é cheia delas – esses infectados tornam-se doentes.
No Brasil, onde a doença é endêmica, estima-se que 1/3 da população tem a tuberculose em sua forma latente.
Apenas de 5% a 10% desses infectados irão ficar doentes ao longo de suas vidas, a imensa maioria por reativação da infecção prévia.
A tuberculose matou mais pessoas que qualquer outro agente infeccioso na história.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, anualmente, 10 milhões de pessoas adoeçam de tuberculose no mundo, com aproximadamente 1,5 milhões de mortes.
É uma doença negligenciada, diretamente relacionada à pobreza.
Apenas oito países representam dois terços do total do número de casos, com a Índia liderando a contagem.
Pelos dados do Banco Mundial, enquanto a incidência (número de casos novos/ano) de tuberculose nos EUA é de 2 casos por 100.000 habitantes, no Gabão atinge 527 por 100.000.
O absurdo desses números é que a tuberculose é uma doença curável e passível de prevenção.
O diagnóstico habitualmente é simples e há medicamentos eficazes e baratos disponíveis desde meados do século passado.
Nas últimas décadas, têm surgido formas resistentes da bactéria que causa a tuberculose, com índices de cura muito inferiores ao da tuberculose “normal”.
Entre os países mais afetados por essa forma grave estão os da extinta União Soviética.
A Ucrânia ocupa posição de destaque.
A OMS estima que, entre os casos confirmados de tuberculose naquele país, em 2018, 29% tinham formas multirresistentes.
Dos que já haviam sido tratados anteriormente, 46%.
Para comparação: no Brasil, entre os 67 mil casos novos notificados em 2020, pouco menos de 2% tinham a forma resistente a drogas.
A tuberculose é curada com medicamentos seguros e de baixo custo. O tratamento tem duração de 6 meses.
Nas formas resistentes, os tratamentos arrastam-se por anos, as drogas são caras e os índices de cura ficam apenas em torno de 50%.
Há um compromisso entre os países signatários da OMS em erradicar a tuberculose até 2035.
A Covid já tornou essa meta menos realista.
Na Ucrânia, com seus altíssimos níveis de multirresistência, a guerra deverá enterrar de vez esse sonho.