Os anos de prática de medicina nos deixam mais duros.
Sentimos quando perdemos um paciente, mas mecanismos de defesa bem enraizados nos protegem contra sofrimentos maiores.
Mas nem sempre funcionam.
Em 2009 também vivemos uma pandemia, aquela provocada pelo vírus Influenza A H1N1.
Ficou conhecida como gripe suína - o reservatório intermediário do vírus.
Iniciou no México em março de 2009, teve casos relatados em 214 países e nos atingiu com mais intensidade no inverno daquele ano.
Morreram muito mais jovens. Totalmente diferente do padrão da gripe sazonal – e do coronavírus - onde os idosos são os mais atingidos.
Os mais velhos teriam certa imunidade pelos contatos prévios com o vírus – o H1N1, que também causou a gripe espanhola em 1918, circulou até 1958.
O Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo contabilizou durante toda aquela pandemia de Influenza 2.098 mortes no país – a mortalidade de 2 dias de coronavírus.
Tínhamos o Tamiflu, que apesar de efeitos longe de espetaculares, nos ajudou a passar por aquela fase sem maiores perdas.
E no final de 2009 já chegava a vacina específica - que já existia para outros vírus influenza - e foi adaptada para aquela nova cepa viral.
Os estados mais afetados foram os do sul do país, com o Paraná tendo o maior número de casos por habitante.
Quatorze meses depois do início, a OMS declarou oficialmente o fim da pandemia
Aqui em Criciúma na época o Prefeito também era Clésio Salvaro.
Um vírus menos letal do que inicialmente considerado, além de diversas estratégias de mobilização e pronto atendimento da população (inclusive a montagem de um hospital de campanha próximo ao Hospital S. José) foram decisivos para um grande sucesso.
Nenhuma pessoa morreu em nossa cidade.
Pouco depois daquela fase mais pesada fomos chamados para atender uma paciente, lembro que professora, transferida de Orleans. Veio direto para a UTI do Hospital S. João Batista. Chegou já em parada cardiorrespiratória e as manobras de ressuscitação fracassaram.
Na saída da UTI, os olhos de uma menina, talvez uns 12 anos, me fitavam angustiados. Suplicantes até.
“E a mamãe doutor, melhorou?”
Perguntou com timidez, visível pavor e um fiozinho de esperança.
Naquele momento todas as habilidades para suportar melhor as mortes foram por terra.
Vi ali, congelado, todo o imenso sofrimento que viria.
Sempre que vejo essa imensidão de vidas perdidas, mortes evitáveis, lembro dos olhos da menina.