A pandemia provocada pela Covid-19, desde o início, tem nos trazido imensas surpresas, geralmente desagradáveis.
Há pouco, a boa nova: as esperadas vacinas.
Formuladas, testadas e aprovadas em poucos meses, trouxeram o melhor da ciência. Não são novas: mesmo as vacinas mais revolucionárias, como a de vetor viral e a mRNA, são resultado de décadas de pesquisas. A urgência e extensão da pandemia apenas acelerou os ensaios clínicos, que confirmaram o que vinha sendo testado em laboratório.
Agora que as vacinas estão aprovadas e relativamente disponíveis, vem o receio de que, em consequência de mutações do vírus, percam a eficácia mostrada nos trabalhos.
Uma situação em especial vem preocupando o mundo – a cepa, apelidada de P1, já é a dominante em Manaus e outras cidades do estado do Amazonas.
Novas ondas de infecção pelo coronavírus que são observadas em países europeus e asiáticos são teoricamente explicadas pelo grande número de pessoas ainda susceptíveis naqueles lugares.
Mas como explicar a explosão de casos em Manaus, com as assustadoras imagens de pessoas morrendo asfixiadas, num contexto de possível imunidade comunitária?
Um estudo que usou como amostra doadores de sangue, realizado em outubro passado, indicou que 76% da população manauara já havia sido infectada pelo SARS-CoV-2.
Considerando um número básico de reprodução de 3 (R zero), foi estimado que quando 67% da população já houvesse sido infectada pelo coronavírus, teríamos a esperada imunidade de rebanho - quando o pequeno número de susceptíveis impediria a propagação da doença.
O que deu errado?
Um artigo na revista The Lancet, publicado em 27 de janeiro, tendo como autora principal a Dra. Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo, tenta analisar o mistério.
São enumeradas 4 possíveis explicações, não mutuamente excludentes.
Em primeiro lugar, a amostra de doadores de sangue não seria representativa do que ocorre na população, ou seja, o número de susceptíveis à infecção é muito maior do que o estimado naquela pesquisa.
Segundo, a imunidade adquirida durante a primeira onda - ocorrida há 7 ou 8 meses - já poderia ter se perdido em janeiro, quando houve a nova explosão de casos.
Terceiro, a nova linhagem de coronavírus, resultante de diversas mutações, a P1, não seria mais reconhecida pelo sistema imunológico daqueles que já haviam sido infectados pela “velha” cepa viral.
Quarto, essas mutações podem ter levado a maior transmissibilidade do vírus, como ocorre com as novas variantes do Reino Unido e da África do Sul.
Se a ressurgência dos casos em Manaus se dever a um escape antigênico – o sistema de defesa não reconhecer mais o vírus “original” – poderemos ter problemas imensos pela frente. Desde novas ondas de infecção, até a temida redução da eficácia das vacinas disponíveis.
Tomara que não.