O New England Journal of Medicine, fundado em 1812, é o periódico médico geral mais lido e influente do mundo.
Extremamente técnico, como convém a uma publicação do gênero: não lembro de nenhum posicionamento que se possa classificar como francamente político.
Mas no último número, datado de 8 de outubro, perderam a paciência. Parece um desabafo dos médicos do país mais rico do mundo frente ao impensável fracasso que já custou a vida de quase de 250 mil norte-americanos.
Num editorial - texto de opinião que apresenta o posicionamento do jornal – intitulado “Morrendo em um vácuo de liderança”, analisam o comportamento de seus governantes durante a pandemia da Covid-19.
Com liberdades de tradução, reproduzo algumas das considerações:
"A magnitude da falha é assombrosa. O índice de mortalidade é 50 vezes maior do que no Japão, país com uma grande população de idosos, e supera em 2000 vezes o de países de baixa/média renda, como o Vietnam”.
“Fomos amplamente avisados, mas quando a doença chegou fomos incapazes de testar efetivamente e não conseguimos fornecer os equipamentos de proteção mais básicos para os trabalhadores de saúde e público em geral”.
O país líder em tecnologia se perdeu quando foi chamado a implementar medidas pouco sofisticadas.
As medidas de isolamento e quarentena foram tomadas tardiamente e de forma inconsistente.
“Nossas regras de distanciamento social, em muitos lugares, foram, quando muito, indolentes”.
“Em muitos lugares do país, as pessoas simplesmente não usaram as máscaras. Em grande parte, porque nossos líderes declararam abertamente que as máscaras são ferramentas políticas e não medidas efetivas de controle da infecção”.
Como esse fracasso ocorreu num país de enorme capacidade industrial, imensa expertise em saúde pública e ciência de base e com um sistema de pesquisa biomédica que é invejado no mundo?
“O governo federal repassou boa parte da responsabilidade para os estados. E os governadores oferecem respostas variadas, não por opção política, mas por diferentes competências”.
Salientam que os principais organismos federais de controle sanitário, como o Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC), o Instituto Nacional de Saúde e a FDA (a ANVISA deles) foram politizados e excluídos das principais decisões.
“Em vez de confiar na experiência, o governo se voltou para líderes de opinião desinformados e charlatães que obscurecem a verdade e facilitam a promulgação de mentiras descaradas”.
Esperávamos que os Estados Unidos fossem um modelo de resposta à pandemia da Covid-19.
Ao politizar a doença, tiveram um trágico e vergonhoso resultado.