“Falta mais gente no julgamento. Faz 8 anos que ouço isso. É uma estratégia de defesa. Essa foi a narrativa montada desde o início”. A afirmação é do ex-prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, primeira testemunha a ser ouvida neste 8º dia de julgamento do caso Kiss. Em 27/01/13, Schirmer, hoje com 69 anos, estava iniciando o segundo mandato à frente da administração municipal. “Recebi mais de 50 ofícios, 2 mil perguntas e nós respondemos adequadamente. A Prefeitura de Santa Maria foi a mais investigada do planeta”.
O expediente criminal contra Schirmer foi arquivado pela 4ª Câmara Criminal do TJRS, em 18/07/13, a pedido do Ministério Público.
Legislação
Quando a Boate Kiss foi inaugurada, eram outros sócios, que não os réus Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, que a administravam. Kiko passou a responder pela casa a partir de abril de 2010. De acordo com o ex-prefeito, no momento do incêndio, a Boate Kiss tinha licença para operar.
Sobre as condições legais para funcionamento do estabelecimento, Cezar Schirmer citou o Decreto Executivo nº 32/2006, vigente à época. Tal legislação estabelecia que, entre as exigências para emissão do alvará de localização (que permite o funcionamento das casas noturnas), é necessário apresentar os alvarás sanitário, de prevenção e proteção contra incêndio (APPCI), licença ambiental de operação, estudo de impacto de vizinhança, laudo técnico de isolamento acústico, etc.
O primeiro documento expedido para a Boate Kiss foi o APPCI, em 22/8/09, a pedido dos seus antigos sócios. Nesse período, houve uma série de problemas com a casa, que chegou a ser multada 7 vezes e a sofrer um embargo em 25/11/09, por não ter toda a documentação exigida para se manter funcionando. Isso só ocorreu em 14/04/10, quando foi emitido o alvará de localização. A partir de então, “a Kiss estava regular e em cumprimento com a legislação”.
A licença ambiental de operação e o alvará sanitário são renovados anualmente (com vistoria in loco). O alvará sanitário estava vencido e em processo de renovação. “Santa Maria tem 16 mil estabelecimentos e 4 mil servidores. A renovação do alvará sanitário demorou, sim, mas ele não é essencial para uma boate”.
O Ministério Público mostrou um documento emitido pelos bombeiros, em 2012, recebido pela irmã de Elissandro Spohr, que era uma das gerentes da boate, advertindo para que não houvesse a queima de material inflamável no interior do estabelecimento. O ex-prefeito disse que só teve o conhecimento desse documento após a ocorrência do incêndio.
No que se refere à prevenção e proteção contra incêndio, Cezar Schirmer disse que a responsabilidade, de acordo com regulamentação estadual, de 1997, é do Corpo de Bombeiros. “A prefeitura não se envolvia nisso. Quando a prefeitura recebia este documento (APPCI), ele tinha fé pública”. Também o uso de artefatos pirotécnicos não era de atribuição do Município, segundo ele.
Afirmou também que nunca houve nenhum movimento para a cassação do alvará de localização da boate.
Dia da tragédia
O ex-prefeito lembrou que foi acordado de madrugada com a informação do incêndio na Boate Kiss. Chegou no local por volta das 5 horas. Ele disse que conversou com autoridades de diferentes áreas para montar uma frente de atendimento a vítimas e famílias. “Passei a verificar o que a prefeitura poderia fazer. Criamos um pronto-socorro 24 horas, contratamos 42 profissionais da área de saúde mental para oferecer atendimento às pessoas”.
Decidiu-se que o velório seria no Centro Desportivo Municipal (CDM). O Exército ajudou a montar a estrutura. A então Presidente da República, Dilma Rousseff, ligou para ele, para prestar solidariedade e disse que estava interrompendo a sua viagem no Chile e indo para Santa Maria. “Tivemos uma conversa emotiva”.
Críticas à polícia
No começo do seu depoimento, ao fazer um relato geral ao magistrado, Schirmer fez duras críticas ao trabalho realizado pela Polícia Civil, responsável pelo inquérito policial que apurou as causas e responsabilizações iniciais do incêndio, que considerou ter sido realizado de forma “medíocre e espetaculosa”.
“Eu disse, à época, que o inquérito era uma 'aberração jurídica' e eu vou explicar porquê”. Schirmer apontou indiciamentos que considerou incoerentes. Disse que era “notável e notória a má vontade da polícia”. Informações falsas eram passadas à imprensa, “de forma subterrânea”. “O inquérito foi feito pela imprensa, não era um inquérito sério”. Ainda, que “faltou coragem, isenção, responsabilidade aos responsáveis”.