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O preço da superação

Por Arthur Lessa Edição 05/08/2022
(foto: Jimmie48/WTA)
(foto: Jimmie48/WTA)

Em 2021 um tema apareceu muito na minha “timeline da vida”. Com “timeline” eu quero dizer notícias, conversas, artigos, tweets, posts, documentários e afins. Esse assunto recorrente era a pressão psicológica no meio esportivo.

Eu poderia colocar a culpa nos algoritmos do Netflix, do Google e do Facebook, que tem como padrão nos manter dentre das suas plataformas por meio de associação de conteúdo. Se eu assistir a uma série sobre assassinatos, logo aparecem em destaques outros documentários ou filmes sobre serial killers ou grandes crimes.

Mas colocar a culpa nesse cruzamento não seria verdadeiro. O mundo ex-streaming também tem dado mais atenção a isso, seja por preocupação, seja por vermos fortalezas atléticas ruindo ao vivo, como a tenista Naomi Osaka, ex-nº 1 do mundo.

Osaka tem 24 anos e, por consequência, nasceu num mundo digitalizado e construiu sua personalidade em meio às redes sociais. Nesse ano, durante Roland Garros, ela protagonizou algo que, até então, era inédito pra mim. A notícia saiu assim no UOL no dia 31 de maio de 2021:

A tenista japonesa Naomi Osaka, número 2 do mundo, envolvida em uma briga com os organizadores de Roland Garros por se recusar a participar de coletivas de imprensa, anunciou hoje que abandona o Grand Slam”.

Para quem não acompanha o circuito do tênis, é importante contextualizar que Roland Garros é um dos quatro grandes torneios da temporada, tão importante quanto a Liga dos Campeões da UEFA para o futebol mundial.

Em julho do mesmo ano, pouco depois desse episódio em Paris, o Netflix lançou uma minissérie sobre a atleta, mostrando a sua história e rotina de tenista profissional. Algo que me chamou atenção do começo ao fim foi o quanto ela parecia um filhote acuado. Ela fala de boca fechada, baixo, olhando pra baixo. Ela parece estar sempre buscando um esconderijo. Mas, por outro lado, ela treinou anos a fio para chegar ao topo do esporte, foi a melhor do mundo por um período. Como conciliar?

Pouco depois, em setembro, no US Open (outro Grand Slam), mais uma queda de Osaka. Após ser derrotada por Leyla Fernandez (que foi vice-campeã e uma das sensações dessa edição do torneio), a japonesa anunciou uma pausa sem prazo na carreira. Chorando, ela disse o seguinte:

"Basicamente, eu sinto que isso é muito difícil de articular. Basicamente, sinto que estou neste ponto em que estou tentando descobrir o que quero fazer e, honestamente, não sei quando vou jogar minha próxima partida de tênis. Desculpa"

Eu disse, alguns parágrafos acima, que era inédito pra mim uma atitude como a de Osaka porque ainda não tinha assistido ao documentário Untold – Fish x Federer.

Um pequeno resumo: Mardy Fish surgiu para o tênis junto com o amigo/irmão Andy Roddick no início dos anos 2000. Roddick e Fish tinham a missão de manter a hegemonia estadunidense nas quadras, seguindo o legado de André Agassi e Pete Sampras. Roddick despontou primeiro, chegando ao topo do ranking em 2003. Fish seguia sempre no quase, chegando perto mas não alcançando os grandes títulos. Isso até 2009, quando, aos 28 anos, ele “virou a chave”.

A pergunta que surgiu na cabeça dele é se ele tinha feito tudo ou se podia se dedicar mais, sacrificar mais, testar mais os limites. E assim o fez. Parou de comer fritura, de beber, cortou refrigerantes, treinou até o limite da resistência do corpo e subiu sensivelmente de nível. Mas a que preço?

A personalidade não era mais a mesma, a cabeça foi desestabilizando até que, depois de vários sinais, chegou no ponto de, assim como Osaka faria nove anos depois, abandonar a carreira.

O ponto em comum nesses dois casos, e em diversos casos parecidos em outros meios, como os burnouts do ambiente corporativo, é o quanto é fácil, e até sedutor, perder o equilíbrio em busca de mais resultado. Pode ser mais dinheiro, mais medalhas ou mais poder. O corpo aguenta mais que a mente, principalmente na primeira metade da vida. Mas a que preço?

Pare pra pensar em quantas pessoas tinham tudo pra “dar certo” e não deram. Seriam mais felizes? E aquelas que deram, mas são amargas? Trocariam algumas vitórias por uma cabeça mais leve?

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