Por José Carlos Virtuoso
A crise hídrica em Santa Catarina alcançou um nível altíssimo de preocupação, em face da prolongada estiagem e, consequentemente, da redução da disponibilidade dos mananciais nos municípios. Aqui na nossa região, Cocal do Sul já está realizando racionamento no sistema de abastecimento de água e outros municípios, como Urussanga e Morro da Fumaça, encontram-se numa situação não menos delicada. O problema não é ocasionado unicamente pela falta de chuva, que é uma das
consequências decorrentes das mudanças climáticas. Mas também pela forma como os gestores públicos entendem o tema, ao qual não dão o devido tratamento estratégico pela sua importância socioeconômica, que seria promover localmente a sua gestão.
Os cuidados com a água ficam afeitos às agências de saneamento – Casan ou Samae -, que são responsáveis por gerir a captação, tratamento e distribuição da água. São órgãos executores, sem uma relação mais aprofundada com a questão hídrica, cujo grau de complexidade vai muito além da capacidade desses entes em administrá-la.
No Brasil, somos regidos pela Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), instituída pela Lei 9.433/1997, abrangendo as esferas federal e estadual, tendo no seu arcabouço os instrumentos de gestão. Dela derivam os comitês, atuantes nas regiões hidrográficas. Aqui no Sul, atuam os comitês do rio Tubarão e Complexo Lagunar, do rio Urussanga e Araranguá/Mampituba. Ocorre que esses órgãos têm um papel amplo em relação às bacias, mas não atuam de forma orgânica nos municípios, onde efetivamente se estabelecem as dinâmicas do território - os usos e ocupação do solo e os múltiplos usos da água, cuja relação é contínua e interdependente.
Embora os comitês sejam muito atuantes nas bacias hidrográficas, não ocorre a extensão das políticas hídricas em âmbito local, em cada município. Daí, o grande risco de colapso do sistema hídrico em vários municípios. Aqui na região, temos a barragem do rio São Bento, uma solução emergencial e paliativa dos anos 1990 para socorrer uma dezena de municípios. A grande questão é que só se atacou o efeito colateral do mau uso da água - ou seja, a poluição e outras ações que comprometem o sistema hídrico, como o desmatamento. A causa não foi resolvida.
Diante desse quadro, urge a superação do modelo atual, com as lideranças políticas e econômicas passando a compreender que a água é um elemento central nas dinâmicas da cidade, com sua importância social e igualmente imprescindível à economia. Nenhum município pode prospectar seu futuro econômico se não souber da sua disponibilidade hídrica. Portanto, a crise vem nos alertar que não há mais tempo a perder. A temática deve ser inserida de modo prioritário na agenda de cada município, ainda que de forma reativa, para que se construa uma governança local capaz de decidir de modo democrático o uso da água, assegurando o seu acesso em qualidade e quantidade desejáveis às atuais e futuras gerações.
José Carlos Virtuoso, jornalista e professor, doutor em Ciências Ambientais (Unesc); ex-presidente e membro atual do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Urussanga, como representante da Abadeus.