Jorge Boeira, engenheiro
“Enquanto toda a sociedade concentra um esforço gigantesco, em meio às crises econômica e sanitária, para superar os desafios que se impõem, deputados e senadores desrespeitam os cidadãos brasileiros, para se apropriarem de recursos públicos direcionando-os para partidos políticos e campanhas eleitorais.
(...)
Somente com um ambiente político ético, com os poderes Executivo e Legislativo agindo em conjunto e sem casuísmo, com contas públicas equilibradas, conseguiremos promover o desenvolvimento do país de forma mais justa, com igualdade de direitos e deveres, emprego e qualidade de vida à população”.
O trecho acima colacionado, emprestado da nota que as associações empresariais que integram a Regional Extremo Sul da Federação das Associações Empresariais do Estado de Santa Catarina (Facisc), publicada na tarde de ontem, captou com extrema felicidade o sentimento de indignação da sociedade brasileira diante do aumento exorbitante aprovado pelo Congresso Nacional para o financiamento das eleições gerais de 2022, à conta do famigerado Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), popularmente conhecido como fundo eleitoral.
O fundo, criado pela lei nº13.487/2017, foi aprovado a toque de caixa no dia 05 de outubro e sancionado pelo ex presidente Temer no dia seguinte, no bojo da minirreforma eleitoral em andamento e da decisão do Supremo Tribuna Federal (STF) que deu fim ao financiamento empresarial de campanha. O fundo surge então como a alternativa para financiar as campanhas eleitorais. Para as eleições gerais de 2018, foi disponibilizado R$1,7 bilhões. Para as eleições municipais de 2020, outros R$ 2.034 bilhões.
À época, enquanto deputado federal, votei contra a criação do fundo por entender que não era justo, ético e moral retirar ainda mais dinheiro da sociedade para financiar eleições tendo em vista a existência do fundo partidário que já é contemplado com recursos volumosos transferidos pela sociedade aos partidos políticos. Fui voto vencido.
Agora, o que se tem é que, mais uma vez, o Congresso Nacional caminha contrariamente ao que dele espera a sociedade. Em tempos de crise econômica, de desemprego e crise sanitária dentre outros problemas que atingem o Brasil, nossos congressistas acharam por bem quase que triplicar para R$5,7 bilhões, o valor fixado em relação a 2020, demonstrando não apenas o desinteresse, também o escárnio diante da situação difícil que vive a nação. Parece que o Congresso Nacional não conhece a realidade da maioria do povo que diz representar.
Acuado pela forte rejeição à medida, o Presidente fala em vetar. Parlamentares fazem cara de paisagem, fingindo crer que problema não partiu deles e o que se vê é um jogo de estorinhas para boi dormir de todos os lados. O presidente pode vetar, sim é verdade, mas o veto pode ser derrubado.
Certo é que o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária é da competência originária do Poder Executivo e apenas estabelece as balizas macroeconômica para elaboração da Lei Orçamentária Anual, as metas e as prioridades da Administração Pública Federal e não fixa valores em reais para tanto. Sabe-se, também que ela foi aprovada com a participação decisiva dos líderes do Governo no Congresso e de sua base de Apoio, mas o que não está claro é o motivo pelo qual a equipe econômica não enviou o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária sob condicionante, prevendo, por exemplo, no inciso que trata de realização de eleições, referendos e plebiscitos pela Justiça Eleitoral, que os valores para tanto quando alocados na Lei Orçamentária Anual seriam reajustados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Foi essa a brecha que permitiu que o relator apresentasse a emenda estabelecendo que os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha na Lei Orçamentária Anual deveriam receber a soma de 25% do valor das emendas de bancada estadual dos últimos dois anos acrescida dos recursos já destinados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Essa brincadeira, de muito mal gosto, elevou para R$5,7 bilhões os recursos a serem transferidos pelo Tesouro para o financiamento das eleições de 2022.
Espero que o presidente, em que pese o “vacilo” de sua equipe econômica, vete o trecho da Lei de Diretrizes Orçamentária que tratou do aumento abusivo dos recursos para o fundo eleitoral e o retorne a um patamar menos indecente. Isso é o que espera a sociedade brasileira. Acabar com o fundo, tecnicamente só possível pela revogação da lei que o aprovou, mas isso dependeria de um projeto de lei, algo que me faz sentir como um utópico sonhador.
Alguns parlamentares foram ao STF pedir que seja anulada a votação da Lei de Diretrizes Orçamentária que permitiu a majoração dos recursos do fundo. Espero que logrem êxito, mas de novo, recorrer ao Poder Judiciário para intervir e decidir numa questão própria da política, não parece o melhor caminho a ser seguido.
Nesse diapasão, a política ocupa lugar de destaque negativo na percepção do povo de que a cada dia ela piora um pouco mais. O crescimento de descrença na política abre espaços para que decisões radicais possam florar e se radicar. O que é não bom para a sociedade, pois, somente pelo exercício da política numa perspectiva ética, de justiça, honestidade e zelo com os recursos públicos, é possível encontrar o caminho para superarmos a pobreza, as desigualdades sociais, melhorar e ampliar a qualidade dos serviços de saúde e educação, minorar os índices de desemprego, voltar aos trilhos do crescimento econômico e de oportunidades iguais para todos e fazer que os recursos da nação, os recursos retirados da sociedade e que compõe ao que se chama orçamento público possam estar voltados para tais objetivos, atributos e condições que, definitivamente, não encontram guarida em medidas oportunistas como esta indecência que culminou com o reajuste do fundo eleitoral e reforça na sociedade o sentimento de que o Congresso se supera, para pior, a cada legislatura.