Discordo, em boa parte, de uma frase que foi recorrente após o encerramento do julgamento do impeachment do governador Carlos Moisés de que “Santa Catarina foi a grande derrotada” nesse lamentável episódio. Na parte que concordo, reconheço que os prejuízos foram enormes, sim - econômicos, sociais, políticos e, principalmente, para a imagem de um estado diferenciado no país e no mundo. Aos autores dessa trama palaciana e de bastidores, cabe aos eleitores decidir o que fazer quanto a eles.
Porém, em maior parte não concordo com a tese da derrota porque, antes de tudo, SC é um estado de superação. E também porque os alicerces daquilo tudo que construímos desde nossos antepassados colonizadores estão mais firmes do que nunca: a economia bate recorde sobre recorde, no emprego, na indústria, comércio e agronegócio, na exportação e importação, e até na arrecadação. Infelizmente, o Turismo ainda sofre de forma brutal, mas também vamos superar isso.
Não nego que considero essa a crise mais grave da nossa história contemporânea, porque junta a maior tragédia sanitária de todos os tempos com o maior colapso de gestão que já vivemos. Infelizmente, não só o setor público é impactado, mas também o setor produtivo, já que suas lideranças e entidades veem ampliar-se diante de si os desafios, ainda mais pelo ‘descasamento’ da política – e este é um componente a mais dessa ‘tempestade perfeita’ que se abateu sobre SC.
No entanto, como sou catarinense, nem todo esse cenário obscuro e sombrio me faz temer. Pelo contrário. Num Estado em que a marca registrada do povo é a superação e a capacidade de trabalho desde os tempos em que os primeiros imigrantes aqui aportaram, é hora de se superar novamente, como já fizemos tantas e tantas vezes – mais recentemente na pior recessão dos últimos 100 anos, entre 2015 e 2017, quando fomos o último Estado a mergulhar na crise e o primeiro a sair dela. Isso é Santa Catarina!
Não é hora de falar em derrota. É hora de falar em união e mudança de paradigmas, pois a política catarinense de hoje vai na direção oposta aos valores e tradições, desejos e sonhos do povo catarinense. Na verdade, a política se descolou da cultura do Estado. Algo que aconteceu no Brasil, e que agora acontece aqui em SC.
Para ilustrar o que digo, vou contar uma história 15 anos atrás, quando percorri o Estado com professor Ignacy Sachs. Antes, porém, vou apresentá-lo a vocês. Trata-se de um dos primeiros ecossocioeconomistas do mundo – e nessa qualificação estão os economistas que defendem a concepção de desenvolvimento com uma combinação de crescimento econômico, aumento igualitário do bem-estar social e preservação ambiental. Como membro da École de Hautes Études em Sciences Sociales da França, Sachs lá fundou em 1985 o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo. E para resumir a ópera, ele é simplesmente o formulador do conceito de ecodesenvolvimento, que deu origem à expressão ‘desenvolvimento sustentável’, tão em voga nos dias de hoje.
Nessa viagem que fiz pelo nosso Estado com o professor Sachs, perguntei a ele se entendia que SC tinha traços de ‘excepcionalismo’ que se manteriam no futuro. A resposta dele foi que este seria o maior desafio catarinense para as próximas décadas: manter a diferenciação herdada da sua colonização, por conta das forças que impeliam – e, infelizmente, ainda impelem - o Brasil para uma homogeneização.
O professor Sachs afirmava, então, que tínhamos diferenciais duradouros para o futuro que seriam fortemente desafiados. De fato, ainda somos diferenciados na vida social e produtiva, mas fomos atingidos pela cultura política do país. E, neste momento, infelizmente, apresentamos um quadro político inferior até com relação a outros estados com índices socioeconômicos menores do que os nossos.
A sociedade organizada catarinense está, portanto, sendo colocada à prova - e dizer o que daqueles que comandam e comandarão o Estado? O desafio do professor Sachs foi lançado.
Anos depois da viagem com Sachs por SC reuni dois brilhantes intelectuais e visionários para um jantar em Florianópolis. Antes vou apresentá-los. Um deles era o professor titular do Departamento de Direito da Universidade de Harvard, Mangabeira Unger, um dos intelectuais brasileiros de maior renome no exterior, membro vitalício da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos. Em 91, foi professor do futuro presidente dos EUA, Barack Obama. O outro era o nosso querido professor, advogado, economista, filósofo, jornalista e escritor Alcides Abreu (1926/2015), autor do primeiro plano de governo de SC, ainda em 1959, e um dos “pais” da construção da Santa Catarina que temos hoje.
Aos dois professores, naquele jantar, coloquei o desafio proposto por Ignacy Sachs sobre o futuro de SC. Ambos concordaram que sim, este seria o grande desafio do nosso Estado: manter-se catarinense. E isso só seria possível, argumentaram eles, se preservássemos nossas conquistas e levantássemos novas bandeiras. Essa posição de ambos, convergia também para a do então governador Luiz Henrique, de promover um esforço de inspiração ao povo catarinense, de pensar grande e pra cima.
Portanto, é hora de voltarmos a trilhar o ‘o caminho catarinense’, desenhar e redefinir quais são os nossos grandes objetivos. Voltarmos ao eixo. Quanto mais tempo ficarmos parados no box, mais voltas perdemos na corrida, que não é contra ninguém: é a utopia catarinense que não pode se perder. É o sonho catarinense do qual não podemos abrir mão.
Temos que fazer isso agora. Resistir bravamente e não ceder à decadência do nosso país, que não é e nem será definitiva. E não será definitiva porque nós catarinenses saberemos fazer a nossa parte. Manteremos, hoje e sempre, a integridade das nossas vontades e assim também cumpriremos nossa tarefa perante o nosso amado Brasil.
Vinícius Lummertz - Secretário de Estado do Turismo de São Paulo