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A cachaça catarinense faz história

Paixão nacional, bebida produzida no estado passa pelo seu melhor momento com reconhecimento nacional e internacional

Por Marciano Bortolin Criciúma, SC, 07/11/2021 - 16:09 Atualizado em 10/01/2022 - 17:39
Para produtores, momento é de festa, mas sem descuidar da qualidade. Fotos: Guilherme Hahn/Especial/4oito
Para produtores, momento é de festa, mas sem descuidar da qualidade. Fotos: Guilherme Hahn/Especial/4oito

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Cachaça! Bebida que tem muito a ver com a história e com a cultura do Brasil.

Não se sabe ao certo como esta paixão teve início, mas ela faz parte do imaginário popular e que ganha cada vez mais qualidade com o passar dos anos.

Em Santa Catarina, o bom momento do produto começou com a reestruturação da Associação Catarinense dos Produtores de Aguardente de Qualidade (Acapacq).

Criado no fim da década de 1980, o órgão estava adormecido até que uma pessoa decidiu reativá-lo. Ele é Leandro de Mello Silveira, que hoje é presidente da associação. A intenção surgiu de maneira inusitada: ao ouvir uma entrevista sobre o tema no rádio. Coincidência ou não, ele estava em Minas Gerais quando ouviu, pela internet, uma emissora de Criciúma comentar sobre o assunto.

Na época, os mineiros eram invejados pelo resto do país por serem reconhecidos como os melhores produtores. “Eu sou um apaixonado pelas questões culturais do meu país e, principalmente, do meu estado. Estava em Minas Gerais em 2015 e vi o setor de cachaça muito forte lá. Então iniciei um programa de fortalecimento e desenvolvimento da cachaça catarinense, porque eu percebia um grande potencial. Então o criei, mesmo que de maneira privada, e dentro deste programa estava a reestruturação da Acapacq”, recorda.

No áudio, Leandro Mello relata o momento em que voltou os olhos para a cachaça catarinense:

Mello relata que em Santa Catarina, o setor nunca havia recebido a atenção merecida, como um trabalho de desenvolvimento e melhoria da produção. “Isso começou a mudar com a criação da Epagri, pois tiveram início os cursos para aperfeiçoamento da produção, destacando as boas práticas de fabricação, semelhante ao que acontece em outros segmentos do agronegócio. Depois, em 2005, através do Sebrae, se desenvolveu o programa de melhoria da cachaça catarinense, com a realização de cursos e consultorias”, diz.

Porém, lembra o presidente da associação, não se tem registro de trabalhos em benefício da cachaça do estado além destes, permanecendo um vácuo de 1989 a 2005 e de 2006 até 2015. “A bebida passou a ter importância diferente em 1988, quando foi fundada na Estação Experimental da Epagri, a Acapacq. Depois que foi fundada, ela realizou alguns trabalhos, mas ficou inativa logo em seguida. De 1989 a 2015, o setor ficou praticamente esquecido, a não ser pelo trabalho do Sebrae e da Epagri, tirando isso, não houve nenhum desenvolvimento e fortalecimento”, lamenta.

Iniciei um programa de fortalecimento e desenvolvimento da cachaça catarinense, porque eu percebia um grande potencial", Leandro de Mello Silveira, prsidente da Associação Catarinense dos Produtores de Aguardente de Qualidade (Acapacq)

A decisão de Silveira em retomar a associação foi um divisor de águas para os destilados catarinenses. "Temos jóias que estavam escondidas por muitos anos que eu desenterrei. Por que digo eu? Porque sou presidente da associação, mas me considero um CEO da cachaça catarinense, pois não sou produtor, então este fato de eu os representar como não produtor dá a segurança de que não vou puxar a sardinha para o meu lado”, cita.

Romaria

O conhecimento foi uma das bases de Leandro na busca por melhorar os produtos. E para ter cada vez mais informações sobre o segmento, além de pesquisar muito, ele fez uma verdadeira romaria pelo Brasil e pelo mundo, sempre tendo como foco as visitas a locais reconhecidos pelas boas práticas de produção. “Iniciei uma viagem de estudos, passando por 18 estados brasileiros, cinco países e mais de 300 destilarias. Comecei uma saga em prol do desenvolvimento e fortalecimento da cachaça”, cita.

O segundo passo foi reunir os maiores produtores de Santa Catarina, para isso foi realizado o primeiro Festival Cultural da Cachaça, ocorrido em 2016, em Criciúma. A programação do evento contou com degustação de cachaças artesanais, shows, teatro, feira de negócios e gastronomia.

Medalhas no peito e nos rótulos

De Lauro Müller, cachaça Cafundó da Serra faz sucesso nos maiores festivais do mundo

A neve que cai nas cidades da Região Serrana encantam turistas e até mesmo os nativos, acostumados com o fenômeno. Após o fim da nevasca, o branco que toma conta do solo vai sumindo com o derreter do gelo que aos poucos vai se tornando água e buscando o seu caminho.

Um destes rumos é a Serra do Rio do Rastro. O líquido que por ela passa vai regando vegetação e plantações. Uma destas lavouras, irrigadas de forma natural pela água proveniente da neve, é a de Tarcísio Godinho.

Em Lauro Müller, aos pés da montanha, ele cultiva a cana-de-açúcar que dá origem à cachaça Cafundó da Serra. “Começamos em 1988 com uma pequena quantidade, fomos tomando gosto, trabalhando e aumentando a produção”, lembra Godinho.

Esta, que é uma das mais antigas cachaças produzidas no Sul do estado, ostenta reconhecimentos nos maiores festivais do mundo. 

Começamos em 1988 com uma pequena quantidade, fomos tomando gosto, trabalhando e aumentando a produção”, Tarcísio Godinho, produtor da cachaça Cafundó da Serra

Um deles é o “Spirits Selection”, troféu de revelação do  Concurso Mundial de Bruxelas, na Bélgica, em 2020, considerado o mais importante festival de bebidas destiladas do mundo.  A catarinense foi a única cachaça entre dois runs agrícolas, um uísque francês, uma grappa, um calvados, um conhaque de pera, entre outros, a receber a honraria. 

O despertar

Segundo Godinho, o que lhe despertou para a qualidade de sua bebida foi aquele festival idealizado por Leandro quatro anos antes. “No festival, em 2016, não esperávamos que fossemos ganhar algum prêmio em meio às 12 melhores de Santa Catarina e, para a minha felicidade, fiquei em primeiro lugar. Aquilo me acordou, nem eu sabia que tinha uma cachaça tão boa e todos ficaram motivados. Depois participei da Expocachaça e em Bruxelas, quando também ganhei premiações”, fala.

Tarcísio e o filho Eduardo se dedicam para garantir um destilado de qualidade

Mas não é somente a Cafundó da Serra que ostenta as medalhas. No total, em duas participações em Bruxelas, os produtores do estado trouxeram para casa 16 premiações. Já da Expocachaça, a maior vitrine mundial da cadeia produtiva e de valor da cachaça, que ocorre em Belo Horizonte, Santa Catarina já coleciona 63 medalhas. 

Para se ter uma dimensão, em 2020, o estado foi representado por 19 produtores no evento realizado em solo mineiro e trouxe 26 medalhas. Já os anfitriões conquistaram 38 premiações, porém com 280 concorrentes.

Trabalho a várias mãos

Tarcísio Godinho, ao lado de outros empresários do ramo, foi um dos batalhadores para que o destilado catarinense chegasse a este momento. “A evolução foi gradual. Começamos a trabalhar com foco na qualidade em parceria com a Epagri. Passamos a orientar os agricultores e aqueles que se interessaram e seguiram a produção conforme as instruções, estão engarrafando graças ao nosso trabalho, da Epagri e depois da Acapacq”, salienta.

Tarcísio Godinho fala do trabaljo ao longo dos anos que culmina no atual momento do destilado catarinense:

Esta participação da Epagri, começada nos anos 1990 e reforçada com o ressurgimento da Acapacq, é confirmada pelo gerente regional do órgão, Edson Borba, lembrando que o trabalho teve o seu pontapé inicial na Estação Experimental de Urussanga. “Na época começou um trabalho de avaliação de cultivares de cana-de-açúcar para recomendação de plantio no estado. O local também possui um laboratório para avaliação dos destilados, sendo que a Epagri tem participação também na legalização com a criação de uma cooperativa nos anos 2000”, diz.

Edson Borba fala da contribuição da Epagri para o desenvolvimento do setor cachaceiro:

 

Na história, na renda e na qualidade

A cachaça entrou na família de Giuseppe Nesi de uma forma, de certa forma, engraçada. Na sua primeira destilação, ele produziu sete litros, todos consumidos em um único dia.
Esta história é contada por Lucas Nesi que, ao lado do irmão, decidiu homenagear o tataravô com o nome da bebida que produz atualmente em Urussanga: a Cachaça Giuseppe. “A nossa cachaçaria é nova. A marca foi lançada no fim de 2018 e as vendas iniciaram em 2019. O meu tataravô, o Giuseppe, era engenhoso e, como tinha que produzir tudo, ele montou um alambique logo que chegou à região. Depois de um tempo veio a cooperativa com a ideia de estruturar e dar qualidade e, em 2018, eu e meu irmão decidimos ter a marca que representasse a família”, relata.

Nestes poucos anos no mercado, Nesi já se orgulha em ostentar premiações na Expocachaça e em Bruxelas. 

Com início da comercialização em 2019. cachaça Giuseppe, de Urussanga, já ostenta premiações em seu rótulo

A Giuseppe é uma das tantas marcas nascidas nos últimos anos que ajudam a colocar Santa Catarina no mapa do setor.

O relatório “A Cachaça no Brasil: Dados de Registro de Cachaças e Aguardentes”, elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), mostra que o Brasil registrou  incremento de 4,14% no número de produtores em 2020 na comparação com o ano anterior. 

O documento que foi publicado em 2021 mostra que eram 1.086 estabelecimentos com registros válidos em 2019. Número que saltou para 1.131 em 2020.

No Sul do país, os três estados têm alta representatividade na concentração de estabelecimentos produtores de aguardente e cachaça, sendo que Santa Catarina ultrapassou o Rio Grande do Sul em quantidade, se tornando o maior produtor da região.

Mais que permanecer entre as dez unidades federativas com o maior número de registros, o estado saiu da sétima para a quinta colocação.

Mapa de calor mostra a concentração de produtores nos três estados do Sul:

Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) 

De acordo com o Ministério da Agricultura, o incremento no total de produtores registrados no Brasil deve-se ao aumento na quantidade de fabricantes de cachaça: em torno de 6,8%, o que compensou a retração de 3,5% do número daqueles que se dedicam à aguardente. 

O número de estabelecimentos que fabricam aguardente e cachaça aumentou em 2,4%. Por isto, aponta o ministério, o total de produtores não é a soma dos dois grupos (aguardente + cachaça), uma vez que são excluídos aqueles que produzem as duas bebidas. Revelou-se também aumento no número de marcas de cachaça (18,5%) e um leve aumento nas marcas de aguardente (11,3%).

Somados os dois produtos, chega-se a 5.523 marcas de cachaça e aguardente disponíveis no mercado para comercialização, coleção e degustação.

Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) 

 

O relatório do MAPA mostra também as cidades com a maior concentração efetiva de registros, e é aí que Santa Catarina se destaca mais uma vez. Luiz Alves, no Vale do Itajaí, ganhou posições no ranking. 

Com relação aos produtores de aguardente, o município registrou oito novos estabelecimentos no último ano. Quanto às marcas, este número é ainda maior: 15 registros no mesmo período, tendo agora 18 rótulos ao todo.

Já quanto à cachaça, Luiz Alves teve mais 33 marcas registradas, chegando a 63 no total.

Nesta listagem, a mineira Salinas ostenta o primeiro lugar com a maior quantidade de marcas e produtos registrados. Além da catarinense Luiz Alves, Alexânia, de Goiás e Ivoti, no Rio Grande do Sul, também ganharam colocações.

Caçula de sucesso

Uma plataforma. Uma baleia franca. A estrutura pode ser vista em Balneário Rincão. O animal visita o Litoral Sul Catarinense.

O empresário Clevonir Crocetta e os parceiros da Destilaria Crocetta utilizaram toda a sensibilidade para “capturar”, estes dois símbolos do Sul de Santa Catarina e estampá-los nos rótulos de suas bebidas.

Há poucos meses no mercado, a empresa com sede em Balneário Rincão já é reconhecida como a produtora de um dos três melhores gins do Brasil. Título conquistado na Expocachaça.  “É uma grata satisfação começar com o pé direito. Mostrar que tudo foi bem feito, com os cuidados e da forma que tinha que ser”, comenta Clevonir, revelando que a intenção inicial era produzir gin, cachaça e vodca para exportação. “Entendemos que o Brasil tem uma gama grande de produção e que o mercado externo deve ser melhor explorado, já que hoje o país exporta 1% de sua produção”, conta.

Gin Crocetta, produzido em Balneário Rincão, está entre os três melhores do Brasil

O caminho percorrido até chegar à bebida de qualidade foi longo.  Após estudarem o setor de destilados, os sócios decidiram visitar alambiques de todo o Brasil, pesquisando as melhores matérias-primas, técnicas de produção, leveduras, equipamentos e participando de cursos. “Fomos em Minas Gerais e em São Paulo, tivemos o cuidado de analisar os melhores equipamentos e matéria-prima e há dois anos começamos a construção da destilaria. Hoje, já estamos em lojas de e-commerce e o investimento será maior daqui para frente”, ressalta. 

De Orleans a São Ludgero passando por Pedras Grandes

Pedras Grandes é uma das cidades inseridas nos Vales da Uva Goethe. Mas, semelhante à família Nesi, que produz a cachaça Giuseppe em Urussanga, considerada a terra do vinho, a família Sorato, buscou outro caminho. 

Em 2016, eles colocaram a cachaça Imigrante no mercado. O nome foi escolhido para celebrar os costumes dos colonizadores da região. Porém, a relação dos Sorato com a bebida tipicamente brasileira já existia muito antes. “O meu bisavô já produzia cachaça e o meu avô trabalhou junto, mas depois acabou indo atuar nas minas e não deu continuidade. O meu pai era fumicultor, mas  sempre tinha vontade de produzir cachaça”, diz Ricardo Sorato.

Começamos a participar dos concursos e todas as nossas cachaças têm premiações tanto na Expocachaça quanto em Bruxelas", Ricardo Sorato, produtor da cachaça Imigrante

Depois de fazer cursos e comprar um alambique, enfim aquele sonho se tornava realidade. “Eu e meu pai fizemos os primeiros litros. Deu tudo errado, mas fomos aprendendo. Me formei em mecânica, trabalhei por sete anos nesta profissão e em 2016 resolvi voltar e lançamos a Cachaça Imigrante”, cita Ricardo, acrescentando que o rótulo da Imigrante também já possui medalhas. “De lá para cá começamos a participar dos concursos e todas as nossas cachaças têm premiações tanto na Expocachaça quanto em Bruxelas”, valoriza.

Cachaça faz parte da história da família Sorato, de Pedras Grandes. Imigrante é a marca produzida há alguns anos

A cidade de São Ludgero também tem a sua cachaça que ganha todo o país. Ela é a  Saint Ludger, produzida por Cláudio Rogério da Silva, o Bira, há cerca de 15 anos.

A coisa foi ficando tão séria que o empresário fez parceria com a dupla sertaneja João Neto e Frederico, que contribuiu com o boom da marca. “Na nossa primeira participação na Expocachaça apresentamos dois produtos e fomos premiados em ambos. Acredito que a cachaça de Santa Catarina tem colhido estes frutos devido ao trabalho da Acapacq e pela dedicação dos produtores”, enfatiza Bira.

A qualidade da Saint Ludger e o bom momento do setor arrancam sorrisos de Bira

De Orleans sai a Cachaça do Conde, produzida por Henrique Perin Orben e pelo sócio desde 2012, outra reconhecida nacional e internacionalmente. “Cuidamos muito da qualidade, por isso temos estas medalhas em Minas Gerais e em Bruxelas. A cachaça está ganhando mais espaço nos últimos anos, e tudo acontece porque as pessoas veem que é um produto melhor que o uísque e a vodca, por exemplo”, enfatiza.

Mais uma serra como cenário

Se Tarcísio Godinho fabrica a sua cachaça aos pés da Serra do Rio do Rastro, Valdemir Borghezan faz a sua com a Serra do Corvo Branco como cenário. 

A Aguardente Borghezan nasceu em 2008, em Grã-Pará. “Decidimos produzir através da necessidade de colocar um negócio próprio, então fizemos um trabalho de mercado e na época existiam vários alambiques e vimos que era competitivo, que não era fácil entrar, mas aberto para uma cachaça de qualidade. Desde então temos produtos de alta qualidade ganhando mercado a cada dia”, comenta.

Valdemir deu o start na produção de aguardente após uma intensa pesquisa de mercado. Nascia assim a Borghezan

Esta é mais uma das bebidas do Sul de Santa Catarina que ostenta conquistas. “Um deles foi em Bruxelas, onde ganhamos medalha de ouro na bebida envelhecida no barril de tajuva, uma madeira nativa da nossa região. O nosso estado possui um clima diferente. Aqui as quatro estações são bem definidas e isso influencia na cana-de-açúcar. Este é um ponto forte que faz com que tenhamos cachaças de qualidade”, pontua.

Mas porque a cachaça catarinense é tão boa?

Os próprios produtores têm as suas opiniões com relação aos motivos que fazem os destilados de Santa Catarina serem tão bons e agradarem o paladar de quem os degusta. 

Para Clevonir Crocetta, entre as razões, estão as exigências do Ministério da Agricultura. “O MAPA existe para o Brasil todo, tem a  legislação e as regras que devem ser seguidas pelos estados, mas em Santa Catarina, a exigência é maior. Em São Paulo e em Minas Gerais tivemos alambiques com premiações que em Santa Catarina não ficariam um dia sequer abertos. Quanto mais regras você tem que cumprir, mais condições de ter um produto diferenciado você vai ter”, enfatiza.

Da Destilaria Crocetta, Clevonir Crocetta opina sobre a qualidade do destilado de Santa Catarina:

Pluralidade. É a ela que Ricardo Soratto, da Cachaça Imigrante, também atribui o momento do produto catarinense. E ele explica o porquê. “Temos uma variedade tanto em cultura quanto em clima. Temos a Serra, o Litoral, vários pontos de climas e terrenos diferentes. Além disso, quem produz a cachaça em Santa Catarina é o descendente do alemão, do italiano, do português, é o nativo. Toda esta junção têm as suas peculiaridades na hora de produzir”, destaca.

Processo cauteloso

Mas ele fala também que o controle qualidade deve começar já no campo. Cuidados que vão desde o solo utilizado para o plantio, até o cultivo da cana-de-açúcar, a primeira grande riqueza agrícola produzida no Brasil. “O importante é que a colheita seja feita com a cultura  100% madura para não causar acidez no produto final. O corte da cana também tem que ter mão de obra qualificada, para que seja realizado de forma correta e lá no campo já seja feita a limpeza das impurezas”, enfatiza.

Quanto mais regras você tem que cumprir, mais condições de ter um produto diferenciado você vai ter", Clevonir Crocetta, da Destilaria Crocetta

O armazenamento segue um padrão para que a cana não se torne ácida. Apór a moagem, a bebida passa por um decantador para a retirada das impurezas para então seguir para a fermentação, que é feita por uma levedura selecionada e tem prazo para finalizar. É nessa etapa que o açúcar é transformado em álcool. 

Produtores lembram que garantia da qualidade da cachaça começa na lavoura, através dos cuidados com o cultivo da cana-de-açúcar

Após a fermentação, a bebida vai para o alambique para passar pelo processo de destilação e finalmente se transformar em cachaça, que tem a porcentagem de álcool controlada.  De lá vai para o estoque, que pode ser em dornas de inox, onde não sofre alteração de cor, ou em barris de madeira. "A cachaça de qualidade começa já pela roça.  A cana tem que ser bem cultivada, colhida em um dia e moída no outro para não ficar ácida. Além disso, ter higiene na produção para garantir a qualidade. O investimento precisa ser contínuo. Não se pode pensar que está pronto. Isso não existe. Hoje atendo turistas dos quatro cantos do Brasil, todos exigentes, cada um com o seu gosto e não deixamos de agradar nenhum deles”, confirma Tarcísio Godinho, da Cafundó da Serra.

Barril de madeira é uma das formas de armazenamento da cachaça

Diminuição do preconceito

Além da qualidade, outra luta dos apreciadores da bebida é a diminuição do preconceito. “Há oito ou nove anos, em qualquer canto de Santa Catarina, a cachaça era coisa de bêbado. Com a associação, viemos trabalhando os produtores formais, tentando mudar esta imagem e mostrando a qualidade de nossos destilados”, destaca Ricardo Soratto, da cachaça Imigrante.

Ricardo Sorato, da cachaça Imigrante, apresenta sua visão sobre a diminuição do preconceito:

Clevonir Crocetta é outro que destaca a mudança de visão com relação à cachaça. “De uns anos para cá teve uma evolução com relação ao consumo, mas não aquele consumo que a pessoa vai no bar beber, mas aquele que com 50 ml fica bastante tempo tomando. Existe uma forma de beber que você tem a condição de saborear várias madeiras”, comenta.

Esta madeira que ele cita são os barris onde o líquido é envelhecido. “Temos o carvalho francês, o americano, a amburana, o jequitibá, uma diferente da outra que você vai curtindo, cada uma com a sua peculiaridade. Hoje tem pessoas que querem beber uma cachaça diferente. Há empresas no Brasil que têm garrafas de mais de R$ 1 mil devido a esta valorização que está sendo dada pelo brasileiro”, afirma.

Em Urussanga, terra do vinho, Lucas Nesi não se arrepende de ter escolhido o ramo cachaceiro ao comemorar o aumento do consumo e o sucesso de sua marca, a Giuseppe. “Antes não era status tomar cachaça. Era criminalizado. Mas foi trabalhado muito para que ela traga experiências boas e o cliente começou a perceber e dar mais valor. Quem está na dúvida, que prove, porque teve uma grande evolução. Tenho clientes que trocaram o uísque pela cachaça”, aponta.

O público também tem mudado. Ricardo Soratto comenta que há pouco tempo, os destilados despertavam interesse maior no público acima dos 40 anos. “Quem consome cachaça de qualidade e que não tem medo de investir são aqueles de 25, 30 anos. Temos garrafas de R$ 120 que eles pagam tranquilamente”, cita.

Um pouco de história

Leandro Mello conta que a cachaça foi introduzida no estado quando a capitania de Santa Catarina foi criada, por volta de 1738. “O Brigadeiro José da Silva Paes foi nomeado governador e para dar continuidade a cobertura militar na região, construiu em Florianópolis dez praças de guerra que ele povoou com açoreanos e madeirenses e foram estas pessoas vindas da Ilha da Madeira que introduziram a fermentação do melado de cana-de-açúcar para produção da cachaça, contribuindo com o desenvolvimento do local ao embarcar o produto nos navios que ali aportavam”, relata.

E no Brasil?

O Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), evidencia duas vertentes para o surgimento da bebida no país, convergindo para a mesma época:  o início da colonização efetiva pelos portugueses.

Apesar de não haver um registro preciso sobre o local onde a primeira destilação foi feita, pode-se afirmar que ela se deu em algum engenho de açúcar situado do litoral, entre os anos de 1516 e 1532, sendo o primeiro destilado da América Latina.

A primeira, e com maior aceitação, relata que os portugueses, acostumados a tomar a bagaceira, destilado de casca de uva, improvisaram uma bebida a partir da fermentação e destilação do caldo da cana-de-açúcar, que produzia o mesmo efeito

A outra vertente conta que, nos engenhos de açúcar, durante a fervura da garapa para fazer o açúcar, surgia uma espuma que era retirada dos tachos e colocada nos cochos dos animais. Com o tempo, o líquido fermentava e transformava-se em um caldo  que ganhava o nome de “cagaça”, que parecia revigorar o gado, que frequentemente ia consumi-lo.

Percebendo esses efeitos, os escravos experimentaram e passaram também a bebê-lo. Como os portugueses já conheciam as técnicas de destilação, começaram a destilar o mosto fermentado da cagaça, provavelmente também do melaço, subproduto do açúcar, e do próprio caldo de cana, dando origem à cachaça.

Sobre este período e o marco zero do início da produção, existem três versões que tentam explicar quando a cachaça começou a ser produzida no Brasil:

Fonte: Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC)

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