Na semana, Clesio e Cao voltaram à pauta. Pelas suas mortes traumáticas. Dois suicídios.
Clesio, fez 18 anos do acontecido no domingo passado. Cao, tem longa reportagem na Veja que está nas bancas. Dois homens decentes. Dois amigos que admirava. Que foram "vencidos" por tormentos arrebatadores.
Clesio foi meu primeiro “ídolo” no radio. Minha primeira referência. Ainda garoto, em Araranguá. Ficava na frente do rádio, depois do almoço, esperando ele entrar no ar - “boa tarde para quem é de boa tarde, saravá para quem é de saravá … “.
Anos depois, trabalhamos juntos na Tv Eldorado, radio Eldorado e Jornal da Manhã.
Ele era tão contido, retraído, tímido, que quem ia ao jornal reivindicar aumento nos seus honorários era a Solange, sua mulher. No microfone, um monstro!
Era tão comprometido com a inserção, a lisura, a imparcialidade, que durante algum tempo torcedores mais corneteiros diziam que ele torcia para o Joinville. porque era a fase que o Joinville foi multicampeão. E ele dava o destaque que deveria ser dado.
Quando Clesio morreu, o Marco era estudante, nós o acomodamos na radio e em pouco tempo ele fazia o caminho do pai no microfone, como o melhor “plantão” estado.
Todos os dias, passo o “microfone" para o Marco na rádio So Maior, no ar, porque apresenta depois de mim o Jornal das Nove. Na segunda-feira, não consegui falar com ele sobre os 18 anos da morte do Clesio, completados no dia anterior.
Também não consegui falar com o Julio Cancelier, jornalista, irmão do reitor Luiz Carlos Cancelier de Olivo, o Cao, durante dias.
Quase um mês depois é que consegui ligar. E choramos durante minutos.
Cao foi amigo/irmão de juventude, de movimentos estudantis e envolvimentos políticos.
Ainda não dá para acreditar na forma como acabou a sua vida. Inacreditável. E quanto mais informações, pior fica.
Como o que está detalhado na reportagem, longa, que a Veja traz na edição deste fim de semana.
Ali está estampado o que foi feito com ele, a tortura imposta, e a humilhação, que o levaram à depressão, o tirou do ponto, o fez perdeu o norte, e o levou a fazer o que fez. Já destruído. No chão. Onde terminou.
As revistas Carta Capital e IstoÉ já haviam tratado dos fatos que levaram a morte de Cao, o professor-reitor Cancelier, em 2 de outubro. Mas, a Veja traz detalhes chocantes.
Homenagens já foram feitas aos dois. Muitas outras serão. Justas. Todas merecidas.
Saudades dos dois!
Da Veja
Trechos da matéria da revista deste fim de semana sobre o reitor Luiz Carlos Cancelier:
“O suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, aos 59 anos, o Cau, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi o desfecho trágico de dezoito dias dramáticos.
Sua vida começou a desabar na manhã de 14 de setembro, quando agentes da Polícia Federal deflagraram a Operação Ouvidos Moucos, com o objetivo de apurar desvios de verbas para cursos de ensino a distância na UFSC. Às 6h30 daquela quinta-feira, o reitor ouviu tocar a campainha de seu apartamento e, enrolado em uma toalha de banho, abriu a porta para três agentes da PF, que subiram sem se fazer anunciar pelo porteiro do edifício. Os agentes traziam dois mandados — um de prisão temporária e o outro de busca e apreensão. Recolheram o tablet e o celular do reitor e conduziram-no à sede da Polícia Federal em Florianópolis, dentro de uma viatura.
Atônito, sem entender o que estava acontecendo, o reitor só se lembrou de chamar um advogado quando estava prestes a começar seu depoimento, às 8h30. Durante as cinco horas em que foi arguido, passou duas sem saber por que estava à beira da prisão. Ainda respondia a perguntas sobre os meandros operacionais do ensino a distância, com o estômago embrulhado pelo jejum matinal e pelo tormento das circunstâncias, quando a delegada Érika Mialik Marena, ex-coordenadora da força-tarefa da Lava-Jato, à frente agora da Ouvidos Moucos, adentrou o local. Apressada para iniciar a coletiva de imprensa que começaria logo mais, Érika finalmente esclareceu ao interrogado o motivo de tudo aquilo: “O senhor não está sendo investigado pelos desvios, mas por obstrução das apurações”. E correu para comandar o microfone na sala ao lado.
Desde cedo, já voava nas redes sociais a notícia de que a Polícia Federal deflagrara uma operação de combate a uma roubalheira milionária na UFSC. A página oficial da PF no Facebook, seguida por 2,6 milhões de pessoas, destacava a Ouvidos Moucos: “Combate de desvio de mais de 80 milhões de reais de recursos para a educação a distância”. Ainda acrescentava duas hashtags para celebrar a ação: “#euconfionapf” e “#issoaquiépf”. A euforia não encontrava eco nos fatos. Na coletiva, a delegada Érika explicou que, na realidade, não havia desvio de 80 milhões de reais. O valor referia-se ao total dos repasses do governo federal ao programa de ensino a distância da UFSC ao longo de uma década, de 2005 e 2015, mas não soube dizer de quanto era, afinal, o montante do desvio. Como a PF não se deu ao trabalho — até hoje — de corrigir a cifra na sua página do Facebook, os 80 milhões colaram na biografia do reitor. Em seu velório, uma aluna socou o caixão e bradou: “Cadê os 80 milhões?”.
Encerrado seu depoimento, o reitor deveria ficar retido na sede da PF, mas, como a carceragem havia sido desativada, foi para a Penitenciária de Florianópolis, um complexo de quatro pavilhões construído em 1930".
"Acorrentaram seus pés, algemaram suas mãos e, posto nu, ele foi submetido a revista íntima. Um dos agentes ironizou: “Viu, gente, também prendemos professores!”.
Cancellier vestiu o uniforme laranja, foi fichado e passou a noite em claro. Seus dois colegas de cela, presos na mesma operação, choravam copiosamente. Cancellier estava mudo, como que em transe, e cada vez mais sobressaltado com os rigores do cárcere. Ficou trinta horas na cela na ala de segurança máxima. Teve sintomas de taquicardia: suava muito e a pressão disparou para 17 por 8. Seu cardiologista foi autorizado a examiná-lo, trazendo os remédios que ele havia deixado em casa (desde dezembro, quando implantou dois stents, Cau tomava oito medicamentos).
Quando deixou a cela, Cancellier era um homem marcado a ferro pela humilhação da prisão.
Sua família o recebeu em clima de festa e alívio. Os irmãos, Julio e Acioli, tinham comprado de tudo um pouco no Macarronada Italiana para um jantar regado a vinho branco Canciller, rótulo argentino escolhido pela similaridade com o nome de origem italiana da família. Também ali estava o filho do reitor, Mikhail, de 30 anos, doutor em direito como o pai, com quem ele mantinha um laço inquebrantável.
Mas, entre piadas e risos, Cancellier exibia um semblante sem expressão”.
“Mais que tudo, o reitor estava sendo esmagado pelo peso da proibição de pisar na universidade até o final das investigações. A decisão fora tomada junto com o mandado de prisão e, para o reitor, soou como uma punição cruel”.
"A UFSC era uma extensão da casa do reitor. Seu apartamento, de três cômodos, onde viveu dezenove anos, dois deles casado e o restante na companhia do filho, fica a 230 passos do campus.
Nos fins de semana, o reitor fazia uma ronda informal, bem à vontade em seu moletom. Na UFSC, ele teve, para os padrões acadêmicos, uma carreira meteórica. Em apenas dezoito anos, concluiu o curso de direito, fez mestrado, fez doutorado em direito administrativo, virou diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, numa eleição acirrada, elegeu-se reitor — cargo que ocuparia por dezesseis meses. Na eleição, a paciência para tecer alianças foi arma decisiva em um jogo embaralhado”.
“A juíza Janaína Cassol, da 1ª Vara Federal de Florianópolis, analisou o pedido da PF em 25 de agosto e concedeu as prisões. Sobre o reitor e os outros seis acusados, ela escreveu: “Essas pessoas podem efetivamente interferir na coleta das provas, combinar versões e, mais do que já fizeram, intimidar os docentes vitimados pelo grupo criminoso”. Em 12 de setembro, a juíza pediu licença por problemas de saúde e foi substituída por Marjorie Freiberger. Dois dias depois, em 14 de setembro, a polícia lançou a Operação Ouvidos Moucos e prendeu o reitor e os outros seis. No dia seguinte às prisões, a juíza Marjorie Freiberger, sem que houvesse recurso da defesa do reitor e dos outros seis, resolveu revogar a decisão de sua colega e suspendeu as prisões. Ao contrário da antecessora, a juíza Marjorie não conseguiu ver motivo para tê-los levado para a penitenciária. Escreveu ela: “No presente caso, a delegada da Polícia Federal (refere-se a Érika Marena) não apresentou fatos específicos dos quais se possa defluir a existência de ameaça à investigação e futuras inquirições”. Mandou libertar todo mundo.
"Em seus últimos dias, Cancellier chegou a dar sinais de que não abandonaria o ringue. Em artigo publicado no jornal O Globo em 28 de setembro, quatro dias antes do suicídio, saiu em defesa própria e dos demais professores presos: “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos há uma semana não têm precedentes na história da instituição”. O reitor também tentou recorrer da proibição de pisar no campus. Alegou que, como orientava teses de mestrado e doutorado, não podia deixar os alunos à deriva. A resposta da Justiça veio no sábado 30 de setembro, dois dias antes do suicídio: Cancellier estava autorizado a entrar na UFSC por três horas em um único dia. A decisão o devastou. “Como pode?”, perguntava. “Se demorar um minuto a mais, serei preso?”