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DEIXE AQUI SEU PALPITE PARA O JOGO DO CRICIÚMA!
* as opiniões expressas neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do 4oito
Por Aderbal Machado 24/12/2022 - 07:00

Visitando Portugal pela primeira e única vez até aqui, atentei para os fatos históricos marcados em Belém, de cujo ponto saíram Cabral e Vasco da Gama para suas aventuras e descobertas.

Fascinado por história, cuidei de visitar o Mosteiro dos Jerônimos, bem ao lado do local onde servem os internacionais “pastéis de Belém”, que, por sinal, degustei, após uma fila enorme cheia de gentes de todas as nacionalidades. Era dezembro de 2019, antes do Natal. Para lá fui dia 9 e de lá sai dia 29. Foram 20 dias de grandes aprendizados “in natura” ou “in loco”, se preferirem. Nada é mais vigoroso do que isto. Ali, dona Sonia e eu giramos o que deu. Não sem uma parada nostálgica à margem do Rio Tejo, com visão panorâmica da Ponte 25 de Abril, maravilha da engenharia e construída pelo ditador Salazar. Por ela passam veículos e trens. Um portento.

Na beira do Rio Tejo, num botequinho modesto, consultei o garçom como poderia ter Internet ali. Ele, imediatamente, me deu o login e a senha. E o sinal entrou rachando. E então meti uma live fora de gelo. Inesquecível.

Isso de sinal de Internet é muito doido: trabalhando na emissora oficial da Câmara de Balneário Camboriú, de vez em quando enfiamos um link de entrevista em vídeo. Os locais sempre têm problemas e falhas. Muitos em pontos ao lado da Câmara. E em duas entrevistas via link de vídeo, uma de Londres e outra de Lisboa, os sinais chegaram arrebentando. Alguma coisa tem aí nesse cafofo. E imagino o que seja.

Pois no Mosteiro dos Jerônimos, tive a honra de visitar os túmulos de Alexandre Herculano, Vasco da Gama, Camões e, destacadamente, de Fernando Pessoa (na imagem).

Foto: Arquivo Pessoal

O registro aqui é apenas para aliviar a barra de um ano que encerra e abrindo luzes para o ano que vem. Este 2022 teve péssimos momentos, entremeado de bons. É assim a vida, porém não gostaria de fosse tão duro o ano, ao perder um irmão, uma cunhada do coração e ver meu gatinho, como agora, com doença grave. 

De qualquer forma, tentemos alterar o rumo, com vontades, com disciplina, com rompimentos à força dos empecilhos e, quem sabe, com orações muito fortes. 

Saravá ou amém.

Como homenagem a Fernando Pessoa, meu personagem predileto, mostro um de seus versos marcantes, que muito dizem sobre meus anseios:

...Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero..."

Fernando Pessoa
Trecho de A passagem das horas

Por Aderbal Machado 17/12/2022 - 06:55

Corria o ano, se me não engano, de 1974 ou 1975. Murilo Canto, então um dos líderes do MDB de Criciúma, ciceroneou na cidade Tancredo Neves. Meu amigo, Murilo levou Tancredo para eu entrevistá-lo no programa jornalístico de debates que tinha na rádio. Depois do programa, Murilo nos levou para jantar na Churrascaria Castelinho, ao lado da emissora, esquina da Rua Marechal Deodoro com Rui Barbosa, de propriedade do Nim Milioli, pai do radialista Milioli Neto.
Sentados à mesa, sozinhos no restaurante àquela hora, continuamos a conversar sobre amenidades e política. Num dado momento, Murilo precisou se ausentar e deixou-nos, Tancredo e eu, aguardando o jantar.

Confesso que fiquei meio sem jeito. Afinal, a imagem de Tancredo, historicamente, o colocava no patamar de um ídolo político dos tempos do getulismo, a época áurea da política brasileira. Como admirador de Getúlio que sempre fui, fiquei meio pasmado diante de Tancredo. E comecei a fazer perguntas simples, quase envergonhadas, sem alcançar a dimensão de uma conversa com um homem daquela estatura histórica e de conhecimentos indiscutíveis na política nacional. E uma testemunha ocular e personagem principal de tantos acontecimentos que marcaram para sempre a vida do Brasil e dos brasileiros.

Mesmo assim, Tancredo fez o que um homem da sua imensidão moral e intelectual faria: ao invés de esperar que eu pudesse alcançar seu patamar – coisa impossível -, simplificou e iniciou a conversar sobre coisas de Santa Catarina, fazendo perguntas sobre mim e sobre a vida em Criciúma. Pediu minha opinião sobre a política local e sobre as pessoas envolvidas. Este foi um dos meus momentos de profundo aprendizado: deixar as pessoas à vontade, não ser arrogante, não tentar fazer prevalecer sua superioridade e nem demonstrar conhecimentos com a intenção de humilhar quem não os têm.

A tal ponto chegou à conversa que, na minha imberbidade profissional, lasquei a pergunta mais profunda e mais óbvia que me ocorreu. Sabendo ter sido ele um dos mais íntimos interlocutores de Getúlio Vargas, indaguei como ele definia o Brasil daquele tempo. E ele foi ainda mais óbvio: “O Brasil antes de Getúlio e o Brasil depois de Getúlio, esta é uma demarcação que nunca se apagará”.

Depois daquele momento, a história mostrou Tancredo Neves emoldurando os mais fantásticos caminhos da política nacional. E eu, claro, jamais poderia ter a pretensão ou a ilusão de, então, ter outro momento de intimidade com ele.

Às vezes a gente vive instantes que se perdem por não termos sabido dar-lhes a dimensão devida.

Por Aderbal Machado 10/12/2022 - 08:40 Atualizado em 10/12/2022 - 08:42

O mano Aimberê se foi numa noite pesada de sábado, 4 de setembro, após uma intensa luta de 25 dias contra males malditos. Apagou lentamente, relatam médicos. O coração perdeu o ritmo, simplesmente. 

Alimento-me, neste momento duro e pesado, das lembranças. Foi o irmão com quem mais me relacionei diretamente. Fomos parceiros na infância e na juventude. Os últimos a separar-se, com cada um seguindo sua rota. Depois disso, ainda, nos mantivemos ungidos por vínculos afetivos fartamente demonstrados nas breves ou nas longas conversas.

Diametralmente opostos politicamente, jamais perdemos tempo tentando um demover o outro de suas ideias. Jamais. Ficamos cada um na sua e fim. Os papos eram retos e apenas retóricos. 

Aimberê tinha forte cultura histórica. Estudou muito. Viajou bastante pelo mundo. Aproveitou bem seus momentos de pujança física.

Marinheiro saído da Escola de Aprendizes de Florianópolis, seguiu para o Rio de Janeiro, na Escola Naval de Villegaignon, onde permaneceu por três anos. 

Adorava e se orgulhava disso.

Estudioso, tornou-se o único dos seis irmãos a completar curso acadêmico. Formou-se em Direito. Nem chegou a advogar. Apenas se manteve vinculado a ações com outros advogados a fim de garantir seu registro na OAB.

Deixemos de currículo, porém. Prefiro ficar aqui, perto de chorar, rememorando as tantas peripécias vividas entre nós. Em Criciúma, moramos no mesmo quarto e dormíamos na mesma cama, uma peça de casal, a chamada “cama turca”, toda estofada, dos pés à cabeça. Linda e florida, comprada ali mesmo. Era a “Pensão do Seu Frasson”, na rua Marechal Deodoro, em frente à casa dos pais do Nereide Serafim, nosso amigo. Os donos, um casal simpático, nos envolviam mensalmente numa conversa de “inflação”, para aumentar o pagamento do aluguel do quarto. E a gente nem discutia, pois ali também fazíamos nossas refeições à moda italiana, algo incomum, pela fartura e qualidade caseira da “boia”. 

A vida em Criciúma e em Araranguá, em plena infância e juventude, nos balizou a personalidade. Aprendemos, na prática, a sermos racionais, simples (até simplórios) nos nossos gostos e prazeres. Contentávamos-nos com pouco. Ou com o suficiente para nos mantermos vivos. Aimberê sempre foi assim: racional. A ponto de, um dia, decidir vender o automóvel que possuía, por absoluta “inutilidade” de ter algo cuja manutenção e custo não compensava, segundo ele. 

Serviu como funcionário do Banco do Brasil por 25 anos, admitido por concurso. Chegou a ocupar várias chefias, inclusive a gerência do Posto Avançado de Paulo Lopes, onde, recebendo o dobro do salário, investiu em propriedades. Tinha isso: sabia valorizar o dinheiro.

Intelectual reconhecido, autor de várias obras literárias, nem parecia ser, tal a forma comum com que falava com a gente. Dizem que os intelectuais verdadeiros são assim: não demonstram. Ele era. 

Pois o Aimberê se foi e me deixa um legado de força mental e espiritual. Ele era agnóstico, mas tenho certeza que, pela sua obra e vida, Deus haverá de lhe dar a bonificação do livre-arbítrio. Pois mal jamais causou a alguém. Assim, embora descrendo, serviu aos propósitos de Deus, apesar de deles dissentir, filosoficamente. 

Sentirei muita saudade dos seus abraços fortes dos nossos encontros. E, sem dúvida, das sonoras risadas que dávamos contando piadas repetidas mil vezes e, para os demais, absolutamente sem graça. Mas nós sabíamos do que estávamos falando. 

Saludos, grumete. Até depois.

Por Aderbal Machado 03/12/2022 - 07:00

Comprar “cartucho americano”, água, cocada, pastel no trem marcava bem aquele tempo de guri, quando, com papai, seguia de Araranguá para Criciúma, com papai indo a serviço, na condição de advogado da CBCA. 

A oferta, a cada parada nas estações, se multiplaca. Um vendedor atrás do outro, sistematicamente. A mim, vejam só, parecia escandaloso vender água. Imaginava: tem em todos os lugares – é só jogar o balde no poço e pronto. Tinha pra mim ser uma excrescência natural. A inocência histórica...

Imagem: FCC - Prefeitura Municipal de Criciúma

Adorava, no curso da viagem, aquele som das rodas do trem passando pelas intersecções dos trilhos: ta-tac-ta-tac-ta-tac-ta-tac-ta-tac. Em compensação, os senões: a fumaceira preta invadindo os vagões, empurrada pelo vento. Cheiro ruim do carvão. E não raro se impregnava nas roupas. E muitas vezes a fuligem sujava a gente todinha. 

Uma hora e meia, com paradas e tudo, era o quanto durava a viagem. De ônibus também, mas o trem era mais cômodo. Quando se decidia pelo ônibus, muito raramente, mil paradas também pelo meio do caminho. E a voz inconfundível do motorista: “Maracajá, quem fica...”

E lá se ia o pessoal descendo. Chamava-se “pinga-pinga”. Tinha os diretos, como hoje. Mais caros na tarifa. Como hoje.

Em algumas ocasiões, papai, pela pressa e pelo conforto, convocava o Pedrinho, tradicional “motorista de praça” do Araranguá, seu amigo pessoal, para nos levar. Eu adorava. O Pedrinho ia conversando o tempo inteiro e a gente podia curtir a paisagem sem atropelos e sem aglomero. 

Até hoje sinto nas narinas aquele cheirinho de café novinho e dos pastéis dos bares de Criciúma, ao desembarcar na estação. E me conforta saber que vivi tudo, de corpo presente.

É forçoso ficar matutando, como em tantas lembranças daqueles tempos, o quanto de perdas tivemos de romantismo, de improvisos, de incômodos que hoje nos dão saudades – pois, nas comparações temporais, vimos o romantismo inocente indo embora. Muito dele já foi. Os mais velhos sabem disso como eu. E sentem saudades como eu. 

Era o tempo das conversas diretas, vis-à-vis, sem disfarces. O mundo era o melhor psicólogo para mentes confusas. Tudo simples, direto, sem sombras. Ah...

Por Aderbal Machado 26/11/2022 - 07:00

Valério era o entregador de pão da Padaria Brasil, ou “Padaria do Zacaron”, como dizia papai. Os pães, entregues de casa em casa, eram acondicionados em um balaio forrado por um pano branco. 

Outros entregadores, desde as épocas dos anos 40, 50, até os anos 60 e quem sabe um bocadinho dos anos 70, faziam o serviço em carrocinhas envidraçadas, nas quais os pães ficavam visíveis. 

Tudo isso hoje é impossível, pelos cuidados da higiene pública e riscos de disseminação de doenças. Verdade, porém: naqueles tempos ninguém dava a mínima pra isso. Valia o conforto do pão na hora do café, novinho em folha e sem preocupações com sair de casa.

No Araranguá, peixes eram vendidos de carrinho de mão, de casa em casa ou em paradas estratégicas em pontos das ruas ou das praças. O mestre dessa arte era o Neném Gago, cujo nome verdadeiro jamais soube qual seja. 

Neném Gago era gago mesmo, não apenas um apelido. Acordava-se com seus gritos: “Olha o peixe; é bagre e não é tainha”. Ou “olha a tainha fresquinha”. Vendia tudo. 

Ah, sim: aqueles tempos eram também os tempos de comprar lenha cortadinha, transportada em carros de boi. Um dos vendedores era o Romário (vejam só!). Havia uma ligação próxima dele com nossa família. Ele foi grande parceiro do meu falecido irmão Adherbal e sofreu muito com sua morte. Acabou sendo praticamente adotado por papai, embora sem morar conosco. Tinha em papai um cliente fiel para comprar suas lenhas. Hoje isso também soa improvável, por razões óbvias. O progressismo,  necessário até na maioria dos casos, isolou esses romantismos e desafios econômicos.

A mana Icleia atendia, todos os sábados, um pedinte chamado Zezinho. Ele batia à sua porta sempre, porém sem pedir esmola. Queria trabalho e receber por isso. A dignidade do cidadão...

O chavão: “Bom dia, dona Icleia.  A senhora tem lenha pra eu picar?” Sempre tinha. E Zezinho só ia embora de café tomado e dinheirinho na mão. Cliente fixo.

Os tempos da lenha serviam ao uso dos chamados “fogões econômicos”, de ferro, substitutos dos velhos e notáveis fogões de tijolos e cimento, até hoje símbolos vivos da boa cozinha do interior. 

E agora, escrevendo isso daqui, fico matutanto: o modernismo foi MESMO um bom negócio?

Por Aderbal Machado 19/11/2022 - 07:00

Ao ser admitido na Companhia Carbonífera Próspera, em 1964, meu exame admissional teve a assinatura do Dr. Raimundo Perez, radiologista renomado da cidade. Lembro-me da submissão a uma radioscopia e, ao final, sorvendo seu cachimbo indefectível e de aroma fortíssimo, o médico falava grosso e baixo. E assinou minha ficha, recomendando como “apto”. A saúde estava boa e foi um alívio. Estava garantido. Na Próspera fiquei por cinco anos (até 1970), quando saí para começar a carreira de radialista na Rádio Eldorado, levado pelo Antônio Luiz e com o contrato inicial assinado pelo Dite Freitas com a sua conhecida caneta de tinta verde, simbolizando o Metropol.

A ficha eu a tenho até hoje (está mostrada aqui, pra provar que não minto), incólume de intempéries. Relíquia. Seu valor histórico pra mim é inestimável.

Pois então:

O Dr. Perez atendia a gente quando se ia “entrar de salário-doença”. Ou seja: quando a gente ficava doentinho ou enjoadinho ou quando inventava uma indisposição para folgar uns dias, o Dr. Perez recebia a gente, atestava, mas receitava os medicamentos e lenitivos: não lembro de outros remédios por ele recomendados e lembro até hoje os que ele receitava fosse qual fosse a “doença” (acho que ele conhecia a malandragem dos fingimentos da turma): Debefenium (remédio pras “bichas”, também chamadas de vermes), Dinistenile (vitamina B12) e Glucoenergan (supressor de apetite e complexo vitamínico). Este último era aplicado na veia e dava um calorão danado. Tinha que ser aplicado bem lentamente. O mais lentamente possível. 

Como eram um bocado doloridas, essas injeções acabavam inibindo novas aventuras de vadiagem e até situações de fato.

Ainda me é muito viva a memória de alguns colegas que, nas tardes do escritório, resolviam tirar uma soneca dentro dos sanitários coletivos. Fechavam a portinhola, estendiam jornais no chão e ali deitavam, não sem antes pedir a um colega que o acordasse um tempo depois (sim, tinha uma “camanga” pra isso entre a turma), tirando um belo cochilo. Até que, não muito tempo depois, o Célio Grijó, chefe do escritório, foi alertado. E tomou uma decisão simples e fatal: mandou serrar a parte inferior das portinholas. Acabou com a farra dos dorminhocos malandros.

Tudo isso era formatado de maneira simples. O escritório era uma comunidade interessante e heterogênea. Corro o risco de esquecer alguns. Mas posso recordar do Hélio Souza, do Érico Machado da Rosa, do Casimiro Schaucoski, do Romeu Vanceta Drum (Toruca), do casal Maria Helena Frutuoso Schmitz e  Toninho, do inesquecível meu amigo Moacir Jardim de Menezes, do Otávio Gaidzinski, Ediz Milaneze, Olávio Pavei, Laurindo Lodetti, Altair Cascaes, Marli Luz e seu pai, Otávio Pacheco dos Reis e mais os chefões Mário Balsini e Jaci Fretta. Não posso deixar de citar Pedro Isaú Conti, se não a Leila vai ficar danada de braba comigo. E com razão. Tive com Pedro uma amizade de muito tempo. Depois, até, a gente trabalhou junto com o Sebastião

Neto Campos num projeto especial. Ele era o chefe e eu o datilógrafo de projetos. Como era um trabalho eventual e eu só aparecia de vez em quando, o Pedro Isaú não teve dúvida e me colocou um apelido: Cometa Halley. 

Aqueles tempos cheios dessas coisas todas eram insuperáveis em convivência. 

“Oh, que saudades que tenho...”

Por Redação 12/11/2022 - 07:00

Algumas conquistas ou caminhos da vida nos dão orgulho. Um deles, pra mim, foi ter a honra de servir ao Exército. Um ano de prestação com consequências eternas: disciplina, integridade, hábitos saudáveis, visão humanística, saúde mental e física.

Seriam oito meses, esticados para um ano (junho a junho, entre 1963 a 1964) em virtude da Revolução. Pra alguns, golpe; pra outros, movimento militar. Nem me importa o apelido a quem interessar possa. Façam bom proveito de suas idiossincrasias. Minhas vivências da época foram singulares, sendo desimportantes as qualificações.

Sair pelo Estado em grupamentos, como saímos, cumprindo missões superiores, nem sempre em condições ideais. Mas sempre, isto sim: SEMPRE superando os óbices apresentados e se adequando aos momentos e às circunstâncias. Dormindo em chãos de cimento duro, solo úmido, sob chuva, vento e frio, com longos períodos indormidos. Porém com as atenções voltadas à consciência do cumprimento do dever. Estávamos ali para isso. 

Lá se via e ouvia de tudo. Fazia-se graça, descontraia-se, viviam-se tensões, aprendia-se a comer o que tinha, nem sempre com a higiene hoje tão decantada e imposta. 

Levantar cedo, tomar banho frio – inverno ou verão – vestir-se rapidamente, não deixar botões expostos e “fora da casinha” (considerava-se o soldado nu quando um botão estava fora da casa): “Soldado, você está nu!”, exclamava o sargento. Podia-se olhar: em algum lugar havia um botão desabotoado. 

Até hoje, quando necessário, meus sapatos são por mim engraxados. Barba jamais a trato em barbearias. Minha roupa, tirada do guarda-roupa e um bocadinho amassadinhas aqui e ali, eu mesmo as passo a ferro. No Exército, lavávamos nossas roupas, enxugávamos e passávamos. Se quiséssemos e gostássemos. Porque mordomia passava longe.

Uma saudade imensa daquela época. E uma lembrança de arrependimento: cabo recruta bem comportado, com Menção Honrosa ao final do cumprimento do serviço, fui convidado a engajar. Disse-me o comandante da Companhia, o Capitão Carlos Augusto Caminha que, engajado, me mandaria para a Quinta Região Militar, em Curitiba e, lá, seria promovido facilmente e seguiria uma carreira boa. Ele gostava da minha disciplina. Não quis. 

O arrependimento me açoita até hoje.

Por Aderbal Machado 05/11/2022 - 07:00 Atualizado em 05/11/2022 - 07:53

Analfabeta (e, inobstante, de uma inteligência invejável), reativa, harmoniosa, gregária por excelência, frágil no físico e gigante no espírito, coração imenso, sorriso meigo, mamãe - Senhora Dona Amarfilina Martins Machado - faleceu num 1º de Novembro, em 1980, vítima de um câncer pulmonar. E jamais fumou na vida. 

Quando percebemos o câncer - e foi por acaso, ante a estranheza de ela caminhar se entortando para a esquerda. Perguntada, disse que não conseguiu endireitar-se, pois doía a lateral. 

Consultamos o Dr. Celso Menezes, oncologista de Criciúma, nosso amigo e, no dia 1º de Novembro de 1979, ele diagnosticou um câncer. Já havia consumido um dos pulmões e o outro "compensava", ocupando mais espaço, pressionando a coluna. Por isso ela se entortava.

Ele nos deu a informação, ao indagarmos quando tempo ela teria: "Um ano". Por triste ironia, foi exatamente um ano.

Durante esse tempo, devo dizer, jamais soltou um gemido ou uma queixa sequer, não demonstrou qualquer dor ou desconforto especial, exceto a perda de memória. A metástase agigantava-se a cada dia.

Até que a internamos (até ali tratávamos em casa) no Hospital Bom Pastor, do Araranguá.

Ali ela faleceu. Mansamente. Exatamente como viveu.

É importante afirmar: católica fervorosa, mulher de fé inquebrantável, assistia missas DIARIAMENTE (seis da manhã), na capela do Ginásio Nossa Senhora Mãe dos Homens, dos padres murialdinos, pertinho de casa.

Fazia-me acompanhá-la todos os anos ao cemitério, nos dias de Finados, na homenagem aos nossos mortos. Levava-me às missas aos domingos. Não obrigava, no entanto. Mas era difícil negar-lhe.

Nos dias da padroeira da cidade, era a primeira da fila nas procissões.

Às noites, à beira da cama, rezava o rosário inteirinho. Só depois adormecia. Sempre candidamente. Às cinco da manhã, ou antes, erguia da cama e partia para as fainas diárias, com uma disposição invejável.

Há episódios incríveis dela. Ficaria longo contar. Tinha reações inesperadas, como quando, ao deixar de pagar o consumo de energia, foram cortar (Força e Luz). Ela suplicou que não o fizessem, pois iria quitar. Negaram. Ela foi atrás de casa, pegou um machado e partiu na direção dos funcionários, que, claro, correram. E então meteu o machado no relógio, espatifou inteiro e sentenciou: "Agora podem cortar esta merda. E nunca mais liguem. Vou usar a lamparina". Usou sempre. Só parou quando, ao morarmos com ela provisoriamente - eu e dona Sonia -, religamos. Foi um tempo delicioso nossa vida em comum naquela casa com ela.

Os terrenos em que residimos eram sempre forrados de árvores e muitas plantações e hortas, cultivadas e plantadas por ela. A natureza lhe era importante. 

Aqui peço minha bênção à Senhora Dona Amarfilina Martins Machado, a velha analfabeta mais inteligente do mundo.

(NA IMAGEM, EU NO SEU COLO CARINHOSO, NOS IDOS DE 1945, NA BOA VISTINHA DO TURVO)

 

Por Aderbal Machado 29/10/2022 - 07:00

Às vezes me perco no tempo e me surpreendo a relembrar momentos distantes dos vínculos profissionais, porém próximos das saudades alimentadas no fervor das visões sonhadas nuns tempos bem servidos de fantasias.

Relembro, por atavismo e amor telúrico, os famosos “Torneios das Profissiões”, promovidos em Araranguá. Times formados por classes de trabalhadores disputavam, num só domingo festivo, no estádio antigo do Grêmio Fronteira e suas enormes dimensões, um título muito doido e inusitado.

Os jogos iam dos primeiros momentos da manhã até quase ao final da tarde, dependendo da quantidade de times em disputa. Cada jogo era 10m x 10m corridos, sem intervalo e sem acréscimos. O perdedor caía fora e o vencedor, automaticamente, seguia adiante. E assim ia o torneio, até chegar ao final. Eram os contadores, os advogados, os dentistas, os estofadores, os mecânicos, os funcionários públicos, os bancários, os comerciários, os industriários e assim por diante. Havia um limite, mas não lembro qual.

Atletas em disputas oficiais estavam fora. Veteranos podiam, se pertencentes à profissão. 

O torneio fez parte do calendário anual do Araranguá. Mas isso tem um tempo doido. Eu era guri, imaginem...

E na LARM, a tabela do campeonato se montava através de um “Torneio Início”. É quando o campeonato começava na Liga. Os vencedores tinham o privilégio de irem encabeçando a tabela. Ao final, estava formada a tabela – o quem contra quem. 

E isso tinha, igualmente, o cheiro e os ares de festa. As disputam eram no “Campo do Comerciário”, depois Estádio Heriberto Hulse do hoje Criciúma. 

Naqueles saudosos tempos dos times da região, alguns atualmente inexistentes. E impressionava a ferocidade (no melhor sentido) das disputas. Tempos do império “larmeano” de Próspera, Comerciário, Atlético Operário, Metropol, Itaúna, Minerasil, Barão do Rio Branco e vai por aí. 

Em ambos os casos – Araranguá e Criciúma – quando ainda os estádios sequer tinham arquibancadas ou alambrados. Tudo franco e aberto. 

Épocas em que os árbitros e os adversários tomavam todo o cuidado – nem sempre com sucesso – ao sair do estádio  (ou a chegar): passava-se, literalmente, no meio da torcida. Não era raro sombrinhadas na cabeça de árbitros ou adversários, por torcedoras fanáticas e mais afoitas, como a mãe de Jóia, Cecê e Mememo, jogadores do Grêmio Araranguaense. Relembro os nomes: Jóia: Joênio Luchina; Cecê: Antônio Reconci Luchina e Mememo: Zelmo Luchina. Todos meus amigos da época.

Por Aderbal Machado 22/10/2022 - 16:41 Atualizado em 22/10/2022 - 19:59

Bolinha – Carlos Eduardo Mendonça – quando trabalhou na Rádio Eldorado em Criciúma, fez um sucesso descomunal. Chegou arrasando como repórter esportivo: ia aos campos vestindo um agasalho coloridíssimo, cheio de bossa e fazia uma festa nas suas intervenções.

Simultaneamente, mostrou uma incomum verve como repórter político. E teve sorte, como todo bom profissional. Foi no tempo em que atuava por lá um famoso bandido chamado “Doutorzinho”, um bandido de classe média alta que se comprazia em se fazer passar por militares de alta patente e até médicos (ele foi estudante de medicina durante muitos semestres). Disseram, na época, que ele chegou a se passar por um coronel do Exército (estávamos no militarismo brabo) para abordar pessoas graúdas e assaltá-las. Nessa condição fez até sequestros de alto calibre.

Noutra ocasião, também disseram, se fez passar por médico em Turvo e lá teria até clinicado durante um tempo. Acompanhava-o um marginal feioso e perigoso cujo apelido (!!!) era “Chumbinho”. Na hora dos “atraques”, Doutorzinho fazia o papel do bom moço, educado e gentil, enquanto Chumbinho era o homem mau, o durão e frio (e era mesmo…).
Pois a Polícia saiu atrás dos dois por toda a região. Um dia, ambos apareceram mortos, enterrados nos cômoros da praia do Arroio do Silva, hoje município.

E quem fez a cobertura, num “furo” espetacular? O Bolinha. Imaginem a farra que ele fez, da forma espetaculosa que só ele sabia fazer. Ficou um mês deitando e rolando em cima do assunto, com informações exclusivíssimas todo dia.

Pois o Bolinha trabalhava na Rádio Eldorado e eu ainda não estava lá (entrei em 1970). Um dia, estavam o Antônio Luiz (gerente) e mais não sei quem apresentando o Jornal Falado do meio-dia. E Bolinha, no vidro da frente, junto ao operador de som, tentava fazer Antônio e seu companheiro rirem. E Antônio falou: “Não adianta, Bolinha, pode fazer a micagem que você quiser que nós não vamos rir.” E o Bolinha fez de tudo: balançou a barriga, espichou a boca, arregalou os olhos, revirou-os e nada. De repente, ele sumiu. Teria desistido?

Que nada. De repente, o Bolinha desceu a calça do agasalho (era de uma gordura imensa!!) ficou de costas para o Antônio e seu colega e esmagou o traseiro, apertando-o contra a divisória de vidro. Antônio perdeu a aposta. Rolaram a rir e o jornal acabou ali.

Por Aderbal Machado 15/10/2022 - 07:00

Seja em rádio, no meu começo – ou em televisão, um pouco mais adiante e também no começo, havia empecilhos sumários ou imensos, dependendo da circunstância ou momento. Transmitir ao vivo se enquadrava como uma epopeia: envolvia pedido de linha à Telesc, preferencialmente uma “LPP”, convencionada como “ida e volta”, para transmissão e escuta a um só tempo. Pedido, diga-se, com antecedência. Dependendo da ocasião, com dias de prazo. Caso, por exemplo, da transmissão da eleição indireta de Colombo Salles em 1970, na Assembleia Legislativa, ainda localizada naquele casarão cinzento-escuro da Avenida Rio Branco, depois sede do Batalhão da PM. Hoje não sei o que seja.

Houve casos hilários, como quando Antônio Luiz e eu fomos transmitir uma regata da classe “snipe” no Campestre Iate Clube, hoje Condomínio Villa Suíça. Chegando lá, montamos o aparato todo, liga daqui, liga dali, confere a linha (“alô estúdio, alô estúdio, se estiver ouvindo dá dois cortes”). Depois de uma meia hora, terminamos e íamos iniciar a transmissão. Mas, transmitir o quê, aquele monte de barcos a uma distância enorme, lá no meio da lagoa, significava o quê mesmo? Quem estaria vencendo? 

Olhamos para o lado e lá estava Silvio Bittencourt, o comodoro do Iate Clube e dono do lugar todinho, sentado com outro sujeito a falar e beber cerveja. Ao perguntarmos ao Sílvio sobre a disputa para se familiarizar com detalhes técnicos, ele apontou ao sujeito sentado com ele: “Já terminou. O Nelson Piccolo aqui sentado comigo, venceu”. Nelson era campeão mundial da categoria. 

Enfiamos a cara no chão e saímos vermelhos de vergonha. Vexame.

Ensacamos todo o equipamento sem organizar muito e nos mandamos embora.

Na eleição de Colombo, em Florianópolis, em 1970, também fomos eu e o Antônio Luiz, mas aí a transmissão saiu direitinho. Ali conheci Ramiro Gregório da Silva, mais tarde meu camarada dileto na Rádio Aquarela (hoje Marazul) de Barra Velha, então absoluto em Joinville pela Rádio Cultura. Cheio de marra e competente colega. Fazia chover canivete nas transmissões.

Aqui homenageio os tantos colegas que tive nos tempos da TV Eldorado, pioneira no sul e jamais esquecida no seu protagonismo forte no sul inteiro, de fio a pavio. Saudades ardidas daquele tempo.

Porque sem eles nada seria igual. Abração a todos.

Por Aderbal Machado 08/10/2022 - 08:00 Atualizado em 08/10/2022 - 08:18

Lembro de Adhemar Ghisi, deputado federal da Arena, eleito com o apoio decisivo do “velho” Diomício, nosso grande líder do sul. Insubstituível.

Chegado de Brasília, nos fins de semana, sempre trazia com ele uma enorme fita de rolo para rodar na rádio. Ainda escolhia o horário: meio-dia. Nada casualmente, dentro do Jornal Falado que eu produzia e apresentava. As fitas jamais tinham menos de meia hora de duração. Eram seus discursos integrais sobre temas da região. Com apartes e tudo.

Eu ficava puto da cara com aquilo, no início, porque desmantelava todo o roteiro do programa. Depois, absorvi, porque tive uma conversa com “seu” Diomício, após chamar-me. Me disse o “velho”: “Machado, o Adhemar é nosso candidato e nosso deputado.

Se nós não apoiarmos e ajudá-lo, quem apoiará e ajudará? Os comunistas? A rádio está aí para isso, ou para que você acha que eu tenho rádio e faço política?”

Relaxei e absorvi, mantendo com Adhemar, ao longo do tempo, uma sólida relação de amizade.

(Um detalhe solto aqui: no rastro dessa relação ele me convidou e me levou a visitar Brasília – a primeira vez em 1973, na eleição de Maria Hermínia Aléssio como Miss Santa Catarina, concorrendo ao Miss Brasil, concurso que transmitimos ao vivo – eu e o Darciony Silva. O Adhemar foi nosso anfitrião.)

Lembro como se fosse hoje: o prédio da Eldorado, na Rua Rui Barbosa, ao lado do Edifício Comasa. Muitas vezes, quando não trazia fita em rolo com seus discursos, Adhemar ia falar ao vivo ao meio dia. E então o programa se ampliava para até uma hora ou mais.

Terminada a entrevista, a gente chegava à janela com vista para o Comasa, e aquela fila enorme de gente à frente do escritório político do Adhemar (que ficava no edifício). Adhemar nem havia almoçado e eu dizia: “Escapa, Adhemar, vai almoçar”.

Ele, no seu estilo de político popular e dedicado, dizia: “Não posso deixar meu povo esperando. Vou comer um sanduíche e vou atendê-los. É para isso que fui eleito”.

Tive pelo menos um entrevero sério com o Adhemar. Foi quando ele estava num evento e eu fazia cobertura e, na pressa de sair para poder veicular a matéria, saí sem entrevistá-lo. Ele se queixou para o velho Diomício, que me chamou para explicar.

Expliquei, mas mesmo assim ele ficou acabrunhado comigo. Levei o caso ao Evaldo Stopassoli, então diretor da rádio, e ele foi categórico: “Estou contigo. Vai firme. O tempo resolverá tudo”. 

Passamos um tempo de cara virada. Mas, pouco depois, Adhemar foi citado como um nome possível para ser candidato ao governo, nomeado pelos milicos (1975, eleição indireta). Não tinha muitas chances, mas estava lá o seu nome na lista.

Adivinhem qual foi o único jornalista que publicamente o apoiou e defendeu como candidato? Euzinho mesmo. Então recebi um telefonema emocionado do Adhemar, quase instantâneo, me agradecendo e retornando à nossa velha amizade, que perdurou até sua morte.

Se Santa Catarina deve muito – o Sul em particular – a algumas pessoas, por certo uma das principais é Adhemar Ghisi. Minhas homenagens a esse guerreiro da vida.

Por Aderbal Machado 01/10/2022 - 07:00

Personagem folclórico dos bons tempos do Araranguá, torcedor emérito e cativo do time do Grêmio Esportivo Araranguaense, Loló viajava com a delegação sempre. Eu era goleiro reserva do aspirante (tudo pelos idos de 1958/1959). O goleiro titular e absoluto do time era o Nilson (Matos Pereira), com o Nedo (Enedir Perraro) na reserva. Houve jogos em que Nedo assumiu a posição,  =porque o Nilson cismava de jogar no ataque. E o Quitandinha (Alirio Monteiro), técnico do time, o escalava como centro-avante. Não tinha como  não escalar, ou o Nilson ficaria zoando no ouvindo dele o tempo inteiro.

Pois o Loló, nosso personagem, costumava beber todas. Entrava no ônibus já “abastecido”. Embora isso, era dócil, não encrencava com ninguém. Só ficava na galera, torcendo feito um doido, berrando alucinadamente. Era nossa mascote, por assim dizer. Pois fomos disputar uma partida na Mineração da Içara contra o Barão do Rio Branco. Campinho pequeno, sem cerca e sem alambrado, a torcida fungando no cangote dos jogadores e do árbitro. Acabamos empatando em zero a zero. A torcida local não gostou. E resolveu nos pressionar e provocar. Ao tentarmos ir para o ônibus, um corredor polonês se formou. Ficamos quietinhos e fomos nos encaminhando. Todos no ônibus, motor ligado, cadê o Loló? 

Uma gritaria lá fora, tumulto, amontoado de gente, a caboclada cercou o Loló e batia nele com vontade. Saímos correndo do ônibus e fomos em socorro dele. Empurra daqui, empurra dali, bate daqui, leva sopapo de lá, pegamos o Loló todo estropiado e levamos pro ônibus. Não sem pressão total. O ônibus arrancou e saímos do sufoco, finalmente. 

Mais aliviados, cuidamos do Loló, todo rebentado, mas firme. E perguntamos o que deu na cabeça dele de provocar os caras naquela situação de vulnerabilidade. “Falaram gracinha pra mim, eu não gostei e fui pra porrada”.  Na realidade, “fui pra porrada” era um eufemismo mal colocado para dizer que apanhou pra burro e não conseguiu bater em ninguém.  

E Loló, mesmo assim e olhando pra nós, comentou: “Nossa, “briguêmo” barbaridade, né?” A gargalhada geral encerrou o episódio. Loló era uma figuraça inesquecível.

Até hoje não sei o nome do Loló, como não sei o nome de tantos araranguaenses diletos do meu tempo, que só eram conhecidos por apelido. Araranguá era requintada em apelidos: Nadico, Lulu, Joia, Mememo, Cecê, Piava, Pé-de-carne, Savelha, Bagre, Pinguim, Cabide, Foguinho, Cambota, Lelém, Ferrinho, Inchume, Boça, Dedagem, além de tantos outros que, se eu puxasse pela memória, iriam brotando.

(A imagem que escolhi para ilustrar esta crônica e que me é especialmente querida foi esta. A lateral da Praça Hercílio Luz, com seu casario misturando as arquiteturas, local de residência de muitas famílias tradicionalíssimas da cidade. A visão é, exatamente, a partir da esquina de nossa casa saudosa, ao lado do Posto do André Wendhausen. Quase choro ao visualizar. Foto: Salvador. História imorredoura)

Por Aderbal Machado 24/09/2022 - 07:00

Tempos de TV Eldorado, lá no começo, ao redor do ano de 1980, montei um programa chamado “Rosa & Azul”, em que entrevistava três casais e entrevistava e apresentava também artistas (na imagem, uma das apresentações com o famoso grupo Genghis Khan).

Começava sorteando quem ficaria para as primeiras perguntas, cinco perguntas. Depois, voltariam maridos ou esposas para responder também e ver se as respostas coincidiam. Então, somavam pontos ou não.

Convidei o Manique (Algemiro Manique Barreto), então prefeito, e a esposa Dona Zulma. Convidados outros dois casais, mas não recordo quem eram. Ao convidá-lo, Manique me perguntou que tipo de perguntas faria. E eu disse: “Sobre as vidas de vocês, apenas”. Ele então tomou o cuidado de anotar nas mãos data de casamento, onde casou, coisas assim. Foi azarado: as únicas perguntas que não lhe fiz foram sobre isso.

Na primeira ele já engasgou. Perguntei-lhe se ele havia vindo de carro ou de carona. “De carro”, disse ele. E fuzilei a pergunta simples: “Qual a placa do seu carro?”. Ele arregalou os olhos, me fitou e foi obrigado a dizer: “Não sei”. Começamos a rir e respondeu as demais perguntas sem problemas sobre suas preferências à mesa, qual seu hábito ao levantar, etc, etc...

E então rodiziamos com Dona Zulma, com o Manique saindo do estúdio e indo para uma sala isolada com os demais maridos, sem monitor de televisão.

A primeira pergunta foi a mesma para Dona Zulma: “Perguntei ao Algemiro qual a placa do carro dele. A questão é: ele lembrou?”. Dona Zulma, conhecedora profunda do maridão, não teve dúvida: “Não lembrou”. Insisti:  “Tem certeza?”. E ela foi definitiva: “Certeza absolutíssima”. E assim ganharam os pontos desta fase. A partir daí foram feitas perguntas às esposas, depois conferidas pelos maridos. Era a sequência do programa. Saudoso programa da TV Eldorado velha de guerra.

Note-se: a placa do carro do Manique era CR-5555.

Dr. Ney de Aragão Paz e os tempos de honra

Outro episódio. Vereador do MDB, o dr. Ney de Aragão Paz foi por mim entrevistado e revelou algumas coisas “perigosas” sobre a política e seu partido. Quase em tom de confidência, mas não pediu segredo. Ou o famoso “of the records”. Então publiquei. Deu um reboliço danado. Foram cobrar dele e exigir que me cobrasse responsabilidade. Ao falar sobre isso na tribuna da Câmara (que ficava na Galeria Bristot, primeiro andar), ele foi enfático: “Revelei ao jornalista informações reservadas, mas não lhe pedi segredo. Portanto, o erro foi meu. Ele fez o que deveria fazer, como profissional. E o que eu disse, está mantido”. 

Tempos de honra.

Por Aderbal Machado 17/09/2022 - 07:00 Atualizado em 17/09/2022 - 10:10

Nem mais me recordo o nome da revista. Em 1959 ou 1960, o fotógrafo Osmar Zapellini, um mago das imagens, editava uma publicação em cores (uma ousadia para a época!), mostrando muitas imagens da cidade e expondo matérias sobre gentes e coisas. Algo bem social. 

Duas dessas matérias estão vivas na minha memória: uma sobre o Metropol, destacando Chico Preto, numa foto do atleta aplicando uma “bicicleta” à Leônidas – seu “inventor”. Metropol já era uma lenda com Mário Romancini e Dorny, seus goleiros, Sabiá, Pedrinho, Flázio, mais tarde Nilzo, Valdir Paulo Berg, Calita, Rubão (outro goleiro, o mais famoso deles, folclórico), Sílvio, Márcio, Madureira, Edson Madureira (irmão do Madureira, mais novo, depois jogou no Internacional de POA), Vevé e tantos outros.

A outra matéria enfocava a Rádio Eldorado dirigida por Sérgio Luciano (Joci Pereira), como relatou a matéria. Compunham a emissora nomes como o de Antônio Luiz (Antônio Sebastião dos Santos, mais tarde gerente e diretor), Clésio Búrigo, Kátia (Adelaide Delci Broleis), Odery Ramos e outros nomes, que, como no caso de jogadores do Metropol, não lembro. A reportagem tinha fotos que me extasiavam e me faziam sonhar com o dia em que pudesse, também, até pelo atavismo inspirador que emanava em mim, vindo dos irmãos radialistas, ser um locutor e merecer este nome.

Em 1961 fui para Criciúma, aos 17 anos, trabalhar – e aprender, mais aprender que trabalhar – com o Aryovaldo, mano mais velho, que já tinha um nome consolidado na cidade. Ele era vereador do PTB (aquele legítimo, o do Getúlio, do Jango e do Doutel, amicíssimo do Aryovaldo) e, como tal, foi nomeado Chefe de Gabinete do prefeito recém eleito de Criciúma, o jovem advogado Neri Jesuíno da Rosa, do PTB. Virei auxiliar de almoxarife (e, bênção de Deus, tenho a ficha funcional até hoje, lá se vão mais de 60 anos).

E assim começou a saga. O fim, só a vida me ensejará. Não tenho pressa.

Minha ficha de empregado na prefeitura:

Por Aderbal Machado 10/09/2022 - 07:00

“Saudade, muita saudade; A mim perguntas: de quê? Vou dizer-te uma verdade:

Saudade só de você…” (JG de Araújo Jorge).

Sinto saudades da margem do rio Araranguá, tomada pelo mato, grandes árvores, trapiches e pescadores bissextos, abrigos de lanchas, como a do “seu” Tuca Campos, que ficava ao ar livre, sem seguranças, sem travas e ninguém nela tocava;

Sinto saudades do ronco dos caminhões, “chorando” na primeira marcha para subir a “lomba do Paulo Hahn”, de chegada ao centro de Araranguá a partir do bairro Cidade Alta;

Sinto saudades do Nego Bahia, vendedor de loterias que ficava na calçada do antigo Café Ouro Preto, em Criciúma, chamando todo mundo de “Majó” e sobrevivendo sorrindo, sempre com um otimismo contagiante.

Sinto saudades, em Criciúma, da loja “A Brasileira” do Max Finster, com o balconista Mário Belolli, sempre vendendo roupas de primeira linha para homens de bom gosto.

Sinto saudades, em Criciúma, das Lojas Renner, (“a boa roupa ponto-por-ponto”) do Sinval Bohrer, um cavalheiro com ares e polidez de um “gentleman” inglês.

Sinto saudades da primeira vez que fui a Laguna, a convite do Agilmar Machado, meu mano e gerente da Rádio Difusora e lá vivi momentos maravilhosos, cheirando história e tradição.

Sinto saudades das matinês dos domingos à tarde, quando a gurizada assistia aos seriados de Flash Gordon e Capitão América no Cine Roxy, do Araranguá e lotava a sala.

Sinto saudades de quando, sem televisão, computadores, jogos eletrônicos, brinquedos sofisticados, a gente se reunia para apenas conversar e bolar como ludibriar o vizinho dono daquela goiabeira maravilhosa.

Sinto saudades quando a gente, em turma, ia apanhar araçás e outras frutas silvestres nos matagais perto de casa e brincava de “mocinho e bandido” no paiol de farinha de mandioca do Pedro Gomes, na Cidade Alta do Araranguá.

Sinto saudades do tempo em que “droga” era apenas um palavrão quase nunca proferido.

Sinto saudades das crendices como as almas penadas das noites escuras, dos potes de tesouro escondidos nas portas dos cemitérios (que só poderiam ser cavados à meia noite, e sem companhia…), da “tosse comprida” que poderia ser curada com um chá de bosta fresca de vaca, de que a cura da gagueira poderia se dar com uma bela porretada com uma concha de feijão na testa do gago e de que mulher grávida que pulasse vala teria filho com lábios leporinos.

Sinto saudades dos tempos em que, nos bailes-domingueiras, arrasta-pés empoeirados, as mulheres dançavam entre si para esperar dois rapazes virem separá-las com palminhas compassadas.

Sinto saudades dos finais de tarde exalando cheiro de flores silvestres, o cinamomo do quintal baloiçando devagar e as andorinhas no alvoroço do pôr do sol com sua cantoria, pousadas nos fios elétricos.

Sinto saudades de quem eu fui, guri sem nada a aspirar, querendo só um dia crescer, namorar, assistir filmes censurados, sair à noite e sonhar com uma roupa nova e um sapato brilhoso que o velho Telésforo, meu pai, não podia comprar.

Sinto saudades de 1961, quando, chegando a Criciúma para iniciar uma trajetória muito doida e surgir para o jornalismo, ganhava um salário-mínimo (Cr$ 7.200,00) e com ele pagava comida e quarto e não sobrava nada para coisa alguma.

Ah, tempo gostoso de não ter nada. Só felicidade de viver.

Por Aderbal Machado 03/09/2022 - 07:00

Meu mundo ficou menor. O mundo da família Machado ficou menor. O velho jornalismo da melhor cepa ficou menor. Foi-se o mestre dos mestres.

A morte de meu mano César, ou Attahualpa, atingiu em cheio a estirpe. Ele foi o precursor. Ele foi o cabedal.

Logo depois de sua morte, no outro dia, ainda com os olhos inchados de tanto chorar, escrevi isto:

Permitam-me. 

A morte de meu mano César, ou Ataualpa, como escreviam alguns, ou Atahualpa, como escreviam outros pensando estar fazendo corretamente (ele corrigia sempre: é Attahualpa. Como no registro. Tinha esta mania do correto), abriu um vácuo na família. Mais velho dos seis irmãos viventes, dedicou sua vida a forjar liames. Sua família, estruturada na raça e na vontade, forjou dois juízes respeitados: Osíris e José Clésio. Daí vieram dois netos, também juízes: Marco Augusto e Marco Aurélio Guisi Machado.

Cesinha, como a gente chama o terceiro filho, é economiário da Caixa Econômica Federal e escritor renomado. Dele só poderia sair coisa assim. Rigoroso jornalista de português castiço, radialista de uma agudeza temida por onde passou – Tubarão, Florianópolis, Criciúma e São Paulo, tinha por norma exigir perfeição.

Até pelos seus exemplos.

Agnóstico, exerceu uma suprema contradição ao ser contratado para chefiar o radiojornalismo da Rádio Tubá, de Tubarão, comandada pela Diocese Metropolitana. Dirigida por um padre e comandada por padres. Quem o contratou, por ingerência pessoal, foi Dom Anselmo Pietrulla, então Bispo Diocesano, que o sabia agnóstico e questionador dos meandros da fé.

Certa ocasião, numa de suas conversas privadas, Dom Anselmo tentava dissuadi-lo e levá-lo para a fé religiosa. Attahualpa, sem qualquer titubeio, chocou o Bispo: “O que o senhor prefere: um católico papa-hóstia e trambiqueiro, que só se confessa por formalismo, ou um ateu honesto, solidário, filantropo e benévolo?”

Dom Anselmo não teve dúvida: “Fico com o ateu”.

E a conversa ficou por aí. Trabalhou na Rádio Tubá, com Dom Anselmo no comando, por 10 anos. E jamais tiveram rusgas. Por questões de religião, por política ou por questão ética ou profissional.

Não, não era ateu. Fazia questão de afirmar. Era agnóstico. Entretanto, por muitas vezes falamos sobre fé – e levei-lhe sempre minhas convicções. Ele jamais as questionou. Ouvia com a mesma atenção com que queria ser ouvido.

Mas eu duvido, sinceramente, que neste momento, Deus não o tenha acolhido. Sua falta de fé na Terra se inseria no Livre Arbítrio Divino. Até porque ele alimentava seus sentidos de descrença nas suas teorias para consumo interno, eventualmente exteriorizadas. Jamais as consumou na prática, tal a força com que agiu, tal a vontade e o determinismo com que viveu a vida, tal o poder que exerceu para o bem de todos os que o cercaram.

Jamais alguém poderá creditar-lhe uma injustiça sequer, cometida por desvario ou por intenção. Sequer, arrisco dizer, por descuido. Tal era seu espírito de harmonia e benevolência. Tal era seu rigor consigo mesmo ao desvelar-se a filhos, a netos, à esposa, aos irmãos e aos amigos. E ao “velho” Telésforo, nosso pai, a quem ele venerava e quis com ele ficar, em Araranguá, para onde foram suas cinzas.

Nosso mundo – e não é chavão – ficou menor sem o César. Fico-lhe devendo, mano, os muitos momentos que passamos a sós, revelando nossos segredos, emulando nossas idiossincrasias, atritando nossas diferenças. Saudades das suas broncas, das suas correções, das suas lições.

Tão pouco tempo, tão poucas horas que você se foi e já parece uma eternidade.

Por Aderbal Machado 27/08/2022 - 07:00

Uma coisa típica do saudoso Evaldo Stopassoli, nosso diretor da Eldorado, era comemorar, todo ano, o Dia do Radialista homenageando os profissionais com um almoço. Normalmente, em uma churrascaria ou restaurante. Fomos algumas vezes ao Morro dos Conventos, até ao restaurante do Criciúma Clube. Numa dessas ocasiões, já com televisão e rádio acopladas nas nossas atividades diárias, ele contratou almoço na Churrascaria Bezerrão, na Seis de Janeiro, em frente à Praça do Imigrante e ao lado do então Cine Milanez.

Prato do dia: feijoada. O garçom designado para nos servir foi o Edgar. O Edgar era o mais famoso da cidade. Passou pelo Recanto de Kátia, Castelinho, o restaurante do Daltro Rabelo na Getúlio Vargas e por mais sei lá quais – e era chamado para grandes eventos.

Fã de Francisco Petrônio, um dia o artista foi ao meu programa na Rádio Eldorado, ao lado do Castelinho e, ao final, descemos e lá na calçada estava o Edgar olhando pra nós. Não resisti. Falei ao Petrônio do fã e ele fez questão de ir até lá. Convidado para um aperitivo servido pelo Edgar, foi e a turma toda sentou à mesa. 

Iniciou uma conversa entre os dois e, num dado momento, após Edgar citar passagens de programas e músicas do artista e detalhar partes de sua trajetória, Petrônio arregalou os olhos e disse: “Bah, nem eu lembro mais disso”. Pois só digo isso para espelhar bem a personalidade inefável do Edgar.

E nosso almoço de comemoração do Dia do Radialista no Bezerrão ele se superou.

Na hora de cada um pedir bebida para acompanhar, o Claudisnei Constante, cinegrafista – que pode confirmar isso, pois disse que a lembrança ficou marcada indelevelmente -, resolveu perguntar ao Edgar se tinha maionese.

O Edgar fuzilou um olhar para ele: “O quê? Maionese com feijoada? Seu grosso!! NÃO TRAGO! Vai buscar se quiser!” 

E o Claudisnei teve que ir, porque o Edgar não serviu e pronto. As risadas duraram muito tempo. Até hoje, quando, num desses encontros saudosistas da turma daqueles tempos, a história foi lembrada.

Por Aderbal Machado 20/08/2022 - 07:00

Corria o ano de 1964. Eu, cabo do glorioso Exército Nacional, acantonado em Laguna para uma missão, de folga, pedi ao meu comandante, capitão Carlos Augusto Caminha (mais tarde secretário da Educação de Colombo Salles e, depois, ainda, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado), permissão para visitar meu mano Aryovaldo em Criciúma. 

Autorizado, sob a recomendação de ir “paramentado”. Ou seja: pronto para qualquer emergência. Fardado, cinto de guarnição com munições e .45 na cintura e capacete de combate. Na época, as empresas de ônibus permitiam viagens de militares de graça. Fui.

Chegando a Criciúma, lá pela beira das 19h e trinta minutos, noite quase cheia, desci do ônibus e fui caminhando pela lateral de Praça Nereu Ramos/Rua Getúlio Vargas, na direção da Rua Santo Antônio, onde morava o Aryovaldo, num casarão maravilhoso de propriedade do concunhado Manif  Zacharias, altos da Praça do Congresso. 

De repente, à minha frente, andando devagar, reconheci Ézio Lima, amigo da família, que ia pra casa por aquele caminho. Resolvi conversar com ele e fui caminhando atrás. De repente, Ézio deu uma paradinha, mas ao me ver, seguiu adiante, acelerando o passo. Fiquei pensando comigo: “Ué, qual é a do Ézio?”. E acelerei também. E ele acelerou mais ainda. Até que, quase correndo, o alcancei e o chamei pelo nome. Ele parou, encostou-se no muro numa atitude de defesa e, quando cheguei mais perto, ele me reconheceu finalmente. 

Sua reação foi surpreendente: “Seu grande filho de uma puta!”.

Espantado, reagi: “Que é isso, Ézio?”.

E ele: “Desgraçado, pensei que algum milico tava me perseguindo (naqueles dias a cidade estava coalhada de soldados, que prendiam sem muitas cerimônias)”.

“E daí?”, perguntei eu.

E Ézio explicou: “Daí que tô eu aqui, vindo da rádio com a advertência do seu Diomício (nosso grande líder inspirador) para tomar cuidado. Ele, pra me ajudar em eventual defesa, me deu um 38 pra trazer, que tá aqui na minha cintura. Se um milico me pega, até eu explicar quem sou e dar mil explicações sobre o revólver, tô lascado. Sabe-se lá quanto tempo ficaria preso!”.

E então desatamos a rir os dois daquela situação maluca. 

Ézio, necessário dizer, foi um dos radialistas/jornalistas mais competentes e autênticos que conheci. Tivemos um primeiro contato pessoal em 1959, quando ele, diretor da Rádio Tubá de Tubarão, trabalhava ao lado dos manos Attahualpa César e Agilmar, outros monstros do rádio-jornalismo do sul, meus mestres.

Lembro como se fosse hoje dele e César ouvindo o jogo Hercílio Luz e Paula Ramos (Florianópolis), na decisão do estadual daquele ano, na Capital; 3 x 1 para o Paula Ramos, se a memória não me trai. A cada gol, Ézio exclamava: “Acharam o buraco na defesa”. 

Ézio é pai do meu compadre e prestigiado advogado Gilberto Procópio Lima, marido da minha comadre e exitosa empresária do ramo imobiliário em Içara, uma alma grandiosa que sei bem o tamanho por tantos atos e fatos. A campeã. Outro dia falo de coisas da convivência com minha comadre e meu compadre naqueles bons tempos em que tínhamos como elo comum os pais de Raquel, o saudoso Castilho e a inesquecível Júlia, com quem disputávamos furiosas partidas de canastra, inesquecíveis até hoje.

Narrarei um episódio histriônico ao extremo, quando íamos passar o réveillon em Siderópolis, a convite do clube local e nosso carro enguiçou exatamente em frente à Maracangalha. E passamos ali o réveillon, sem muitas cerimônias. 

O tempo. Ah, o tempo, esse miserável que não volta mais...

Por Aderbal Machado 13/08/2022 - 20:00 Atualizado em 13/08/2022 - 20:09

Na velha Eldorado, lá pela década de 50, Osmar Nunes apresentava um musical pela manhã e o controle de som (ou sonoplasta, como se dizia muito) era o Olímpio Vargas. Ainda no Edifício Dom Joaquim, segundo andar.

Funcionava o “correio elegante”, com ouvintes oferecendo músicas para amigos, namoradas ou namorados nos aniversários ou até sem motivo algum.

Tipo “com muito amor e carinho” ou “simbolizando nosso amor eterno”, eram as frases usais dos oferecimentos. Detalhe: muitos desses oferecimentos eram pagos e a grana ficava com o apresentador. Diga-se: com permissão e estímulo do dono da rádio, como forma de remunerar o trabalho.

Tempos dos discos de acetato, muito antes dos long-plays, de vinil. Os discos de acetatos tinham uma música de cada lado e quebravam ao menor choque. Tinha que ter muito cuidado no manuseio.

Um dia, num desses musicais do Osmar Nunes, ele anunciou: “E agora, Nelson Gonçalves, com “Boemia”.  Cadê o disco? Não estava ali. Alguém esqueceu de organizar. Estava na discoteca, que ficava na parte da frente, ao lado do pequeno auditório.

O que fazer? Olímpio nem teve dúvidas: foi na chave geral, desligou a energia e apagou tudo. Foi à discoteca, pegou o disco, trouxe e colocou no prato, colocando a agulha no  meio da música. E religou a chave da energia.

Assim, o ouvinte imaginou, apenas, que “faltou luz” e não houve um descuido doido do programador (que, por sinal, era o próprio Olímpio).

Essas coisas não aconteceriam jamais hoje. Primeiro, porque a tecnologia resolve. Segundo, porque essa criatividade surgia nos apertos mais insondáveis do rádio daquele tempo. Um dia conto outras histórias dos improvisos.

Como no caso do contrarregra que, ao ter que disparar o som de um tiro, disparou o mugido de um boi. E o artista, surpreendido, não se fez de rogado: “Não adianta se esconder atrás do boi porque eu te pego assim mesmo”.

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