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DEIXE AQUI SEU PALPITE PARA O JOGO DO CRICIÚMA!
* as opiniões expressas neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do 4oito
Por Aderbal Machado 13/05/2023 - 08:14 Atualizado em 13/05/2023 - 09:10

Fechei meu ciclo de 79 anos no 10 de maio. Nascido numa quarta-feira, 9 da manhã, em 1944, na bucólica Boa Vistinha do Turvo, na época  Araranguá, por coincidência sendo também uma quarta-feira neste ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2023. Privilégio de poucos. Aqui chego envaidecido por tantas amizades angariadas ao longo deste correr do tempo, por tantas experiências vividas – de sucessos e fracassos, estrondosos muitos, corriqueiros outros. Eles – sucessos e fracassos – se revezaram. Porém, vejam só, cheguei aqui, numa velhice orgulhosa, mas cheia dos naturais inconvenientes. Não se queira poetizar essa coisa, não. A cabeça funcionando bem, mas o resto tá ferrado. Ficam aí bradando odes à idade provecta sem saber de suas vicissitudes desairosas. Um médico gerontologista  me perguntou: “Sente dores?”. Várias, respondi eu. Mais fácil saber onde NÂO dói. Pois ele retrucou: “Dê graças a Deus. Quando as dores sumirem, o fim chegou”. Então  me consolo ao suportá-las. A gente acostuma e convive sem maiores entreveros.

Sou da tese da Cher, ao ser perguntada por Oprah Winfrey sobre a velhice: “Acho uma merda” (está no Youtube, confiram). 

Há muitos sabores, em contraposição aos dissabores, contudo. Por exemplo, estou completando, em 2 de junho, um ano de atividades plenas na Rádio Câmara de Balneário Camboriú, contratado para “jornalisticar” em seus noticiários oficiais. Estou lá e louvo a paciência e respeito da nobre equipe de colegas. Como dizem por aí, “gente da melhor qualidade”. Melhor: é a pura verdade. Uma gama de mulheres e homens com alto tirocínio de como lidar com um velho impaciente, cheio de manias e critérios. Chefiado por gente mais nova – BEM mais nova – e carinhosamente chamado de “nosso estagiário”. E isso não me incomoda, pelo contrário, me faz sentir um guri. Com dores, com mobilidade reduzida, feio, careca, pobre, sapato apertado, morando longe, quase desdentado, mas um guri. Porque estou adquirindo conhecimentos inéditos e maravilhosos das tecnologias modernas, contidas nos computadores da programação. 

A vida é uma epopeia. Ou, como diria Chaplin: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”. Ipsis litteris.

Por Aderbal Machado 06/05/2023 - 11:33 Atualizado em 06/05/2023 - 11:37

Num sábado de maio, este dia 6 começou claro, com o sol entre nuvens.


Atrasado na remessa do texto semanal, aguardo a inspiração. Às vezes chega clara. Às vezes entremeada de incertezas ou convicções pouco intensas. Às vezes nem chega e me obrigo a ir colocando letra após letra, palavra após palavra até significar alguma coisa plausível e palatável. Às vezes consigo, às vezes não. 
Pois hoje, cheio da ressaca de uma festa italiana de ontem à noite, tento alinhavar, como se dizia no meu bom tempo de Criciúma, “essas mal traçadas linhas”.
E assim vou desfilando lembranças. Do Paulo de Lima, meu dileto colega jornalista e parceiro de tantas jornadas no rádio e na televisão, com quem convivi lado a lado, ouvindo muito, falando muito, rindo bastante. Nossas histórias eram ricas. Daria vários livros.


Do Antônio Rosa, meu parceiro de banca no jornal da TV Eldorado e um dos mais completos apresentadores de programas sertanejos, seguindo um pioneirismo da Rede Bandeirandes à época.
Do Milioli Neto, rápido e sagaz nos seus comentários esportivos e até políticos, quando para isso era instigado. Do Antônio Luiz, gerente e coordenador da TV e da Rádio desde quando entrei e até eu sair. Da sempre querida Adilamar Rocha, depois dona de um sucesso inusitado como apresentadora de programa de rádio e hoje, como tantos, colocada no ostracismo forçado. Diria – um ostracismo imerecido, dolorido e tolo para quem o impôs. Do meu compadre e editor Gilberto Lima – cujas aptidões ultrapassavam o normal, porque, além de manipular o equipamento, tinha a visão objetiva da notícia nas suas variadas nuanças. Do próprio Adelor Lessa, meu repórter, personagem hoje estabelecido com o sucesso conquistado, graças à sua ousadia no trato profissional. 
Poderia ir adiante e a nominata seria quase interminável, se circulasse ante nomes do pessoal da técnica, do pessoal de estúdio, dos câmeras, do pessoal da limpeza, dos diretores – como o sempre inesquecível Evaldo Stopassoli, lembrado aqui com gratidão e muita saudade. E também, esquecidos aqui por lapso natural de memória imposta pela idade provecta (79 anos), outros colegas ao longo do tempo. 
Pois é assim. Num sábado, a inspiração vem aos borbotões e nem sempre ordenada. Noutro dia, aqui mesmo, expandirei este relicário.


Boa semana pro meu povo de Criciúma, do Araranguá e do sul como um todo.


Arriba e adelante.

Por Aderbal Machado 29/04/2023 - 17:48 Atualizado em 29/04/2023 - 17:50

Noite fechada de sábado no Araranguá, papai com ataque de dispneia. Como de hábito – toda semana acontecia – saí eu atrás de médico para atendê-lo. Normalmente o Dr. Mendoza (Edward Avancini). Naquela noite ele estava na boate do Fronteira Clube. Lá entrei e pedi para chamá-lo. Me senti um abusado. A música que ressoava no ambiente era “Ave Maria Lola”. E lá vi todos se divertindo. Mulheres e homens elegantes, de vestidos belíssimos e ternos alinhados. Mas a minha sina era do desespero e, por isso, fiquei conformado. Veio o dr. Mendoza e sugeriu procurar o Nilson da Farmácia (Nilson Nunes), que conhecia o problema de papai e estava de plantão em casa. Fui e Nilson me atendeu. Foi lá em casa, aplicou uma injeção intravenosa em papai. O alívio veio logo. Papai começou a respirar normalmente. Parecia algo milagroso. Essas noites ruins de papai ficaram para sempre gravadas em mim. E hoje, vivendo o mesmo drama da deficiência respiratória, posso sentir seu drama.

Por Aderbal Machado 22/04/2023 - 08:56 Atualizado em 22/04/2023 - 09:02

Uma pouco de nostalgia histórica.
Quando nos dias de homenagem aos finados (2 de novembro), mamãe nos levava em uma quase maratona, andando da Praça Hercílio Luz até o cemitério do Araranguá. Uma caminhada e tanto. Todo ano, de forma sagrada. Contrito, olhava eu para as coroas brilhantes nas cúpulas dos túmulos e ia passando um a um, olhando as imagens dos falecidos, muitos dos quais meus conhecidos ou conhecidos da família. 

O túmulo onde jaziam os restos de meu avô Bernardino Machado e do irmão  mais velho falecido por afogamento no rio Araranguá no dia 16 de agosto de 1943 aos 15 anos de idade, Adherbal Telésforo, ficava lá pelo meio, antes duma reformulação ocorrida em que fomos obrigados a refazer o jazigo noutro local, onde está até hoje, com transferência dos restos mortais.

O ponto histórico é que, atrás desse túmulo, havia o de Apolinário João Pereira, político local de grande prestígio no final do século XIX, falecido quase ao final do século (18 de novembro de 1900), de infarto fulminante, enquanto dançava num baile festivo em comemoração à sua reeleição à Assembleia Legislativa. Está nos registros históricos.
No túmulo, só uma inscrição: “Coronel Apolinário João Pereira”. 

Ainda menino de pouco mais de 10 anos, eu olhava aquele breve histórico no túmulo de alguém a quem eu considerava um herói – pelas lições de história ditas por papai nas tertúlias eventuais de tardes quentes. Ele conheceu Apolinário pessoalmente.
Apolinário foi prefeito, deputado estadual, promotor público e escrivão.  

Um ícone da cidade.

Mais valiosa ainda a lembrança ao saber de sua proximidade com meu avô, Bernardino Machado, pois foram parlamentares juntos na Assembleia Legislativa até 1897.

Bernardino, aliás, foi nomeado como o prefeito de Palhoça – o primeiro – por Floriano Peixoto.

Essas raízes, às vezes, nas minhas elucubrações, inspiram fantasias. 
Afinal, penso, venho de uma cepa nada desprezível. Talvez não mereça a honra, mas sou de lá egresso.

Por Aderbal Machado 15/04/2023 - 07:00

Casimiro de Abreu disse com uma quase exatidão em versos do seu poema sobre minha exaustiva sensação de saudade torpe e cruel de um tempo ido e vivido – que, sei, jamais voltará.

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

E, passados mais de 75 anos, chicoteia minha cabeça a vida no sítio da Boa Vistinha do Turvo, adquirido por papai para suas tertúlias e bucolismos tão adorados por toda a família. Terra de mamãe. Lá se conheceram. Em meio aos laranjais e à sombra das bananeiras. Quem sabe em tarde fagueira. Tenho registro fotográfico de lá. Ainda bebê, começando a ensaiar os primeiros passos, de pijaminha de pelúcia.

E aí, queira eu ou não, com um aperto no coração, ouço uma voz no fundo da alma, ditas por Gonçalves Dias:

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."

Vivo uma vida satisfatória. Bem vivida, digamos, com os percalços comuns a qualquer um e em qualquer lugar, na maravilhosa Balneário Camboriú, cidade densamente urbanizada e sólida.

Mas o meu chão...

Ah, o meu chão...

Por Aderbal Machado 08/04/2023 - 08:03 Atualizado em 08/04/2023 - 08:05

Nosso gatinho Félix, levado por uma maldita doença, nos ensinou o valor da luta pela vida. É dele o mérito de nos oferecer oportunidades de demonstrar, afinal: animais de estimação são isso mesmo – de estimação. São seres vivos, não bibelôs de enfeite, utensílios descartáveis. Para muitos – infelizmente – valiosos e bonitinhos enquanto novinhos e saudáveis. Idosos e doentes há quem os jogue numa estrada deserta para morrer. Ou os sacrifiquem “para não dar despesas e trabalho”. Pois lhes digo: Félix era o meu menino, meu parceiro, minha companhia perene. Estava ao meu lado sempre, acarinhando e pedindo comida em nome dos demais. Por isso o epíteto de “chefe” a ele conferido por nós. Inclusive pela pose ostensivamente audaciosa e aristocrática ao andar, deitar e nos olhar.

Pois ele, de repente, ficou retraído e nem percebemos no tempo certo. Estava doente e definhando. Seu emagrecimento foi repentino. Perdeu muito peso em menos de 15 dias. Segundo as veterinárias, o câncer tinha uma agressividade incomum. Atingiu intestinos, fígado e tórax a um só tempo. 

Neste momento, creio oportuno aconselhar a quem tenha ou pretenda ter animais de estimação (talvez muitos saibam mais , mas ainda assim direi): preparem-se para os momentos de doença. É tudo muito caro e o Brasil ainda não possui um sistema público para animais. Com Félix, tentando salvá-lo e, ao fim, apenas para aliviar seu sofrimento – gastamos todas as poucas reservas de segurança financeira e mais um pouco. Ficou uma dívida ainda a ser paga no decurso de mais meses. Não importa isso. Venderia meu carro se isso fosse condição para salvá-lo. Por isso digo: ele nos ensinou o valor da vida. Por ela, para mantê-la, jogamos na frente tudo o conquistado. Em nome da permanência entre nós daqueles a quem amamos muito. Em nome, enfim, do amor fraterno, paterno, filial.

Enquanto isso, vemos dentre os humanos as maiores barbáries de desprezo à vida. Nem preciso ir adiante ou citar exemplos. Eles estão à flor do momento e da história. 

“Quanto mais conheço as pessoas, mais amo os animais”. Eles são capazes de morrer por nós, nos defendendo e se entristecem ou se alegram conosco. Precisamos corresponder na mesma medida. No mínimo.

Por Aderbal Machado 01/04/2023 - 08:57 Atualizado em 01/04/2023 - 08:59

Nos idos finais de 1950, começo de 1960, em Araranguá, estava eu no aspirante do Grêmio Esportivo Araranguaense. Mais por diletantismo. Nunca fui bom jogador, goleiro que tentei ser. Mas me fascinava a lida dos treinos, a bagunça do vestiário. Coisas marcantes: Adãozinho (Adão Fernandes de Souza) sempre chegava cantando, enquanto se arrumava: "Que importa saber quem sou, nem de onde venho nem pra onde vou...", música do Trio Los Panchos (El vagabundo). Adãozinho foi goleiro do fantástico time juvenil Flamenguinho do Valmarino (Valmarino Palmas, gráfico conceituado e dono de algumas casas de bailes famosas na época, as quais, inclusive, frequentei - os bailões de hoje, com muita Glostora no cabelo da rapaziada e Óleo Dirce perfumando as moças), mas desandou para o ataque, embora nanico, porém ágil como um gato. E Nilson (Matos Pereira), goleiro titular, que tomava banho gelado aos berros, porque dizia que ajudava a arrefecer o choque da água no corpo quente. Nilson foi reserva de Gainete na Seleção Catarinense de futebol da época. Outra coisa marcante era a dedicação do roupeiro, Gervásio, também servente do Grupo Escolar Castro Alves. Era ele que ajeitava o material, camisas, meias e chuteiras. Aliás, chuteiras horríveis, que eram amaciadas com sebo por causa do couro ressecado. As bolas tinham a dureza de uma pedra quando muito cheias. Na chuva, pesavam uma tonelada. 

Ainda guardo o tom idílico e poético da visão do Morro do Centenário, emoldurando o cenário a Leste do estádio do Grêmio Fronteira, então uma quadra inteira (hoje não sei). 

Os treinos duravam a tarde inteira, até escurecer. Chegando em casa, a ansiedade ficava por conta das refeições de mamãe. Geralmente minestra com queijo ou tomates verdes fritos com ovos mexidos, pois no mais das vezes não nos era possível comprar carne. 

Só reminiscência de um tempo que, infelizmente, jamais voltará.

Por Aderbal Machado 25/03/2023 - 06:30

Félix e suas características: grandalhão, reativo, carinhoso ao extremo, ares de líder até na pose (deitava-se com as perninhas dianteiras cruzadas e erguia a cabeça em majestosa imponência). Sabia suas missões: acompanhar-me toda madrugada deitado ao lado do computador, esfregando sua cabeça em mim e, antes disso, disparando patadas sucessivas em meu rosto para acordar-me e servir a ração a ele e seus súditos (são quatro). 

Quando Sonia e eu jogávamos baralho, ele ousava: subia à mesa e, acintosamente, deitava-se no meio, ocupando o espaço do jogo. Nem dava tempo de estender a toalha. Ele subia antes. Inesquecível. A gente jogava desviando do seu corpo ou o arrastava um pouco pro lado e pronto. 

Por último, acometido do terrível mal que o levou, teve momentos de recuperação, a ponto de imaginarmos a sua cura. Infelizmente foram apenas momentos. Depois, ele entrou numa fase dolorida, fatídica, fragilizante. Ao final, sequer conseguia mover as perninhas traseiras. Logo ele, que adorava subir nas cadeiras, armários e camas e nem isso conseguia mais. Cortava-nos o coração ver um gatão vigoroso daqueles transformado num boneco magérrimo, com o natural ânimo quebrado.

Para abreviar seu sofrimento, confesso ter imaginado eutanásia. E coragem, cadê? O seu olhar impediu. Ele parecia querer o curso natural: ir pelas mãos de São Francisco de Assis. E foi. Subiu numa madrugada morna de 21 de março. Deixou conosco seu coração e levou o nosso com ele. 

Combatemos o bom combate por quase três meses. Vencemos algumas batalhas, mas perdemos a guerra. E ficou a lição do amor. Perene e profunda.

Suas cinzas ficarão lá, num lugar de honra da casa – o seu lugar merecido. E continuará sendo nosso xodó. 

Amaremos você para sempre, gatão querido.

Por Aderbal Machado 18/03/2023 - 10:15 Atualizado em 18/03/2023 - 11:16

O jornalista Adolfo Zigelli escreveu um único livro, resumindo crônicas de sua autoria lidas no programa “Vanguarda”, da Rádio Diário da Manhã, de Florianópolis. O título era “As Soluções Finais”. Nele, o saudoso radialista e jornalista joaçabense ironizava as medidas governamentais, principalmente as chamadas ‘Comissões Especiais”. Dizia que, quando alguém não quer resolver nada, nomeia uma comissão.

Contou Zigelli naquele livro, a história de um dedo-duro da época dos governos militares. Vivia denunciando “comunistas”. Todos os dias ele ia ao 5º Distrito dedar “comunistas”. Até que, num belo dia de vento sul, o comandante mandou prendê-lo. E ele não entendeu. Frente a frente com o comandante, ele perguntou, estupefato: “Por quê?”. E o comandante, não deixando dúvidas: “É que você conhece comunistas demais”.



Zigelli – e não tive a felicidade de conviver com ele – faleceu em 1975, agosto, num acidente de avião quando ia para a sua Joaçaba na qualidade de Secretário de Imprensa do governo Konder Reis. Passado tanto tempo, Florianópolis, apesar de toda a evolução do seu rádio, ainda sente que um Adolfo Zigelli teria lugar cativo em qualquer emissora e com larga vantagem.

Por Aderbal Machado 11/03/2023 - 07:00 Atualizado em 11/03/2023 - 08:27

Nunca dei muita pelota para Rita Lee como artista. E quem eventualmente perdeu fui eu. Ela brilhou com absoluto fulgor no seu auge artístico.

E eu continuo o mesmo pé-rapado.
Jogadores de futebol, passei por admirações versáteis: Pelé, Zico, Nilton Santos, Gilmar dos Santos Neves, Didi, Vavá, Garrincha, Cristiano Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Gerson e tantos outros do passado e do presente um tanto quanto remoto. De hoje, pra mim, nem Neymar se salva. Todos estão no pacote das “raras exceções”. E olhe lá. Sim, talvez eu não entenda muito (ou nada) de futebol. Mas é assim. Discordem ou concordem à vontade, não me importo.

A minha admiração é por Sadio Mané, jogador do Bayern de Munique, um senegalês que passou por todas as agruras imagináveis de um africano paupérrimo e explodiu em sucesso. Ah, sim: minha admiração não é por isso. Fosse assim, alinharia outros – do próprio Cristiano Ronaldo até Johann Cruyff. 

Minha admiração por Sadio Mané é por sua visão simplista e objetivamente demolidora do sentido social do sucesso que alcançou.
Enquanto Rita Lee, nossa artista, ganhou minha admiração dando uma opinião pujante ao pedir para envelhecer sossegada (“esqueçam Rita Lee e me deixem em paz” – na verdade ela soltou um sonoro “foda-se Rita Lee”). Me ganhou porque resumiu num desabafo o quanto vale estar em paz consigo mesmo na derradeira quadra da vida, sem nenhuma ilusão tola.

Sadio Mané, perguntaram-lhe quantos carros tinha, quantos aviões, quantas mansões. Ele respondeu: “Pra que eu quero isso? Eu sei de onde vim; eu passei fome. Meu dinheiro é para ajudar meu povo”. E complementou que dá 70 euros para cada morador de sua cidadezinha do Senegal, construiu hospitais, escolas e estádios. 

Como não admirar Rita Lee e Sadio Mané? Fique apaixonado por ambos. E quem tiver a cabeça no lugar também fica.

 

Por Aderbal Machado 04/03/2023 - 10:55 Atualizado em 04/03/2023 - 10:56

Às vezes lembro dos roteiros cumpridos nos bons tempos do Araranguá e de Criciúma. Daqueles tempos idos de verdade, lá pelas beiradas de 1950/1960. No máximo até 1965. Quando a gente media distância de maneira muito diferente de hoje. Em Criciúma, por exemplo, o Colégio Marista, a partir do Centro da Cidade era muito longe. E ficava lá, isolado no meio da solidão. O Pio Correia era cheio de casinholas rústicas e poucas de alvenaria. Um matagal com caminhos de chão e sendas tortuosas sem final. A pirita comia solta. 

Ir pro Rincão assemelhava-se a uma viagem de obstáculos. Uma aventura cheia de suscetibilidades: passar no caminho das dunas sobre a “esteira” (caminho feito de trilhos de madeira e juncos para cruzar com as rodas dos veículos. Só um por vez, na ida ou na volta. Se saísse do trilho, chamava-se um trator e haja paciência. 

No Arroio do Silva era igual. 
Mas naqueles tempos, povoações pequenas, as praias eram mais românticas, mais atraentes, mais amigáveis, mais sociáveis. As pessoas ficavam muito perto uma das outras, criando, até uma interdependência salutar. Em suma, vivia-se mais e melhor – e a opinião minha é indissociável da realidade. Duvido muito quem, da época, pensa diferente. Pode até acrescentar pontos melhores, mas diferente não pensará. Enfim, não tinha tempo ruim. 

A distração era jogar baralho e bocha ou papear por horas a fio na frente das casas ou nos botecos de todas as esquinas.

Quando a memória me desafia a lembrar disso me dá um sentimento nostálgico quase venenoso. Por saber que aquelas maravilhas se foram para sempre. Ad eternum. 

Ah, mas permanece, ao lado ou misturado a esse veneno, a gostosa sensação que vivemos uma vida que alguém jamais viverá e, portanto, jamais sentirá seu prazer e seu gosto. E nunca saberá o que perdeu. 

O mundo da tecnologia, dos preconceitos, do politicamente correto jogou fora das estribeiras um jeito maravilhoso de viver. E fim. E que merda, cara: dá muita vontade de chorar.

 

Por Aderbal Machado 25/02/2023 - 07:00

É bom sempre mostrar que a vida é uma sucessão de conquistas, não importando o tamanho e a forma e derrotas são tempero (ruim)

Eu tive, por muito tempo, uma profunda frustração (decorrente de burrice humana e teimosia de achar que, como a vida estava indo, formar-se era o de menos): não tinha diploma de ensino médio. E, em consequência, estava impedido, tecnicamente, de um monte de possibilidades na vida.

Um dia, em 2018, decidi por prestar as provas do Encceja. Fui de cabeça e tudo. Sem estudar uma vírgula do programa do curso. Resultado: aprovado de prima.

Sem desvios. Direto. Notas medianas, resultado da natural falta de vivência escolar. Apenas a confiança. Ou, como justifiquei, usando raciocínio lógico. Pois eram mais de 65 anos longe de salas de aula.

Ruim de matemática e outras ciências, confiei na prova de redação e português. Resultado: minhas melhores notas foram em matemática e ciências. 

Recebi meu diploma, guardado com orgulho. Com ele, pude cursar escola para formação de Corretores de Imóveis. Aprovado com belas notas. Creci 41059-SC, para quem queira comprovar.

Antes disso, só para um tira-teima, decidi por prestar um vestibular. Com a ajuda e estímulo do meu amigo Leandro Índio da Silva (que pagou minha inscrição), prestei o exame: aprovado. Só não prossegui porque uma dificuldade se apresentou: sem conhecimentos básicos de matemática, física, biologia, química, iria apanhar muito. Por isso aconselho a ninguém se arriscar assim como eu: estude bem antes. Passe por um currículo normal.

De qualquer modo, me senti vitorioso por ter superado esses obstáculos que, ao longo do tempo, me pareciam monstruosos. A rigor e em princípio, não eram esse bicho todo. E não são. A estrutura do ensino é que precisa ser, em cada um, um instrumento de base. Num vestibular ou num Encceja dá até pra apelar ao raciocínio lógico. Mas um curso universitário é diferente: ou se sabe ou não se sabe. 

Não sei de que serve eu estar dizendo isso, mas digo.

Deu vontade.

Por Aderbal Machado 18/02/2023 - 06:00

Cascais, na Grande Lisboa, é um lugar lindo, singular, preservadíssimo, bucólico, histórico, suave e aconchegante.

Há nele impressionantes características: muito colorido nas edificações, um mar de orla curtíssima, monumentos para todo lado, bares e restaurantes esparramados nas suas ruas. 

Gostei ali dum detalhe: na lateral de sua principal orla há uma colônia de pescadores, aspecto rústico, aparência até meio desleixada – com lonas e bugigangas jogadas ao léu, cordames e peças de navegação. 

Indo lá, Sonia e eu, curiosos como brasileiros, perguntamos se havia algum controle sobre aquela situação. “Nenhuma” - foi a resposta. Os pescadores são originais dali. O lugar começou com eles. São, portanto, soberanos. 

Imaginei aquilo no Brasil: a vigilância sanitária fecharia num átimo e seria capaz de pespegar uma multa milionária, apreendendo os materiais e, sem dúvida, expulsando os pescadores.

O lugar tem algo que gostei do nicho dos pescadores, além do aspecto histórico: é cheio de gatos, justamente para caçar eventuais comunidades de ratazanas. Ou seja, eles combatem o mal com a natureza. Ciência de Darwin.

Pesquisei e soube: no térreo dos prédios ao longo das ruas daquele cantinho perto do mar não pode haver nenhum comércio, exceto bares, lanchonetes e restaurantes. Nada. A estrutura das construções é imutável. Nelas é terminantemente vedado mexer. Nem para alterar, nem para tirar, nem pra colocar. Nada. E as cores não podem ser mudadas.  

São coisas desse tipo que me fascinam em Portugal. E nem digo mais nada, por absolutamente desnecessário. Exceto Camões:

Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro

Os reinos e os impérios poderosos,

Que em grandeza no mundo mais cresceram,

Ou por valor de esforço floresceram,

Ou por varões nas letras espantosos.

Teve Grécia Temístocles; famosos,

Os Cipiões a Roma engrandeceram;

Doze Pares a França glória deram;

Cides a Espanha, e Laras belicosos.

Ao nosso Portugal, que agora vemos

Tão diferente de seu ser primeiro,

Os vossos deram honra e liberdade.

E em vós, grão sucessor e novo herdeiro

Do Braganção estado, há mil extremos

Iguais ao sangue e mores que a idade.

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

Por Aderbal Machado 11/02/2023 - 09:28 Atualizado em 11/02/2023 - 09:30

Fiquei olhando ao longe – com a imensidão do mar e das pedras agressivas, vislumbrando aquela visão magnífica e imaginando a cabeça de Camões ao sentenciar:

“Aqui onde a terra se acaba e o mar começa”, nos Lusíadas (Canto III), referindo-se ao Cabo da Roca, ponto mais ocidental de Portugal continental e da Europa continental. Fica na freguesia de Colares, concelho (sic) de Sintra e distrito de Lisboa.

O Cabo da Roca se precipita sobre o Oceano Atlântico e é visitável, não até o extremo, mas até uma área a 140 metros de altitude.

A sua flora é diversa e, em muitos casos, tem espécies únicas, sendo objeto de vários estudos que se estendem, igualmente, à geomorfologia.

Pois ali, em meio à modernidade, vê-se uma mistura de agressivo cenário – lindo e agressivo -, de matas extensas, caminho de pedras e chão batido ao longo da trilha.

Só Camões para cantá-la numa frase curta e definitiva: “Aqui onde a terra se acaba e o mar começa”.

Ali estivemos em dezembro de 2019, por recomendação da filha e do genro, que nos levaram até lá. 

No cume de um morro está o  Castelo dos Mouros e isso nos remeteu a sensações históricas seculares, de um tempo de Portugal invadida e recomeçada, país de descobridores e sábios. Como Camões, como  Fernando Pessoa, como Alexandre Herculano, para citar só três dos mais notáveis.

Poucos podem imaginar o que se sente ao lá estar. O sabor é indizível. O lugar é único, geográfica e historicamente. Não existe similar (o ponto mais ocidental da Europa e de Portugal continental). E por isso o seu imenso valor.

Saudades de Portugal.

Por Aderbal Machado 04/02/2023 - 08:40 Atualizado em 04/02/2023 - 09:57

Creio que corria o ano de 1972, sei lá. O bestunto não ajuda muito no relógio do tempo. Nereu Guidi, então presidente da Câmara de Criciúma e eu, seu assessor. Decidiu-se criar a Associação dos Vereadores de Santa Catarina, hoje União dos Vereadores. Fomos a Rio do Sul para um encontro definitivo.

A “comitiva” (não lembro mais quem a compunha) ficou num hotel muito perto de uma ponte, captando todo o ruído do trânsito que por ali passava. No barateamento de custos, ficamos em quartos duplos. Coube a Nereu ficar no mesmo quarto que eu; ou eu no mesmo quarto do Nereu, afinal a autoridade era ele, o secundário era eu. O

Nereu foi quem escolheu assim, em nome da nossa amizade.

Na primeira noite, depois de andar pela cidade à procura de algo para fazer – e nada encontrando – resolvemos dormir. No meio da noite, assustado, acordei com o Nereu de janela aberta, olhando o “movimento”. Preocupado, perguntei: “O que houve, Nereu?”

E ele: “Pô, cara, roncando do jeito que você ronca, pensei que estavas morrendo. Estou aqui, acordado, te cuidando”.

No outro dia, fomos jantar em um restaurante (não esperem que eu lembre qual). Nereu, cuidadoso, pediu “uma sopinha”. Olhei o cardápio e lá estava: “Virado à paulista” (feijão, arroz, bisteca de porco, torresmo, um ovo frito e outras coisas “levinhas”). Pedi. Nereu protestou: “Oh, desgraçado, vais me fazer ficar acordado mais uma noite? Come outra coisa!”

A ordem não foi obedecida. E Nereu passou outra noite em claro. Apesar disso, o “Virado à Paulista” estava um espetáculo…

Na foto, Nereu em imagem da época:

Por Aderbal Machado 28/01/2023 - 10:59 Atualizado em 28/01/2023 - 11:00

Roberto disse isso numa música e eu relembro as flores do jardim da nossa casa, numa esquina da Praça Hercílio Luz (Jardim Alcebíades Seara), ao lado do posto de gasolina do André Wendhausen, no Araranguá velho de guerra.

Mamãe as plantava com um zelo incomum e sem seguir rigores estéticos nos canteiros. E assim, nasciam as flores desordenadas, porém lindas no seu conjunto. Muitas flores. Lembro das margaridas. Adorava desmanchar o seu núcleo central como se fosse farinha. Guri malvado. 

Relembro suas hortas de todas as plantas verdes. Ali tinha de tudo. Tudo mesmo. Jamais adquirimos verduras, legumes ou frutas no comércio. Mamãe as plantava e colhia com fartura. Os imensos pomares de laranjas e vergamotas na Boa Vistinha, além da sombra generosa, nos brindavam com frutos fresquíssimos, colhidos na hora e saboreados com quase ânsia. As cascas ficavam ali mesmo, adubando o chão.

Os gramados se espichavam por boa parte do terreno. Ali ninguém pisava, mesmo sem uma advertência explícita.

Também tínhamos um terranão inóspito, com um poço d’água lá no meio, de onde tirávamos a água que nos causava incidência de muitos vermes. Mas naqueles tempos, isso era considerado quase normal. E então surgiu a Ankilostomina Fontoura. Específica e mortal contra verminoses. Os caboclos compravam em pacotes. Pra família toda.

Esta variação temática eu a uso para desviar um pouco algumas angústias, algumas lembranças insistentes de coisas nada compensadoras doutros momentos. A infância e a juventude fervilhavam de alguns entrechoques: o nada ter, o nada poder e o nada desejar. A vida parecia ser uma sequência natural. Em verdade a preocupação com o futuro se restringia à impressão maluca de que os pais seriam imortais e estariam sempre ali, a nos prover de nossas necessidades. Nada ter, nada poder e nada desejar tinha o condão de nos fazer satisfeitos com o momento. E vivê-lo com a intensidade possível. Assim, as enxurradas eram uma farra, as corridas nas estradas empoeiradas, o escalar árvores para apanhar frutas, os banhos no rio Amola Faca e Jundiá, o cuidado com os bichos, o tomar o leite espumante tirado das vacas na hora, o pão caseiro, o milho verde, as conversas cheias de mistério de mamãe e nossos tios – entremeadas por fantasias fantasmagóricas assustadoras sempre. Parecia que adoravam nos ver de olhos esbulhados a cada narrativa terrível. Sempre havia fantasmas atrás das portas, arrastando correntes, emitindo seus sons guturais de chamamento. As “almas penadas”.

E então, de repente, a vida passou num relâmpago e aqui estamos. 

A juventude de hoje, completamente avessa àquele tipo de vida, nem saberia usufruí-lo. A nós cabe a lembrança e a saudade de um tempo inolvidável e longe demais. Não só no fator temporal, mas nos costumes, nas formas de encarar a vida, na forma de enfrentar as agruras e, quiçá, até as facilidades.
Não soubemos aproveitar. Ou, no vulgo: “Éramos felizes e nem sabíamos”.

Por Aderbal Machado 21/01/2023 - 09:00 Atualizado em 21/01/2023 - 09:11

Pois a gente vai buscando na memória alguns momentos marcantes e vai digressando sobre eles.

Continuo sobre Portugal. A insistência tem um pouco de deslumbramento justificado por ter sido a primeira e única viagem internacional que fizemos.

Felizmente tendo como destino um país fascinante sob vários aspectos: pelo que é e pelo que representa, historicamente, na formação da Nação Brasileira, consideradas todas as formas de interpretação.

Chegando lá, após um voo por demais longo (preso dentro de uma avião me dá uma sensação de impotência física, impressionável que sou em certas circunstâncias).

Ao chegar, fiquei matutando sobre as eventuais dificuldades com a migração. Diziam-se ser uma dureza os questionários do pessoal sobre as finalidades da chegada da gente no país. Ledo engano. Depois de encarar uma fila enorme, porém célere, chegamos ao guichê, apresentamos o passaporte e a pergunta clássica veio: “Qual a finalidade da viagem?”.

Resposta: “Assistir ao nascimento de nossa neta”.

“Onde a família reside?”

Resposta: São João de Rana (o funcionário me corrigir: “São Domingos de Rana”. Correto. Ele riu do meu erro.

E carimbou o passaporte. Perguntei, finalmente: 

Perguntei, curioso: “O senhor não quer a comprovação (tínhamos a declaração da filha, do genro e do neto, estabelecendo a veracidade documental)?”

E o funcionário: “Não, a sua palavra basta”. 

Acho que foi com a minha cara ou então imaginou: “Um negrão idoso não iria mentir numa coisa tão banal”. Fiquei feliz.

E aí começou a saga esplêndida dos dias a seguir. Contei detalhes noutras crônicas.

Mas houve coisas iniciais impressionantes, já “de cara”: a imensidão do aeroporto de Lisboa, a paisagem ao longo do caminho, a impressionante organização ambiental, a maravilhosa e vistosa sucessão de residências cercadas de árvores, muita vegetação. E a tranquilidade do tráfego. Sabendo-se que, lá, a velocidade é 70 km/h nessas rodovias de longo curso. Cheio de radares por todo canto. E ninguém chia que nem aqui. Apenas cumprem.

E chegamos a São Domingos de Rana. A filha, genro e netos não moram mais lá. Ficaram mais chiques e se mudaram para Carcavelos, uma belíssima praia. Mas

São Domingos de Rana me deixou uma excepcional impressão de como uma vida pode e deve ser bem vivida e como uma comunidade deve e precisa se comportar em relação a qualquer quesito que se queira.

Foto: Divulgação

 

Por Aderbal Machado 14/01/2023 - 07:00

Um dos pontos que mais me deixou pensativo em Portugal foi o destaque de Alexandre Herculano no Mosteiro dos Jerônimos, em Belém, na Grande Lisboa.

Enquanto Vasco da Gama, Fernando Pessoa e mesmo outros descobridores e personagens destacados de Portugal mereceram monumentos dentro do complexo histórico, as cinzas de Alexandre Herculano estão numa tumba no meio de um salão enorme – enorme MESMO. E ali estão suas frases, seus pensamentos e as referências às suas principais obras. E percebi que ele foi mais importante para a história do que os demais. Pelo menos quanto à literatura, com decisiva força na forja das identidades culturais.

Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (Lisboa, 28 de março de 1810 – Quinta de Vale de Lobos, Azoia de Baixo, Santarém, 13 de setembro de 1877) foi um escritor, historiador, jornalista e poeta português da era do romantismo.

Como liberal que era, teve como preocupação maior, estabelecida nas suas ações políticas e seus escritos, sobretudo em condenar o absolutismo e a intolerância da coroa no século XVI para denunciar o perigo do retorno a um centralismo da monarquia em Portugal.

Faleceu no dia 18 de Setembro de 1877. Encontra-se sepultado no Mosteiro dos Jerônimos, transladado para aí em 6 de Novembro de 1978.

Uma das obras mais notáveis de Alexandre Herculano é a sua História de Portugal, cujo primeiro volume é publicado em 1846, obra que introduz uma historiografia científica em Portugal, não podia deixar de levantar enorme polêmica, sobretudo com os setores mais conservadores, encabeçados pelo clero, que o atacou por não ter Herculano admitido como verdade histórica o então célebre Milagre de Ourique - segundo o qual Cristo aparecera ao rei Afonso Henriques numa batalha.

Herculano foi o responsável pela introdução e pelo desenvolvimento da narrativa histórica em Portugal. Juntamente com Almeida Garrett, é considerado o introdutor do Romantismo em Portugal, desenvolvendo os temas da incompatibilidade do homem com o meio social.

O trabalho literário de Herculano foi, juntamente com as Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett, o ponto inicial para o desenvolvimento da prosa de ficção moderna em Portugal. A partir disto, as narrativas históricas foram focando épocas cada vez mais próximas do século XIX.

Na imagem, a amplitude do local, onde estivemos

 

Por Aderbal Machado 07/01/2023 - 06:00

Meu gatinho melhorou e começou a receber quimioterapia. Serão, inicialmente, seis sessões imediatas. Duas na quinta, 5, em seguida outras duas (uma por semana) e, finalmente, duas na derradeira semana do “esforço concentrado” determinado pelo oncologista. Após, uma sessão mensal. O custo é alto e precisaria dar uma rebolada financeira pra pagar, mas vale a pena pela vida do meu bichano. É um grande amor que nos une. Seu olhar suplicante, ao ser atingido pela doença me desmontou, até que fui à busca de socorro. Meu desabafo, agora com ares de mais otimismo.

Dito isso, vamos à baila normal.

Volto às minhas memórias de Portugal, onde vivem minha filha, meu genro e meus netos há oito anos e pedradas. Já estão, neste momento, com cidadania quase consagrada.

Lá estivemos, como disse na outra crônica, entre 9 e 29 de dezembro de 2019, vivendo uma experiência maravilhosa de conhecimentos culturais.

Foto: Arquivo Pessoal

Meca do descobrimento, Portugal dominou grande parte da Europa e muitas partes do mundo e até hoje tem influências. 

O mais impressionante, a mim ficou claro, é a cultura e a educação, com raríssimas exceções. Raríssimas mesmo. Não é enfeite vernacular.

Outro mérito notório é a preservação histórica da memória cívica e política. Exceção das marcas deixadas por Antônio de Oliveira Salazar. Mesmo assim, não puderam, por evidente impossibilidade, eliminá-la, pois, majestosa, a Ponte 25 de Abril, por ele construída e originalmente identificada pelo seu nome é um portento. A ponte é algo de inefável beleza e grandiosidade. 

A arquitetura colonial é impressionante em todos os lugares. Em alguns, com mais presença, outros, com menos presença. Um detalhe singular: não há espigões enormes em Portugal. Nenhum, em lugar nenhum. Acho que chamam isso de consciência de sustentabilidade. Lá funciona.

Ainda guardo na memória, dentre tantas visões magníficas, as decantadas visões do Monumento dos Descobridores, do protótipo do avião de Gago Coutinho e Sacadura Cabral e da Torre de Belém, esta talvez a imagem mais identificadora de Portugal. Estando lá perto, livrei-me de me extasiar e fixei a memória prática e poética dos sentimentos atávicos – os Machado são originários da península ibérica. Fechei os olhos e fiquei memorizando, por longos momentos (não esqueçam: eu estava à beira do Tejo, o símbolo vivo de tudo), a saga de Cabral e de Vasco da Gama, ao partir dali para navegar em busca de novos mundos. Me coloquei dentro de um daqueles navios – e vivi a emoção do “terra à vista”!

Minha mulher ante o Monumento dos Descobridores | Foto: Arquivo Pessoal

E então encerro com Camões:

As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

(Lusíadas, Canto I, parte inicial de 106 versos)

Amo meu país e minha terra, mas Portugal é carinho especial.

Por Aderbal Machado 31/12/2022 - 07:00

Começo homenageando meu valente gatinho Félix, acometido por um surpreendente e demolidor câncer intestinal. Estamos tratando com quimioterapia. Mas é irreversível, segundo o oncologista veterinário. Dará uma sobrevida. Cogitou-se eutanásia. Jamais. Vamos tratá-lo, gastando um dinheiro que não temos, para garantir-lhe um final de vida digno e perto dos seus, cercado de carinho. Ficará conosco até quando for possível, não importa o custo.

Meu gatinho Félix, xodó do papai, doentinho

A ele dedico a singeleza de Fernando Pessoa, para tentar me aliviar neste momento terrível:

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu"

Entanto, precisamos ir adiante, embora com a alma ferida e o coração angustiado. Vamos então.

Pois retorno a falar sobre a viagem a Portugal, em dezembro de 2019, minha mulher e eu, a fim de ver o nascimento da netinha portuga Liz, hoje uma linda ruiva, cabelos de fogo e brejeira como poucas.

Naqueles 20 dias frutíferos, cuidei de observar comportamentos e circunstâncias.

1. Nas ruas de São Domingos de Rana, Grande Lisboa, onde  moram a filha Andreia, o neto Arthur e o genro Gregory, circulei muito. Arborização absoluta. Córregos públicos puríssimos, até com peixes. Parques imensos, como o Parque do Bugio. Árvores frutíferas nos terrenos públicos e à beira dos muros. Condomínios abertos.

2. Andei bastante e não vi um sequer gari nas ruas, nem caminhão de lixo. Condomínios e residências não têm recipientes pra lixo doméstico. Este precisa ser guardado em casa e, ao final do dia, é levado a contêineres públicos, que toda quadra tem. O caminhão de lixo recolhe tudo à noite.

3. Nada de lixo nas ruas e, exótico: não há lixeiras por todo canto, só em locais estratégicos, com nas saídas de supermercados e pontos de alta frequência, como os locais turísticos.

4. Nos supermercados, os carrinhos de compras são presos a um sistema, só liberado ante o depósito de um euro, recuperado quando o carrinho  retorna à origem. Nos caixas, zero sacolas de plástico.

5. Ainda irregular por lá, a filha deu entrada na maternidade usando o formulário PB-4, produto de convênio Brasil/Portugal, que dá direito a atendimento de SUS por  um ano e renovável. Com uma diferença: altíssima qualidade e nada de esperas, praticamente. 

6. Ao sair da maternidade, a criança já terá sua identidade magnética com todos os dados em chip. Detalhe assombroso: a receita médica tem os remédios, cujo preço é mostrado e em NENHUMA farmácia do país pode ser diferente, exceto se o paciente quiser trocar de laboratório. E mais: há a data da fabricação e a validade. 

7. Numa vez, além dos tantos pontos históricos (noutras crônicas contarei), fomos a Carcavelos, praia lindíssima. Tudo à beira da orla. Bons restaurantes. E, vejam, cães circulando nas areias e entre as mesas dos restaurantes. Não é vedado e ninguém impede ou reclama. Entretanto, se ocorrer algo danoso pelos cães, o dono é responsável e cobrado na hora.

8. Cinto de segurança, em táxi ou uber: se o passageiro estiver sem e for flagrado, é ele quem paga a multa. Ah, sim: multa cash, com recibo na hora. Ou não sai do lugar. Ou vai preso. O motorista está isento se estiver ele mesmo de cinto. Senão, marcha também. Se não tiver grana na hora, é levado até um caixa rápido.

9. Transporte: se vi dois ou três ciclistas circulando foi muito. Só nas ciclofaixas das praias. Motocicletas: lembro-me de ter visto uma circulando. Assim mesmo porque olhei, pois absolutamente silenciosa.

10. No trânsito, ninguém atravessa fora da faixa de segurança. E motorista PÁRA. 

11. Transporte: tudo é de trem. No país inteiro. Não vi um ônibus. Só microônibus, que servem para levar os passageiros até as gares dos trens. Limpíssimas e ordenadas. Numa delas, em Belém, com um piano para quem quiser e souber tocar. Brilhando de conservado. Compra-se o crédito até onde queira ir e é só ir passando nas catracas. Não há ninguém para cobrar. Ao menos parece, porque fiscalização deve existir, quando alguém burla. Não vi. 

12. Se gostar de churrasco, prepare-se: carne vermelha é caríssima e rara. No mais é frango, coelho, porco e outros bichos. Se quiser dois bifinhos pra matar o desejo é de rebentar o orçamento. 

13. Finalmente: os trens saem RIGOROSAMENTE nos horários. E dentro deles há informações em painéis de horário, condição de tempo, itinerário e as paradas. 

Que inveja me deu...

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