Usando um modelo de comunicação comum entre quem não quer ser questionado de forma imediata, o presidente nacional do PL, Waldemar da Costa Neto, fez uma transmissão ao vivo na tarde desta terça-feira (22) para pedir que os votos de 59% das urnas sejam invalidados. É que segundo ele, urnas fabricadas até 2020 apresentam falhas no logs – que são os registros de dados dos equipamentos. No documento que enviou ao TSE com os devidos questionamentos, Waldemar embasa seu pedido em uma auditoria contratada pelo próprio PL e cita quais modelos de urnas apresentam supostos indícios de mau funcionamento. Por coincidência, as urnas que foram consideradas seguras, são equipamentos em que o Presidente Jair Bolsonaro fez maioria de votos. Neste caso, se considerados somente os votos deste modelo de urna que a auditoria do partido considerou segura, Jair Bolsonaro seria eleito. Além disso, a ação do PL pede que sejam considerados somente os resultados do 2º turno, uma forma de garantir que os parlamentares eleitos pelo partido não sejam prejudicados.
A live do Waldemar mal havia encerrado e já circulava pelo país todo o despacho do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes que, em resumo, diz: “olha, Waldemar, eu não nasci ontem, eu nasci em dezembro de 1968 então ou tu inclui aí o pedido para anular as os votos do 1º e 2º turno, ou eu vou indeferir essa tua ação aí”. E deu ao PL o prazo de 24h para que os advogados “ajustem” a petição inicial que incluía somente as urnas do 2º turno.
Eu disse tudo isso para chegar num ponto comum sobre o que vem acontecendo após o resultado da eleição no Brasil: a estratégia adotada para manter o bolsonarismo vivo e atuante (não disse que o bolsonarismo precisa disso – disse que é a estratégia).
O que fazer para que os acampamentos se mantenham ativos e as manifestações continuem acontecendo? Para isso, a cada três ou quatro dias, “surge” algo novo que renova a esperança de mudar o resultado da eleição. É uma espécie de “agora vai”, quase diário.
Se o nobre leitor puxar pela memória o fio dos fatos, vai lembrar que logo após o resultado da eleição, diversos pontos de rodovias do país foram fechados. Os bloqueios duraram poucos dias. Por força da lei e a pedido do próprio presidente Jair Bolsonaro, os manifestantes desbloquearam as rodovias e migraram para a frente dos quartéis, em diversas cidades Brasil afora e continuaram manifestando sua insatisfação com o resultado da eleição. E, vale destacar, manifestar-se pacificamente é um direito garantido por lei. Depois disso, havia a expectativa entre os manifestantes sobre uma denúncia contra a segurança das urnas que, neste caso, foi feita por um argentino também através de uma live, que apontou alguns questionamentos superficiais sobre o assunto. Na sequência, foi anunciada uma greve geral que deveria acontecer no dia 7 de novembro, uma segunda-feira. Apesar de amplamente divulgada por apoiadores do presidente, a adesão à paralisação foi muito abaixo do esperado. Nem as lojas Havan, do empresário Luciano Hang, um dos maiores apoiadores de Bolsonaro, fecharam as portas. Se a greve geral não atendeu à expectativa, era hora de anunciar que o Ministério da Defesa enviaria ao TSE o relatório sobre o desempenho das urnas. O anúncio foi feito numa segunda à noite e o documento foi entregue somente dois dias depois. O suficiente para, mais uma vez, manter viva a esperança dos manifestantes. O relatório apresentado não trouxe novos elementos para o enredo das urnas. Mas aí o feriado de 15 de novembro já estava batendo à porta. Com isso, o assunto “Ministério da Defesa” foi superado por uma nova promessa de grande paralização no dia da Proclamação da República. Embora as manifestações tenham ocorrido em diversos pontos do país, no dia seguinte a vida seguiu normalmente.
Na semana passada, logo após o 15 de novembro, o PL anunciou que iria pedir a anulação dos votos de algumas urnas. A promessa garantiu combustível para mais dois ou três dias de animação e esperança e foi concretizada hoje, quando Waldemar fez a live.
Tudo isso ocorre enquanto Bolsonaro permanece em silêncio, amparado pelo presidente do seu partido e atual fiel escudeiro, quem vem fazendo as vezes de porta-voz dos anseios bolsonaristas. Ao mesmo tempo, o governo de transição segue o cronograma de trabalho e Lula se movimenta, de modo subliminar, para não deixar dúvidas quanto à legitimidade de sua eleição. A recente viagem para o Egito, na Conferência do Clima, é prova disso. Ao comparecer no encontro, Lula se apresenta ao mundo como presidente eleito e chama para si o holofote deixado de lado por Bolsonaro. Essa briga de gigantes, onde um quis enfrentar o outro, ainda está longe do fim. Enquanto as notícias alimentam a fé e a esperança de mudar o rumo das eleições e mantem vivos os acampamentos, o ano vai chegando ao fim, num apagar das luzes quase nostálgico, fazendo as contas daquilo que poderia ter sido e não foi. Em breve, pode ser que novas promessas surjam, e reacenda o brilho nos olhos de quem realmente acredita num Brasil melhor. Tudo acontece enquanto o alto clero já discute a eleição de 2026. A comprovar que a política, meus amigos, não tem dó de ninguém. Nem de quem tem olhos e não quer ver.